Wed, 30 Nov 2022 in Mediações - Revista de Ciências Sociais
Crise de Autoridade em Educação: O Discurso Juvenil Através do YouTube
Resumo
Buscamos neste trabalho refletir sobre a crise de autoridade em Educação enquanto carência de valorização da escola e seus protagonistas, a partir do discurso dos próprios alunos. Adotamos como material de análise os comentários postados pelos alunos na plataforma do YouTube em vídeos que retratam alguns aspectos do cotidiano escolar. Operando por meio da análise textual discursiva – ATD e com um aporte teórico referenciado principalmente em Honneth (2003) e Gadamer (2002), ponderamos que a denunciada “crise de autoridade em Educação” é, antes de tudo, uma crise do reconhecimento recíproco, crise da capacidade dialógica que abre ao horizonte da compreensão mútua. Resistem por meio dos conflitos sociais exemplificados nos comentários e “discussões” juvenis aos vídeos uma luta por reconhecimento e uma esperança de diálogo, que precisariam ser corajosa e cuidadosamente escutadas pelos educadores, a fim de fazer valer o caráter produtivo e criador dos conflitos, se bem mediados.
Main Text
Introdução
Com o surgimento da pandemia em 31 de dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China, com posterior contaminação global e a prática de isolamento social necessária, o ciberespaço2 se tornou em alguns momentos o principal meio de comunicação, interação e manifestação pública. Os diálogos antes presenciais passaram a ocorrer com alguma intensidade por aplicativos de comunicação e redes sociais como WhatsApp, Telegram, Facebook, Twitter, entre outros, reforçando o papel da internet como
Em grande medida, e mesmo antes da pandemia de 2020, no âmbito da pesquisa em Educação, considerar o ciberespaço como meio de estudo das representações manifestadas pelas vozes de alunos e educadores é um caminho que vem sendo largamente explorado.
No Brasil, o YouTube aparece como a principal plataforma audiovisual utilizada na produção e consumo de conteúdo, sendo o ambiente que mais cresceu em uso durante a pandemia, segundo divulgação do próprio Google em novembro de 2020 e notícias na imprensa em geral, como, por exemplo, em matérias da Universo Online (UOL)3.
A plataforma Youtube foi lançada em junho de 2005 com a proposta de viabilizar gratuitamente a produção e compartilhamento de vídeos na Internet sem a necessidade de conhecimento técnico especializado. Com um modelo de negócio centrado na mediação entre anunciantes, criadores de vídeos e espectadores, os ganhos da empresa proprietária do YouTube são oriundos especialmente de anúncios publicitários que são divididos entre empresa e produtores de conteúdo. Nesse sentido, quanto mais atrativo for um vídeo maior é a chance de ingressar no programa de remuneração publicitária da plataforma.
Embora esse modelo de negócio estimule na maioria das vezes a produção de vídeos de qualidade, como ocorre no YouTube educacional, com professores oportunizando o livre acesso a videoaulas de qualidade, também emerge, por outro lado, uma quantidade significativa de usuários que buscam rentabilidade postando vídeos de humilhações, bullying e outras produções pautadas na exposição e dramatização de situações constrangedoras, com o intuito de conquistar visibilidade pelo crescimento de audiência com maior remuneração.
Em uma parcela significativa deste tipo de vídeo se produzem cortes de imagens para garantir narrativas mais dramáticas, tirando de contexto o ocorrido. Entre os diversos vídeos nesta categoria se encontra o cyberbullying envolvendo a realidade da escola, com a exposição de professores e alunos em situações constrangedoras.
Zuin (2017) pondera que o cyberbullying contra os professores, como aqueles praticados no YouTube por alguns alunos, tem em alguma medida uma motivação pautada num sentido de autoridade percebido pelo viés da possibilidade de um autoritarismo pedagógico. Neste sentido o autor esclarece:
O YouTube permite interação entre todos os que acessam um dado vídeo através de sua ferramenta para comentários, possibilitando ao usuário da plataforma expressar opiniões, tanto sobre os vídeos como sobre os próprios comentários dos outros participantes, proporcionando neste sentido um clima de comunicação, com diálogos e, em alguns casos, disputas com agressões verbais, empobrecimento da linguagem e reflexões superficiais.
Sob este viés de uma plataforma que mantém e registra publicamente interações humanas sobre diversos assuntos, fenômenos e experiências, incluindo questões do cotidiano escolar e das relações pedagógicas em um tipo digital de “grupos de discussão”, o YouTube tem despertado algum interesse no âmbito da pesquisa acadêmica em Educação.
Em 29 de abril de 2021, uma busca no catálogo de Teses e Dissertações, administrado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), referente ao período compreendido entre os anos de 2010 até 2020, com o descritor “educação AND pesquisa AND youtube”, resultou em 196 publicações com 34 pesquisas no doutorado e 162 no mestrado. Entre estes trabalhos, dois se mostraram de interesse enquanto contribuição sobre representações de alguns fenômenos da escola no YouTube manifestadas em postagens e narrativas dos próprios estudantes.
Os estudos, apresentados no quadro 1, possuem em comum a valorização do ciberespaço no YouTube como forma de registro da realidade escolar na perspectiva dos alunos.
