Apresentação

Autores

  • Andréa Betânia da Silva UNEB
  • Bruna Paiva de Lucena UnB/SEDUC-DF

Palavras-chave:

(Re)existência, poéticas orais, voz

Resumo

A voz como território de (re)existência, em suas múltiplas corporificações, existe e resiste ao passar largo dos tempos, seja fazendo parte das trilhas dos nossos corpos nas rodas em que nos encontrávamos em prosa (e que esperançamos por voltar a assim viver), seja caminhando mais que veloz pelas redes invisíveis, mas já tão presentes, das telas de celulares, computadores... E o que nasceu no calor do afeto ganhou os salões, as salas, as escolas, as universidades, sendo, a um só tempo, mídia, poesia, discurso, panfleto. Já sabemos que não cabe mais falar em morte do popular como muitos anunciaram, mas em reinvenção contínua e viva de uma tradição que se cria, recria e cria numa lemniscata infinita.
Este número da Revista Boitatá apresenta tudo isso, abrangendo diferentes espaços de interlocução de pesquisas, experiências e reflexões em torno das múltiplas manifestações das poéticas orais, afetos e troca de saberes. Diferenças essas que se encontram e convergem em vozes que (re)existem a despeito de preconceitos e discriminações escriptocêntricas, eurocêntricas, racistas, elitistas, machistas e todos outros abismos.
Nesse sentido, a entrevista/conversa com e sobre Salete Maria da Silva abre os diálogos a respeito da voz como um território de (re)existência, nos anunciando os diversos enquadramentos teóricos, metodológicos, epistemologicos e modos de entender as poéticas das vozes que o conjunto de artigos desse dossiê abrange. A própria história da cordelista é um capítulo da grande história da oralidade.
Outro olhar sobre isso temos com Edilene Matos, ao nos apresentar os autores Antônio Aleixo e Antônio Vieira que, embora separados pelo além-mar, mostram-se vinculados a partir da poeticidade presente em suas obras, revelando os meandros entre oralidade e escrita que, em fricção, aproximam-se e tensionam-se.b Maurílio Antonio Dias de Sousa, por sua vez, nos mostra por dentro o sistema editorial dos folhetos, em sua teia organizacional, destacando elementos presentes na relação entre poeta e editor, na medida em que expõe como as culturas populares criam e gerem seus próprios modelos editoriais de modo contra-hegemônico. Outro deslocamento contra-hegemônico é feito no artigo de Ria Lemaire, em que nos é trazida uma nova epistemologia que posiciona a as vozes das mulheres no centro de um debate cujos elementos colaboram para o fortalecimento de um novo paradigma envolvendo cordel e gênero.
Ainda sobre as vozes das mulheres, temos o trabalho de Joel Vieira da Silva Filho e Cristian Souza de Sales sobre a escrita de Eliane Potiguara em sua obra Metade cara, metade máscara, evidenciando como a memória coletiva e a memória individual encontram-se articuladas no texto autobiográfico que descortina o processo diaspórico dessa escritora indígena, que também é mote do artigo de Renata Daflon Leite, em que são trazidos à cena o caráter político e a potência performática presentes nas obras de Eliane Potiguara, reforçando o trânsito entre oralidade e escrita presente na literatura indígena.
Estendendo à compreensão da questão de gênero nas poéticas da oralidade, Maria Gislene Carvalho da Silva de Autobiografias de mulheres cordelistas: uma contribuição para a nova historiografia do cordel, nos convida a conhecer as obras das cordelistas Julie Oliveira, Izabel Nascimento e Auritha Tabajara, esta uma indígena, expondo os fios que conduzem as relações de gênero no universo do cordel. A relação entre autoria de mulheres e oralidade – também um lócus em que a voz é um território de (re)existência – é prestigiada no artigo de Fernanda Oliveira da Silva e Maria Teresa Salgado, em que analisam Os sapatos de Té, obra em que Elisabete Nascimento registra os textos orais de sua mãe Cremilda, uma griot, evidenciando a memória como fio condutor para as denúncias sociais apresentadas.
As vozes de mulheres negras são reverenciadas também no texto de Railda Maria da Cruz dos Santos e Edil Silva Costa, em que se debruçam sobre as poéticas orais a partir da análise das cantigas e das narrativas de mulheres negras que capitaneiam um grupo de Lindro Amor, na cidade de Maracangalha, expondo seus modos de (re)existência em face da dinamicidade da prática cultural em questão.
Para encerrar a conversa aberta, ou mesmo para adentrar outros espaços de diálogo, Adriana Aparecida de Jesus Reis propõe um paralelo entre uma das narrativas de Giambattista Basile, escritor napolitano, e um conto oral recolhido no interior da Bahia e presente em uma das obras do escritor Marco Haurelio, evidenciando quais elementos populares podem ser ativados na oralidade para a construção de contos maravilhosos de modo a aproximar contextos culturais aparentemente tão díspares.

Ao percorrer esses artigos, bem como as vidas, vozes e poéticas estudadas, observa-se que os territórios de (re)existência estão em grande medida atrelados aos viveres, fazeres e saberes das mulheres, especialmente daquelas cujos lugares de fala são contra-hegemônicos, não se podendo olvidar que a própria oralidade nos estudos acadêmicos significa por si só alguma dissonância. Os aliados nessa interlocução somam-se às forças ancestrais dessas vozes, que se confluem e atravessam no devir.

Biografia do Autor

Andréa Betânia da Silva, UNEB

Doutora pela UFBA e professora na UNEB

Bruna Paiva de Lucena, UnB/SEDUC-DF

Pós-doutoranda na UnB e professora na SEDUC-DF

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Publicado

2020-12-20

Como Citar

da Silva, A. B., & de Lucena, B. P. (2020). Apresentação. Boitatá, 15(30), 06–08. Recuperado de https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/boitata/article/view/45246