Os Padrões de identidade e qualidade dos alimentos: uma análise de suas transformações no Brasil

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5433/2176-6665.2020v25n1p247

Palavras-chave:

Normas de qualidade, Mercado de alimentos, Indústria alimentar, Produtos alimentares processados, Rotulagem

Resumo

Este artigo analisa transformações de normas de qualidade no Brasil, os Padrões de Qualidade e Identidade. A partir dos anos de 2000, a legislação brasileira acompanha mudanças no mercado global de alimentos, conforme questões sanitárias e de rotulagem passam a ser priorizadas em definições de qualidade. Diferentemente de outros estudos que analisam problemas com a implementação da legislação no setor alimentar no Brasil, este artigo problematiza o passo anterior, ou seja, a própria definição destas normas. São fontes para este trabalho relatórios e regulamentos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia; publicações de jornais, de representantes da indústria alimentar, de associações de defesa consumidor e pesquisas de mercado. As mudanças em normas de qualidade no Brasil privilegiaram a abertura de novos nichos de alimentos industrialmente processados, assim como o mercado de ingredientes e aditivos químicos para atender a este setor; significaram a perda na qualidade nutricional de produtos; e resultaram em críticas por parte de grupos de consumidores e profissionais da área da saúde atentos a tais mudanças. Concluímos que a análise dessas transformações nos possibilita entender não apenas como novos produtos e mensagens de saúde ganharam legitimidade institucional e a quais interesses tais normas atendem, mas também como a perda da qualidade nutricional de alimentos é uma questão grave, que acontece na linha difusa deixada pela própria legislação.

Biografia do Autor

Marília Luz David, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.

Julia Silvia Guivant, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina.

Referências

ALÉRGENOS: o que são e onde encontrá-los? Food Ingredients Brasil, São Paulo, n. 27, p. 31-37, 2013. Disponível em: http://www.revista-fi.com/materias/351.pdf. Acesso em: 1 dez. 2018.

ALLAIRE, Gilles. Quality in economics: a cognitive perspective. In: HARVEY, Mark; MCKEEIN, Andrew; WARDE, Alan. Qualities in food. Manchester: Manchester University Press, 2004. p. 61-93.

ANVISA - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Relatório de atividades de 2004. Brasília: Anvisa, 2005a.

ANVISA - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Relatório de atividades de 2005. Brasília: Anvisa, 2006.

ANVISA - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução nº 90, de 18 de outubro de 2000. Brasília: Anvisa, 2000. Disponível em:
https://sogi8.sogi.com.br/Arquivo/Modulo113.MRID109/Registro13419/documento%201.pdf. Acesso em: 15 fev. 2019.

ANVISA - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC nº 263, de 22 de setembro de 2005. Aprova o “Regulamento técnico para produtos de cereais, amidos, farinhas e farelos”, constante do anexo desta resolução. Brasília: Anvisa, 2005b. Disponível em: https://www.saude.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MjIwMw%2C%2C. Acesso em: 10 dez. 2018.

ANVISA - AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC nº 264, de 22 de setembro de 2005. Aprova o “Regulamento técnico para chocolate e produtos de cacau”, constante do anexo desta resolução. Brasília: Anvisa, 2005c. Disponível em:
http://www.aeap.org.br/doc/resolucao_rdc_264_de_22_de_setembro_2005.pdf. Acesso em: 14 fev. 2019.

BAIRD, Marcelo Fragano. O lobby na regulação da propaganda de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 24, n. 57, p. 67-91, mar. 2016.

BEARDSWORTH, Alan; KEIL, Teresa. Sociology on the menu: an invitation to the study of food and society. Londres: Routledge, 1997.

BOWKER, George; STAR, Susan. Sorting things out: classifications and its consequences. Cambridge: MIT Press, 2000.

BRASIL. Decreto-lei nº 986, de 21 de outubro 1969. Institui normas básicas sobre alimentos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, p. 8935, 21 out. 1969.

BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

BRASIL. Portaria n° 27 SVS/MS, de 13 de janeiro de 1998. A Secretária de Vigilância Sanitária do MS aprova o Regulamento Técnico referente à Informação Nutricional complementar. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, 16 jan. 1998a.

BRASIL. Portaria n° 41, de 14 de janeiro de 1998. A Secretaria da Vigilância Sanitária do MS aprova o regulamento técnico para rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial da União: seção1, Brasília, 21 jan. 1998b.

BRASIL. Portaria nº 1428, de 26 de novembro de 1993. Ministério da Saúde aprova, na forma dos textos anexos, o "Regulamento Técnico para Inspeção Sanitária de Alimentos", as "Diretrizes para o Estabelecimento de Boas Práticas de Produção e de Prestação de Serviços na Área de Alimentos" e o "Regulamento Técnico para o Estabelecimento de Padrão de Identidade e Qualidade (PIQs) para Serviços e Produtos na Área de Alimentos". Diário Oficial da União, Brasília, 2 dez. 1993.

BRASIL. Resolução RDC n° 360, de 23 de dezembro de 2003. A Diretoria Colegiada da ANVISA/MS aprova o regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, 26 dez. 2003.

BRASIL. Resolução RDC n° 94, de 1 de novembro de 2000. A Diretoria Colegiada da ANVISA/MS aprova o regulamento técnico para rotulagem nutricional obrigatória de alimentos e bebidas embalados. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, 3 nov. 2000.

BUSCH, Lawrence. Food standards: the cacophony of governance. Journal of Experimental Botany, Oxford, v. 62, n. 10, p. 3247-3250, June 2011a.

BUSCH, Lawrence. Standards: recipes for reality. Cambridge: MIT Press, 2011b.

BUSCH, Lawrence. The private governance of food: equitable exchange or bizarre bazaar? Agriculture and Human Values, New York, v. 28, n. 3, p. 345-352, Sept. 2011c.

BUSCH, Lawrence; BAIN, Carmen. New! Improved? The transformation of the global agri-food system. Rural Sociology, Baton Rouge, v. 69, n. 3, p. 321-346, 2004.

BUSCH, Lawrence; TANAKA, Keiko. Rites of passage: constructing quality in a commodity subsector. Science, Technology & Human Values, Thousand Oaks, v. 21, n. 1, p. 3-27, Dec. 1996.

CALLON, Michel; MÉADEL, Cécile; RABEHARISOA, Vololona. The economy of qualities. Economy and Society, London, v. 31, n. 2, p. 194-217, 2002.

CNNPA - COMISSÃO NACIONAL DE NORMAS E PADRÕES PARA ALIMENTOS. Resolução n° 12, de 24 de julho 1978. Aprova normas técnicas especiais, do Estado de São Paulo, revistas pela CNNPA, relativas a alimentos (e bebidas), para efeito em todo território brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 24 jul. 1978.

CRAWFORD, Robert. Healthism and the medicalization of everyday life. International Journal of Health Services, Los Angeles, v. 10, n. 3, p. 365-388, 1980.

CRUZ, Fabiana; SCHNEIDER, Sérgio. Qualidade dos alimentos, escalas de produção e valorização de produtos tradicionais. Revista Brasileira de Agroecologia, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 22-38, 2010.

FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. Guidelines on the collection of information on food processing through food consumption surveys. Roma: FAO, 2015.

FARIELLO, Danilo; OLIVEIRA, Eliane. Alimentos prontos ‘made in Brazil’ ganham mercado externo. O Globo, Rio de Janeiro, 8 maio 2016. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/alimentos-prontos-made-in-brazil-ganham-mercado-externo-19256277. Acesso em: 23 out. 2018.

FERREIRA, Andréa; LANFER-MARQUEZ, Ursula. Legislação brasileira referente à rotulagem nutricional de alimentos. Revista de Nutrição, Campinas, v. 20, n. 1, p. 83-93, jan./fev. 2007.