Na dissertação “O olhar do aluno mediado pelas tecnologias digitais: o YouTube e a (re)definição da relação pedagógica”, Lopes (2013) aborda as transformações na relação professor-aluno. Assume como proposta investigar oito vídeos postados na plataforma pelos alunos, no intuito de melhor compreender a crescente tensão entre educadores e educandos, em um conflito que é estimulado em parte pela oportunidade tecnológica que possibilita aos alunos expor publicamente alguns abusos registrados em salas de aula. Nesse sentido, a autora pondera que a tecnologia audiovisual permite uma nova forma de protesto, uma vez que “Agora já se faz possível que outros vejam como é a aula, o que ocorre dentro das quatro paredes da sala, como violenta e brutalmente não se cumpre a promessa de que na escola haverá espaço de diálogo, de que lá os estudantes serão ouvidos, poderão falar” (Lopes, 2013, p. 164).
Em seu trabalho, Lopes (2013) adota como principal referencial teórico a psicanálise em Freud e a teoria crítica em Adorno e Horkheimer, assume como pano de fundo a influência da indústria cultural e o empobrecimento da reflexão como potencial fenômeno de estímulo aos conflitos escolares e sinaliza que, paradoxalmente, “é justamente por meio de tais conflitos que o diálogo passa a ter início” (Lopes, 2013, p. 169).
A possibilidade de uma demanda na direção do diálogo também está presente na tese “Estudantes equipados: as representações sociais da escola pública em audiovisuais postados no Youtube”. Neste trabalho, Matos (2016) busca compreender como os jovens alunos representam suas percepções da realidade escolar, expressas no formato audiovisual na plataforma YouTube, onde foi encontrada “uma boa quantidade de vídeos sobre o cotidiano dos alunos, todos sem o conhecimento geral dos profissionais da unidade escolar” (Matos, 2016, p. 15).
A tese de Matos (2016) parte principalmente do referencial teórico-metodológico da representação social em Serge Moscovici e sustenta, entre outras questões, que os vídeos apontam na direção do afeto e amizade como caminho possível para melhor qualidade e sustentação das boas relações no âmbito da escola.
O autor sinaliza que encontrou em seus estudos uma tendência de expressão dos jovens alunos que é pautada por descontração, brincadeiras e diversão, gerando um estilo de representação social da escola que busca provocar risos, em um tipo de “carnavalização” do fenômeno escolar. Nesse sentido, esclarece Matos (2016, p. 90):
Além da descontração como prática comum manifestada pelos jovens no YouTube, uma outra característica presente nos vídeos investigados pelo autor foi uma expressiva valorização das relações de afeto. Nesta direção, Matos (2016, p. 89-139) pondera que
Tanto Lopes (2013) quanto Matos (2016) apontam, cada um ao seu modo, para um certo descompasso ou distanciamento entre educadores e educandos, sinalizando que os jovens buscam construir pelos meios digitais formas de expressarem suas experiências, incluindo sentimentos relacionados com a vivência escolar. Nesta perspectiva, melhor compreender quais expressões manifestadas no ciberespaço podem contribuir na relação professor-aluno, uma vez que focar na declaração de realidade destes jovens, enquanto escuta atenta e cuidadosa, permite ampliar a compreensão sobre os melhores caminhos para interações significativas e amigáveis, educação em sentido amplo.
Enquanto Lopes (2013) se ocupou com uma possível influência da indústria cultural como promotora de conflitos na relação professor-aluno, Matos (2016) abordou a importância da amizade para os jovens nas relações escolares. O presente trabalho intenciona colaborar com este debate, em especial sobre a relação professor-aluno no âmbito das juventudes, pelo viés da crise de autoridade na escola. Para esta tarefa, trabalhamos com a abordagem sobre os sentidos de autoridade manifestados pelos jovens nos comentários de vídeos selecionados no YouTube, adotando como referência para um caminho interpretativo o processo de análise textual discursiva – ATD.
Análise, neste sentido, possui um caráter epistemológico distinto, sinalizando interpretação enquanto construção intersubjetiva, uma vez que,
A escolha do método de ATD pode ser considerada relevante na medida em que este trabalho assume características de um possível exercício hermenêutico ao buscar compreender os significados construídos no processo coletivo e dialógico das interações registradas na plataforma de rede social YouTube. Nesta acepção entendemos que o
É possível sustentar que a compreensão do texto ocorre numa fusão de horizontes dos comentários catalogados no YouTube com o horizonte do interlocutor, em uma interpretação qualitativa assentada no paradigma fenomenológico-hermenêutico (Bicudo, 2011), que ocorre a partir de um processo de unitarização, desconstrução e categorização de discursos, segundo a premissa de Moraes e Galiazzi (2007).
O Caminho Percorrido
O presente trabalho adota como corpus investigativo em uma perspectiva qualitativa (GIL, 2010), na plataforma Youtube, os comentários postados por estudantes sobre percepções da realidade escolar sinalizando na direção de algum ponto de estímulo com o potencial de demarcar possíveis sentidos de autoridade.
Para a escolha dos vídeos se adotou como critério inicial uma seleção de registros gravados pelos próprios alunos de forma espontânea que abordam questões sobre as escolas brasileiras, bem como o fator de impacto de cada vídeo considerando o número de interações contabilizadas pela quantidade de likes, visualizações e comentários. Outra característica considerada relevante em um segundo momento no processo de seleção dos vídeos foi a data mais atual das interações, especialmente dos comentários.
Para compor as expressões que foram inseridas no campo de busca para seleção parcial dos vídeos, foi adotada como estratégia uma combinação das palavras: escola, pública, privada, aluno, professor, pior, melhor, adoro, odeio. A combinação destas palavras permite expressões de busca como “melhor escola”, “melhor escola pública”, “pior aluno”, “pior professor”, “professor escola pública” e assim por diante.
Em 5 de maio de 2021, após inserir no sistema de busca do YouTube várias combinações das palavras citadas no parágrafo anterior, foi possível encontrar uma diversidade de vídeos para uma primeira e parcial seleção em conformidade com os critérios de impacto estabelecidos anteriormente e os objetivos da investigação em curso.
Nesta ocasião chamou a atenção, durante o processo de seleção dos vídeos, a quantidade de postagens relacionadas com uma evidente preocupação dos jovens em relação às diferenças entre a escola pública e a privada, em especial, por uma parcela de alunos forçada a migrar para o ensino público, motivados pela crise econômica que emergiu com o advento da pandemia causada pelo coronavírus.
Sob esta atual demanda migratória de alunos da escola privada para a pública, alguns jovens, ao expor no YouTube suas questões, formaram espontaneamente grupos digitais de discussão sobre expectativas e experiências em relação às diferenças do ambiente escolar, colocando em pauta preocupações com a violência na escola pública, perfil dos professores, qualidade do ensino, questões de higiene, bem como estado de preservação dos móveis e dependências da escola, entre outros elementos.
Após uma pré-seleção de vídeos com as características apontadas acima, nos concentramos nos comentários postados com a intenção de selecionar os materiais dotados de melhor interação enquanto diálogo colaborativo, resultando na escolha de cinco vídeos4, que foram organizados no quadro 2 em ordem decrescente, considerando o número de comentários postados.
O primeiro vídeo do quadro 2, sob o título “Professora agride em palavras alunos”, além do índice de impacto, foi considerado de interesse por ser um vídeo cuja postagem parece pretender denunciar por exposição pública o comportamento de uma professora entendido pelos alunos como abusivo e autoritário. A conta de usuário foi criada exclusivamente para a postagem deste único vídeo, tendo como chamada / descrição a identificação da escola, em um tom de denúncia com a seguinte frase: “Essa professora do Nanci Cristina em Poá esse vídeo não mostra nem um terço do que ela faz com os alunos”.
Os vídeos 2 e 3 estão interligados pelo contexto do impacto. O vídeo original foi postado em 2014 pelo próprio professor que mantinha suas aulas registradas publicamente no YouTube. No entanto, este vídeo só chamou a atenção do público e se tornou viral quando, em 2017, um aluno postou em sua conta do YouTube, num recorte da aula gravada, uma cena de explosão de raiva do professor, motivada pela ação dos alunos em sala de aula que, aparentemente na tentativa de implicar com o docente, baixaram a temperatura do ar-condicionado em pleno inverno. O contraste de contexto destes dois vídeos em relação ao primeiro vídeo do quadro 2 permite colocar em evidência, via comentários dos alunos espectadores, uma certa concepção sobre o que é aceitável em relação ao tratamento do professor para com o aluno.
O quarto vídeo, “Sobre como ser professor de História em uma sexta-feira à noite.…#humor” foi postado por um aluno que gravou uma cena de um professor de História descontraindo a turma com algumas piadas. O vídeo chama atenção pela manifestação dos alunos ao comentarem suas expectativas sobre o que entendem por bons professores e como algumas posturas destes docentes estimulam no aluno o desejo de colaboração e respeito. Este vídeo foi considerado de interesse na medida em que contrasta com os demais vídeos, complementando, na voz dos alunos, percepções das interações desejadas na relação professor-aluno.
O quinto e último vídeo selecionado é uma postagem de um aluno que buscou apresentar, na forma de humor, características distintas entre escola pública e privada. Apontando na direção de uma generalização pela via do humor, a escola pública é retratada como permissiva e sem interesse dos alunos, enquanto a escola privada é apresentada como cuidadosa e com maior preparo dos professores e interesse dos pais dado o investimento financeiro envolvido. Embora seja em tom de piada, o vídeo estimulou em alguns alunos espectadores a necessidade de manifestar, pela via dos comentários, sua realidade escolar, sinalizando na direção da importância do ambiente escolar enquanto condição de estímulo ao comportamento colaborativo ou seu inverso.
Após a seleção dos vídeos, mostrou-se necessário importar os comentários postados para um ambiente capaz de facilitar a identificação e melhor organização do conteúdo encontrado. Uma dificuldade presente no sistema de comentários do YouTube consiste numa grande quantidade de comentários que não são de interesse, como propagandas, mensagens de autoajuda, mensagens políticas, além de diversas outras expressões naqueles que caracterizam interesses diversos. Também foram descartados por não ser de interesse à pesquisa os comentários de pessoas que não se encaixam no público-alvo desejado, ou seja, aqueles que não eram jovens estudantes.
Para esta tarefa de extração dos comentários da plataforma YouTube foi usado um algoritmo em software livre chamado YouTube Data Tools5, que possibilitou importar os dados para uma planilha compatível com aplicativos de escritório como o Microsoft Office, LibreOffice, Google Planilhas, OpenOffice, entre outros.