FIGUEIREDO, Ana Virginia; RECINE, Elisabeta; MONTEIRO, Renata. Regulação dos riscos dos alimentos: as tensões da vigilância sanitária no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 7, p. 2353-2366, 2017.

FISA - FOOD INGREDIENTS SOUTH AMERICA. Sobre a FiSA. In: INFORMA MARKETS. Food ingredients South America. São Paulo, [2018?]. Disponível em: https://www.fi-events.com.br/pt/expor/sobre-a-fisa. Acesso em: 4 dez. 2018.

FISCHLER, Claude. Gastro-nomía y gastro-anomía: sabiduría del cuerpo y crisis biocultural de la alimentación moderna. Gazeta de Antropología, Granada, v. 26, n. 1, p. 1-19, 2010.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

FROHLICH, Xaq. The informational turn in food politics : the US FDA’s nutrition label as information infrastructure. Social Studies of Science, Beverly Hills, v. 27, n. 2, p. 1-27, 2017.

FULPONI, Linda. Private voluntary standards in the food system: the perspective of major food retailers in OECD countries. Food Policy, Oxford, v. 31, n. 1, p. 1-13, 2006.

GFK - GROWTH FROM KNOWLEDGE. Consumer trends GfK: 2017. São Paulo, 2017. 23 slides. Disponível em: https://www.gfk.com/fileadmin/user_upload/country_one_pager/BR/documents/APAS_Show_coletiva_GfK_completo.pdf. Acesso em: 11 dez. 2018.

GOMES, Juliana. Mercado da alimentação saudável deve crescer 4,41% até o ano de 2021. Diário Catarinense, Florianópolis, 19 abr. 2017. Disponível em: http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2017/04/mercado-de-alimentacao-saudavel-deve-crescer-4-41-ao-ano-ate-2021-9775279.html. Acesso em: 17 jul. 2018.

GOODMAN, David. The quality 'turn' and alternative food practices: reflections and agenda. Journal of Rural Studies, Oxford, v. 19, n. 1, p. 1-7, Jan. 2003.

GUIA de fornecedores 2018. Food Ingredients Brasil, São Paulo, n. 43, p. 31-60, 2018. Disponível em: http://revista-fi.com.br/upload_arquivos/201803/2018030882620001521745610.pdf . Acesso em: 4 dez. 2018.

GUIVANT, Julia. Os supermercados na oferta de alimentos orgânicos: apelando ao estilo de vida ego-trip. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 6, n. 2, p. 63-81, jul./dez. 2003.

HATANAKA, Maki; BAIN, Carmen; BUSCH, Lawrence. Third-party certification in the global agrifood system. Food Policy, Oxford, v. 30, n. 3, p. 354-369, 2005.

IDEC - INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Comer ou não comer chocolate. Revista do Idec, São Paulo, n. 119, mar. 2008.

IDEC - INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O açúcar que você não vê... In: IDEC. São Paulo, [2014?]. Disponível em: https://www.idec.org.br/o-acucar-que-voce-nao-ve. Acesso em: 18 jul. 2017.

MONTEIRO, Carlos Augusto; LEVY, Renata Bertazzi; CLARO, Rafael Moreira; CASTRO, Inês Rugani Ribeiro; CANNON, Geoffrey. Uma nova classificação de alimentos baseada na extensão e propósito do seu processamento. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n. 11, p. 2039-2049, 2010.

MONTEIRO, Carlos; CANNON, Geoffrey. The impact of transnational “Big Food” companies on the south: a view from Brazil. PLoS Medicine, Lawrence, v. 9, n. 7, p. 1-5, 2012.

MOSS, Michael. Sal, açúcar, gordura: como a indústria alimentícia nos fisgou. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

NESTLE, Marion. Food politics: how the food industry influences nutrition and health. Berkeley: University of California Press, 2007.

NESTLE, Marion. Unsavory truth: how food companies skew the science of what we eat. New York: Basic Books, 2018.

NIERDELE, Paulo André; WESZ JUNIOR, Valdemar João. As novas ordens alimentares. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2018.