Uma vez importados os comentários para o Google Planilhas, foram adotados como critérios para considerar como postagem (comentário) de interesse o uso de filtros por expressões que indicaram pertencimento ou condição presente, como “minha escola”, “estudo em”, “meu professor é”, “minha mãe” e assim por diante. Quando um dado perfil de usuário era considerado de interesse, seus comentários nos vídeos selecionados do quadro 2 foram importados para uma planilha Google, totalizando 9.887 comentários selecionados.
Tais comentários foram extraídos em um único texto, o que se constituiu em um processo de unitarização. Posteriormente a esse passo, foram realizadas leituras, de forma a propiciar o surgimento de novas categorias, por meio de palavras que contivessem sentidos semelhantes das falas dos alunos. Com isso, emergiram as seguintes categorias, conforme quadro 3.
Desrespeito, Motivação e Autoimagem no Discurso Juvenil
Nos vídeos do quadro 2, em especial aqueles que mostram cenas de professores xingando os alunos, emergiu uma parcela significativa de comentários enquanto manifestação do entendimento sobre o que é um comportamento docente inapropriado, que assume, na perspectiva dos jovens, características como manifestações de poder toleradas quando executadas exclusivamente pelos pais. Esse é o caso do comentário do aluno 27 ao ponderar que “esses professores que são assim eles acham que são pais dos alunos, e que têm direito de ir pra cima...”.
Em outro comentário, a aluna 35, ao se referir a uma cena em que a professora manda o aluno calar a boca, esclarece que “essa professora é loca se ela fizer isso comigo eu falo pra minha mãe e a minha mãe que xinga ela!”, sinalizando que esta forma de desrespeito, manifestada pelo professor quando reproduz um tipo de comportamento que é exclusivamente destinado ao núcleo familiar, ofende não apenas os alunos, mas também os pais na medida em que o professor busca ocupar o “lugar” deles.
Na sequência das interações via comentários, quando alguém postou a afirmação de que o professor, embora não seja um dos pais, é a autoridade máxima da sala de aula, surgiu uma breve discussão sobre a autoridade do professor.
A aluna 3 afirmou, “Mano...autoridade é pai e mãe, só eles podem arrebentar a gente”. Para o aluno 19, o que define uma boa relação entre professor e aluno é o professor não ser chato; nesse sentido, ele esclarece, “caguei se eles são as autoridades na sala, a culpa não é minha se eles são chatos”. Já a aluna 5 ponderou que “eu acho q não é autoridade, ela só é contratada pra ensinar os alunos”, sendo complementada na sequência pelo aluno 6 ao dizer que “o papel dela é ensinar e não abusar da sua autoridade, aliás nem autoridade tem”. Para a aluna 8, o problema é que “os professores têm que entender que os alunos têm mais direitos, e a partir do momento em que começam agressões verbais acabou a autoridade do professor…”.
Refletindo sobre a autoridade do professor, o aluno 7 expressa sua opinião ponderando que “a autoridade é os alunos pq é maioria na aula e sem eles as professoras iam dar aula pra quem? Mas se não tivesse professora os alunos iam desenvolver sozinho”. Essa percepção parece ser apoiada pelo aluno 14 quando afirma que “nois tem poder que adultos nunca iriam saber o que era isso na época deles”.
Na declaração dos jovens 7 e 14 é possível perceber uma certa intuição, que está presente numa parcela significativa de estudantes cuja percepção sinaliza que a autoridade do professor não se realiza sem a colaboração do aluno, sem o reconhecimento e aprovação discente, colocando em evidência que “a reprodução da vida se efetua sob o imperativo de um reconhecimento recíproco” (Honneth, 2003b, p. 155).
Entre os diversos comentários sobre a existência de alguma autoridade do professor, a aluna 25, ao reconhecer algumas relações professor-aluno pautadas por jogos de força intimidatórios, busca colaborar com um exemplo prático:
Na percepção relatada pelos alunos acima, enquanto resposta aos vídeos com cenas de xingamentos e “mando” dos professores, é considerado pelos alunos, neste contexto específico de relações por aplicação de força como dotado de autoridade, aquele grupo ou pessoa que possui maior capacidade de efetivar formas de intimidação com prejuízos ao seu opositor. Autoridade, quando compreendida nesse sentido, não é um fenômeno que pode ser dissociado do autoritarismo, das relações de dominação.
Na medida em que se desenvolve nas relações professor-aluno uma dinâmica pautada por mútua aplicação de força intimidatória, manifestada pelo desrespeito e autoritarismo, tem ocorrido uma impossibilidade do diálogo, de forma a inviabilizar o surgimento de um espírito colaborativo. Sem diálogo e colaboração mútua, fundamentos da Educação e do próprio processo civilizatório, alunos e professores podem acumular ressentimentos, provocando um esvaziamento de sentido dos papéis sociais na Educação e das interações daí decorrentes.