OOSTERVEER, Peter; SPAARGAREN, Gert; GUIVANT, Julia. Alimentos verdes em supermercados globalizados: uma agenda teórico-metodológica. In: GUIVANT, Julia; SPAARGAREN, Gert; RIAL, Carmen. (org.). Novas práticas alimentares no mercado global. Florianópolis: EdUFSC, 2010. p. 15-57.

PAHO - PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. Ultra-processed food and drink products in Latin America: trends, impact on obesity, policy implications. Washington: PAHO, 2015.

PEREIRA, Bárbara. Com maior procura, empresários investem em produtos sem glúten. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 set. 2015. Caderno Mercado. Disponível em: https://tinyurl.com/y94ryle3. Acesso em: 18 mar. 2019.

POLLAN, Michael. Em defesa da comida: um manifesto. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2008.

PROTESTE. Alimentos industrializados no Brasil e na Europa. In: PROTESTE. [S. l.], 28 set. 2015. Disponível em: https://www.proteste.org.br/alimentacao/alimento-industrializado/noticia/alimentos-ultraprocessados-aditivos-sal-e-acucar-em-excesso. Acesso em: 5 mar. 2019.

SCHÜTZ, Alfred. Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

SCRINIS, Giorgy. Nutritionism: the science and politics of dietary advice. New York: Columbia University Press, 2013.

SCRINIS, Giorgy. Reformulation, fortification and functionalization: Big Food corporations’ nutritional engineering and marketing strategies. The Journal of Peasant Studies, London, v. 43, n. 1, p. 17-372, 2016.

STAR, Susan; RUHLEDER, Karen. Steps towards an ecology of infrastructure: complex problems in design and access for large-scale collaborative systems. In: ACM CONFERENCE ON COMPUTER SUPPORTED COOPERATIVE WORK, 1994, Chapel Hill. Proceedings […]. New York: ACM, 1994. p. 253-264.

STUCKLER, David; MCKEE, Martin; EBRAHIM, Shah; BASU, Sanjay. Manufacturing epidemics: the role of global producers in increased consumption of unhealthy commodities including processed foods, alcohol, and tobacco. PLoS Medicine, Lawrence, v. 9, n. 6, p. 1-8, 2012.

TANSEY, Geoffy; WORSLEY, Tony. The food system: a guide. Londres: Earthscan, 1995.

THÉVENOT, Laurent. Governing life by standards: a view from engagements. Social Studies of Science, London, v. 39, n. 5, p. 793-813, Oct. 2009.

UM TERÇO dos brasileiros acha difícil evitar consumir alimentos com muito sal. In: MINTEL GROUP LTD. Mintel. São Paulo, 10 mar. 2016. Disponível em: https://tinyurl.com/yb5soxte. Acesso em: 17 out. 2018.

WATSON, Elaine. Special report: consumers and clean food: where is clean label trend going next? In: WILLIAM REED BUSINESS MEDIA LTD. FoodNavigator-USA. Crawley, 26 Apr. 2017. Disponível em: http://www.foodnavigator-usa.com/R-D/Where-is-the-clean-label-trend-going-next-Hartman-Group-weighs-in. Acesso em: 23 maio 2019.

WILKINSON, John. Os gigantes da indústria alimentar entre a grande distribuição e os novos clusters a montante. Estudos, Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 18, p. 147-174, abr. 2002.

WINICKOFF, David; BUSHEY, Douglas. Science and power on global food regulation: the rise of the Codex Alimentarius. Science, Technology & Human Values, Thousand Oaks, v. 35, n. 3, p. 356-381, 2009.

Downloads

Publicado

2020-04-19

Como Citar

DAVID, Marília Luz; GUIVANT, Julia Silvia. Os Padrões de identidade e qualidade dos alimentos: uma análise de suas transformações no Brasil. Mediações - Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 25, n. 1, p. 247–264, 2020. DOI: 10.5433/2176-6665.2020v25n1p247. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/37369. Acesso em: 4 jul. 2024.

Edição

Seção

Artigos

Dados de financiamento