Sob este viés, alguns ambientes escolares, centrados na capacidade de estimular esforços para se garantir o melhor uso criativo de instrumentos de aplicação de força intimidatória, ganha sentido o crescente número de reações em “práticas de cyberbullying contra os professores” (Zuin, 2021, p. 105). Isso se dá em uma evidente crise de autoridade e tradição, conforme já sinalizado por Arendt (2014, p. 244)
No entanto, o compromisso com a tradição enquanto ato ou efeito de transmitir, de apresentar pela mediação dialógica do professor um panorama do passado para os mais novos, tem se configurado, em alguns ambientes pautados por intimidação, em um falso elogio da tradição na medida em que se propagam atitudes em que tradição e tradicional são tratados como formas justificadas de legitimar um agir autoritário. Acaba-se por colocar em oposição tradição e racionalidade, contribuindo para enfraquecer a tradição e as instituições, promovendo uma crise que é também de honestidade, de ausência de um Ethos capaz de sustentar um comportamento exemplar com potencial de nutrir reconhecimento positivo por algum exercício de autoridade, bem como valorizar aspectos da tradição, entendida como
Neste sentido, o tradicional é algo conservado enquanto ser histórico na medida em que é assumido e cultivado, em um movimento de colaboração entre indivíduos, sustentado por um processo de constante ressignificação histórica ao se integrar o antigo com o novo. Desta forma, é possível ponderar que o tradicional, bem como a autoridade do professor, “não tem um fundamento último num ato de submissão e de abdicação da razão, mas num ato de reconhecimento e de conhecimento” (Gadamer, 2002a, p. 371).
Semelhantemente a Gadamer, Zuin (2021, p. 187, grifo nosso) esclarece:
No âmbito de uma elaboração conjunta entre professor e aluno, oportunizando uma outra forma de relacionamento, pautado por alguma disposição para a solidariedade, sustentada no diálogo e reconhecimento mútuo, emergem como possibilidade novas formas de transmissão do passado enquanto colaboração própria de uma fusão de horizontes, uma vez que, na solidariedade, “há sempre, em qualquer caso, uma renúncia aos interesses e preferências mais próprios. A solidariedade nos faz renunciar a certas coisas em uma certa direção, em um certo momento, a serviço de um certo objetivo” (Gadamer, 2002a, p. 86).
A probabilidade de uma certa abertura para uma relação solidária apareceu nas narrativas dos alunos quando estes comentaram o que entendiam ser relações bem-sucedidas com seus professores. Encontramos este fenômeno encontramos manifestado na categoria Motivação.
Esta categoria emergiu dos comentários postados nos vídeos do quadro 2, em especial, nos vídeos sob o título “Sobre como ser professor de História em uma sexta-feira à noite.…#humor” e “Escola Pública x Escola Particular”. A maioria dos alunos que participaram dos comentários sobre motivação e desejos relacionados com a escola e os estudos sinalizam na direção de um tipo específico de interação colaborativa, especialmente no que entendem como adequado na relação professor-aluno.
Os comentários dos alunos sobre motivação se dividiram principalmente em duas direções, elogios aos professores entendidos pelos jovens como “parceiros”, bem como comparações entre professores chatos que merecem retaliação e professores que merecem reconhecimento e respeito.
Nesse sentido, o aluno 46 comenta: “olha a diferença de um professor gente boa para um rabugento, é outro nível, a aula fica agradável de se assistir”. Complementando sobre a relevância de um professor “gente boa”, o aluno 58 escreveu que “esse é o melhor tipo de professor que existe mano, já tive dois assim, eles têm a capacidade de relaxar a sala inteira e deixar 40 alunos todos inexplicavelmente em harmonia, a aula era maravilhosa e todo mundo aprendia”.
Esta percepção foi reafirmada pelo aluno 63, que relatou:
Na medida em que foi crescendo o número de alunos postando elogios aos professores reconhecidos como parceiros e merecedores de solidariedade, alguns adultos, identificando-se como pais e outros como professores, postaram críticas sinalizando que a “decadência” da Educação é uma consequência dessa parceria entre professor e aluno, que substitui a autoridade própria do controle entendido como necessário para educar por uma negociação que estimula a “rebeldia” dos jovens.
Com essa provocação dos adultos, as postagens dos jovens assumiram uma característica de resistência, emergindo um cenário de confronto entre adultos que desejam o retorno de uma hierarquia autoritária na Educação e jovens que lutam pelo reconhecimento de seus direitos.
Na maioria dos comentários dos adultos que desejam a manutenção do autoritarismo nas escolas, ocorreu a defesa de uma relação professor-aluno incondicionalmente hierárquica, capaz de proporcionar aos jovens uma experiência de subordinação e sacrifício, mostrando que a manifestação dos estudantes sobre o que entendem ser um professor chato foi compreendida por esses adultos como uma forma de desrespeito e rebeldia, não merecendo escuta, e sim algum tipo de punição.
De acordo com alguns adultos via YouTube – incluindo pais e algumas pessoas que se identificaram como professores –, esta reação de resistência dos jovens a docentes que consideram professores chatos é algo motivado pela “decadência pedagógica na Educação”, com a formação de professores desqualificados e permissivos que não disciplinam de forma eficiente os alunos, produzindo “jovens desobedientes e mimados”. Também afirmaram que a falta de apoio institucional no intuito de sustentar a autoridade do professor é uma condição agravante para a “decadência” da Educação.
Neste sentido, esclarece um dos comentários postado por um adulto, ao assistir ao vídeo do professor que descontraiu a turma com uma piada numa sexta-feira à noite, que “essa é a educação brasileira rampa abaixo. Professor com cara, roupa e vocabulário de aluno. Ao invés de aula, um show de stand up, ao invés de perguntas risos. Viva Paulo Freire”.
Uma parcela significativa dos alunos reagiu ao comentário acima de uma forma semelhante ao aluno 98:
Outro posicionamento dos jovens que apareceu em número significativo de comentários, em resposta aos adultos, pode ser representado pelo aluno 135 ao ponderar:
Esta reivindicação dos jovens sobre algum tipo de parceria, manifestada na disposição para brigar por melhores interações enquanto sentido de pertencimento e reconhecimento, com a possibilidade de alguma solidariedade aos professores como retribuição admitida por vínculos de confiança e declarada oposição em contextos de autoritarismo, pode ser uma postura entendida como reação em interações que se configuram pela negação da dimensão social do reconhecimento, promovendo um excessivo culto na direção de um agir sustentado pela manutenção de uma postura não colaborativa e autoritária.
Sendo assim, o fenômeno que emerge na “voz” de uma parcela significativa de jovens parece apontar para uma certa intuição desses jovens manifestada no desejo de um tipo intersubjetivo particular de exercício de autoridade na relação professor-aluno, em um sentido de autoridade sustentado por relações de reconhecimento recíproco enquanto caminho possível para alguma elaboração conjunta entre professor e aluno, com potencial mitigação de conflitos e melhor valorização da escola e seus protagonistas.
Essa reivindicação dos jovens por reconhecimento mútuo e maior protagonismo em uma busca pautada na valorização individual parece coerente com a nossa organização social contemporânea; em especial, com a ideia de uma gramática moral que rege os conflitos sociais, em lutas por reconhecimento mútuo intersubjetivo, conforme Honneth (2003a).
Ao considerar que existimos em uma sociedade dispersa, cada vez mais hiperconectada, descentralizada e individualista, na medida em que não mais comungamos coletivamente sob um mesmo conjunto de valores, ganha sentido emergirem diferenças profundas entre os sujeitos, colocando em crise a ideia romântica, que perdura em alguns contextos em Educação, sobre a possibilidade de construção de um ambiente desprovido de conflitos pela imposição de uma restauração de referências homogêneas e autoritárias, normalmente ligadas a um passado idealizado como “paraíso perdido”.
Com Honneth (2003a), é possível ponderar que a configuração atual de nossa sociedade está assentada em demandas por reconhecimento de uma multiplicidade de valores válidos, quando considerada a construção de uma gramática moral conjunta, que reconhece o outro em suas diferenças na direção de uma fusão de horizontes, sempre por meio do diálogo. Uma gramática moral válida é aquela capaz de sustentar em um mundo de diferentes valores a expansão das relações sociais, uma vez que “Somente demandas que potencialmente contribuem para a expansão das relações sociais de reconhecimento podem ser consideradas normativamente embasadas, na medida em que apontam na direção de um incremento no nível moral da integração social” (Honneth, 2003b, p. 187).
Assim sendo, uma luta por reconhecimento válida como esta empreendida pelos jovens é uma expressão positiva na medida em que os conflitos atuam como propulsores para o incremento do nível moral da integração social ao mesmo tempo que expõem as diferenças que ocasionam a própria luta, produzindo condições para um processo de interação sempre inacabado e dialógico, em um jogo recursivo, promovendo uma ressignificação dos valores morais e da própria autoimagem dos sujeitos pela expansão de horizontes.
No âmbito da relação professor-aluno, se considerarmos que os sujeitos constroem uma autoimagem e se percebem estimados, respeitados e reconhecidos quando são contemplados com os mesmos direitos que atribuem aos outros, é possível ponderar que a reivindicação dos alunos por reconhecimento atua como uma forma de abertura ao diálogo em momentos de negação de direitos, sendo “justamente por meio de tais conflitos que o diálogo passa a ter início” (Lopes, 2013, p. 169).
Esta compreensão de uma autoimagem de alguém que se reconhece estimado, contemplado com os mesmos direitos que atribui aos outros, ou o seu inverso, esquecido, não estimado, emerge nos comentários do YouTube no vídeo do quadro 2 sob o título “Escola Pública x Escola Particular”. Neste vídeo, que compara características entre ensino público e ensino particular, é possível encontrar comentários dos alunos que apontam para um certo descaso ou esquecimento para com a qualidade dos relacionamentos entre alunos e professores, além de sinalizar em alguns contextos uma autoimagem de desvalorização conforme o ambiente escolar que frequentam.
Esse parece ser o caso da aluna 127 ao afirmar que “estudo na pública só bagunça muito falatório poucos querem aprender até os professores são desmotivados a ensinar”. Já o aluno 129 pondera sobre a escola pública que “na verdade isso depende, na teoria escola particular é bom e pública é ruim, isso é na maioria das vezes, não é toda escola que é assim”. No decorrer do diálogo, a aluna 139 comenta: “sempre estudei em escola particular, em 2021 vai ser meu primeiro ano em escola pública, to ansiosa pra krl e com medo, meu pai disse que a diretora de lá disse que é um caosssss”. Na sequência o aluno 149 complementa: “Deus me livre estudar em escola pública”.
Na medida em que o diálogo foi se desenvolvendo, emergiu uma concepção negativa sobre a escola pública, que foi representada como uma boa alternativa para quem não gosta de estudar, ou ainda como condição de inferiorização social pela impossibilidade do direito ao acesso a um ensino de qualidade e ambiente limpo, “higienizado”.
Sob esta concepção, aqueles alunos que declararam preferir a escola pública assumiram uma postura semelhante ao aluno 162 ao afirmar que “é muito mais chave estudar em escola pública, tu acorda e tem vontade de meter o terror nos professor, já estudei em escola particular, n gostei”. Para o aluno 164, a escola pública é melhor; segundo ele, “já estudei nas duas escolas e quando fui para a particular não deu certo é muito puxado, agora estou d novo na pública, bem melhor”. Na sequência a aluna 183 complementa: “eu estudo em pública, só não tenho vergonha pq é a melhor escola pública da minha cidade”. E o aluno 185 colabora com o diálogo afirmando: “eu tô na estadual, mano particular e muito caro aqui em sp capital, morumbi, aqui e 1200 reais mensal, muito caro não vale apena, minha opinião”.
A compreensão dos jovens, que aos poucos foi emergindo, ainda que de forma aparentemente intuitiva, parece corroborar uma realidade que Libâneo (2012) chamou de dualismo perverso em Educação, ao se reproduzir e manter a desigualdade social, uma vez que existem no Brasil duas modalidades de ensino, sendo a escola do conhecimento para os ricos e a escola do acolhimento social para os pobres. Este entendimento sobre a educação pública parece encontrar apoio em Charlot (2005, p. 144), quando expõe:
Por serem mais vulneráveis socialmente, recai sobre a maioria dos alunos da escola pública um certo estigma de incapacidade, enfraquecendo a dimensão social do reconhecimento, ficando esses alunos destinados ao acesso obrigatório em projetos tecnicistas na maioria das vezes de baixo investimento, culminando num “ensino reduzido às noções mínimas, professores mal preparados, humilhados e desiludidos'' (Libâneo, 2012, p. 25).
Em contextos de manifestação deste cenário, a crise de autoridade em Educação adquire impulso, uma vez que a possibilidade de um reconhecimento mútuo legítimo, capaz de favorecer vínculos de confiança e colaboração, ocorre quando aquele que reconhece também se reconhece, sendo condição para o exercício do reconhecimento mútuo a vivência de “um processo dinâmico no qual indivíduos passam a experienciar a si mesmos como possuidores de um certo status” (Honneth, 2003a, p. 88).
Desta forma, professores mal preparados, humilhados e desiludidos podem encontrar dificuldades em exercer um tipo de autoridade pautada pelo reconhecimento recíproco enquanto construção conjunta, na relação professor-aluno, de uma gramática moral capaz de promover um incremento positivo na direção da integração social. A construção de um horizonte comum de compreensão, ou reconhecimento mútuo, implica condições mínimas de equidade e direito à dignidade.
Experiência de Compreensão e Esperança de Diálogo
Experiência de compreensão nesta perspectiva assume uma proposta diferente daquela pensada como condição para a uniformidade da vida, característica da época em que se defendia ser a experiência um fenômeno passível de controle e reprodutividade, linear e cumulativo, sempre compreendido na homogeneidade da razão universal atuante sob referenciais absolutos. Neste sentido, na atualidade é possível afirmar que “Não se trata mais de uma subjetividade pura, isolada do mundo e da história, mas de uma subjetividade que se constitui enquanto tal condicionada e marcada por seu mundo, que, por sua vez, é historicamente mediado e linguisticamente interpretado” (Oliveira, 2006, p. 228).
Sendo assim, uma experiência de compreensão pode ser entendida como um fenômeno não controlado ou passível de planejamento, algo que emerge na espontaneidade das relações que se estabelecem no encontro com o outro, produzindo impacto na constituição das subjetividades, uma vez que tal experiência de compreensão ocorre pela imprevisibilidade das formas de “expansão das relações sociais de reconhecimento” (Honneth, 2003b, p. 187).
Assumindo esta estratégia de pensamento, o papel da Educação ganha alguns novos desafios, entre eles proporcionar aos alunos uma construção conjunta de referenciais em situações mediadas que permitam um experimentar-se com os outros, no intuito de facilitar que cada participante se perceba ao seu modo em um dado contexto, em um processo de experiência de compreensão pelo reconhecimento mútuo, possibilitando alguma fusão de horizontes em sentido gadameriano.
Para Gadamer (2007), não é possível uma existência consciente fora do tempo e do espaço, existir implica um interagir e se experimentar na finitude, manifestar uma consciência histórica no mundo e com o mundo, em um horizonte de percepções vivenciadas. Neste sentido, “horizonte é o âmbito da visão que abarca e encerra tudo que pode ser visto a partir de um determinado ponto” (Gadamer, 2002a, p. 307). Uma fusão de horizontes enquanto abertura ou deslocamento para novas experiências intersubjetivas depende de uma sensibilidade que é própria da alteridade. “Se nos deslocamos, por exemplo, à situação de um outro homem, então vamos compreendê-lo, isto é, tornamo-nos consciente da alteridade e até da individualidade irredutível do outro precisamente por nos deslocarmos à sua situação” (Gadamer, 2002a, p. 403).
No entanto, uma fusão de horizontes depende de alguma maturidade existencial, na medida em que a alteridade, enquanto sensibilidade de abertura ao outro, em um autêntico exercício de reconhecimento intersubjetivo, demanda um modo próprio de elaborar a experiência dos preconceitos que são confrontados com o que é novo e inesperado; afinal, no âmbito das convicções e dos conflitos, “ali está o outro que rompe com a centralidade do meu eu à medida em que me dá a entender algo” (Gadamer, 2002a, p. 17).
Neste sentido, uma fusão de horizontes ocorre quando encontramos “no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo. [...] onde um diálogo teve êxito ficou algo para nós e em nós que nos transformou” (Gadamer, 2002b, p. 247). É possível afirmar que compreendemos os outros e a nós mesmos em relações intersubjetivas “na família, na sociedade e no estado em que vivemos” (Gadamer, 2002a, p. 415).
No contexto das relações intersubjetivas são contemplados momentos de choques de realidades, gerando conflitos e variadas formas de sofrimento, uma vez que “a historicidade interna de todas as relações vitais entre os homens consiste em que, consequentemente, se está lutando constantemente por reconhecimento recíproco” (Gadamer, 2002a, p. 469).
Essa incessante luta por reconhecimento recíproco em relações intersubjetivas é problematizada por Honneth (2003a) a partir dos conflitos e sofrimentos associados, na medida em que ele expõe como se desenvolve a efetivação de tal reconhecimento recíproco, que emerge dos conflitos sociais. O autor busca distinguir jogos de reconhecimento que apontam na direção de uma possível expansão das relações sociais daqueles jogos de reconhecimento que podem produzir ou potencializar patologias sociais, dificultando ou inviabilizando, neste caso, qualquer projeto em Educação que pretenda facilitar o surgimento de experiências de compreensão.
Embora Honneth (2003a) não se ocupe com o fenômeno da Educação de modo direto, é possível considerar sua teoria de luta por reconhecimento como uma estratégia de pensamento de interesse, em especial entre aqueles que buscam um agir pedagógico sustentado na possibilidade de expansão das relações enquanto fusão de horizontes, com apoio de alguma mediação pedagógica no intuito de facilitar o surgimento de oportunidades para uma experiência de compreensão e construção intersubjetiva.
Em Honneth (2003a) é possível considerar como luta por reconhecimento válida, estrategicamente positiva, aquela que reivindica algum tipo de abertura ao outro, proporcionando tensões ou conflitos que estimulam movimentos recíprocos de inclusão.
Por outro lado, uma luta ou conflito sem embasamento ou sustentabilidade no intuito de uma expansão das relações sociais, com potencial de prejudicar ou inviabilizar experiências de compreensão, seriam lutas ou conflitos que ocasionam a imposição de um horizonte sobre outro, em contextos autoritários que reivindicam anulação ou enfraquecimento das condições de autorrealização do outro, pressionando e favorecendo o surgimento de patologias sociais pelo esquecimento ou negação da importância da dimensão social do reconhecimento recíproco.
Sendo assim, é possível ponderar que a crise de autoridade em Educação adquire alguma característica positiva enquanto luta por reconhecimento mútuo, na medida em que aponta na direção da importância da dimensão social do reconhecimento, enquanto necessidade de uma real expansão do incremento moral da integração social, ao mesmo tempo que expõe as diferenças que ocasionam a própria luta, possibilitando-nos perceber que existe necessidade de um tipo intersubjetivo particular de exercício de autoridade na relação professor-aluno, sobretudo na relação com jovens, para atender a uma demanda psicológica de pertencimento social expressa na luta por reconhecimento, possibilitando com isso uma mitigação de conflitos assim como uma melhor valorização da escola e de seus protagonistas.
Considerações Finais
Iniciamos este trabalho com a proposta de refletir sobre uma possível crise de autoridade em Educação a partir dos discursos dos próprios jovens registrados em comentários na plataforma YouTube. Foi possível identificar pontos em comum que representam uma certa unidade de sentido do discurso juvenil capaz de motivar lutas por reconhecimento recíproco como consequência de um crescente descompasso nas relações professor-aluno.
Ao organizarmos as narrativas dos alunos em três categorias: desrespeito, motivação e autoimagem, pareceu-nos que o principal fenômeno que potencializa essa evidente ruptura na relação professor-aluno, favorecendo uma crise de autoridade em Educação, é o esquecimento da dimensão social do reconhecimento mútuo, instaurando inseguranças e conflitos de autoestima nas relações no contexto da escola.
Sem um reconhecimento positivo mútuo e ético, fica difícil a manutenção de um ambiente capaz de sustentar um sentido de autoridade que possibilite alguma segurança, amparo e autoestima. Tal perspectiva nos permite ponderar sobre a importância e validade das reivindicações dos alunos quanto à qualidade das interações na escola e suas consequências, em especial nas relações professor-aluno, e sobre a incontornável valorização dialógica das culturas juvenis.
Nesse sentido, a exploração do material discursivo aqui colecionado, cotejado com as referências teóricas que orientam o estudo, permite afirmar que a tão denunciada “crise de autoridade em Educação” é, antes de tudo, uma crise do reconhecimento recíproco, uma crise da capacidade dialógica que abre ao horizonte da compreensão mútua, base do processo civilizatório e da humanização. Resistem por meio dos conflitos sociais aqui exemplificados nos comentários e “discussões” juvenis aos vídeos – uma luta por reconhecimento e uma esperança de diálogo que precisariam ser corajosa e cuidadosamente escutadas pelos educadores, a fim de fazer valer o caráter produtivo e criador dos conflitos, se bem mediados.
Resumo
Main Text
Introdução
O Caminho Percorrido
Desrespeito, Motivação e Autoimagem no Discurso Juvenil
Experiência de Compreensão e Esperança de Diálogo
Considerações Finais