v. 13 n. 25 (2019)
REVOLTA DA VACINAS
(Licenciada em História pela PUCPR e Mestra em História Social pela UEL.)
Contexto histórico
O período caracterizado como República Velha (1889-1930) contou com diversos movimentos sociais, dentre os quais, a Revolta da Vacina (1904). Antes de nos aprofundarmos nas características deste evento, é importante que se compreenda o contexto histórico do País e qual a finalidade e ideologia das ações que culminaram em tal fato.
Com a proclamação da República no Brasil, em 1889, a ideologia positivista foi utilizada para atender aos objetivos nacionalistas do governo. Tal ideologia pode ser vista no lema da bandeira nacional, nos dizeres “Ordem e Progresso”, no entanto, para que estes objetivos fossem alcançados eram necessárias ações que eliminassem a imagem de fragilidade social e econômica do país, fortalecendo suas relações comerciais e resolvendo a questão das “Patologias do Brasil”. (SCHWARCZ ; STARLING, 2015, p. 330).
Neste momento histórico, a gravidade nos casos das doenças tropicais[1] foi percebida como problema não apenas biológico, mas também de ordem social. Segundo Castro (2004), doenças, pobreza, desordem, sujeira e perigo eram termos correspondentes e eram vistos como consequência ou característica dos demais. Deste modo, as alterações sociais, políticas e econômicas necessárias para o desenvolvimento do País estavam pautadas, sobretudo, em conceitos médicos e científicos, e não contavam com a participação popular. Dentre tais conceitos, destacavam-se a eugenia, o higienismo e a salubridade.
Sendo assim, a ideia de uma cidade limpa e adequada estava diretamente relacionada à saúde de quem nela habitava. E qual o melhor exemplo para se colocar em prática todo este aparato ideológico e burocrático? A capital do País, a cidade do Rio de Janeiro. Neste contexto, o então presidente Rodrigues Alves nomeou o engenheiro Pereira Passos para prefeito da cidade e o médico sanitarista Oswaldo Cruz para Diretor da Saúde Pública.
Para Pereira Passos e Oswaldo Cruz, a questão da higienização da nação estava relacionada, além da preocupação com as doenças, com a questão do urbanismo, que buscava ligar o crescimento das cidades com o seu embelezamento. Como consequência disso, ocorreu a migração forçada da população mais pobre e que vivia em condições precárias para regiões mais afastadas da cidade por meio do que Pereira Passos chamou de “bota fora”, quando houve a demolição de casebres e de cortiços em nome da reurbanização e limpeza da cidade. Tal fato gerou revolta e descontentamento entre o povo.
A Revolta
No que diz respeito às doenças que assolavam a cidade do Rio de Janeiro no ano de 1904, destacavam-se: a peste bubônica (causada pelos ratos), a febre amarela (transmitida por mosquitos) e a varíola (causada pelo vírus Orthopoxvirus e transmitida pelo contato das vias aéreas superiores como saliva e gotículas no ar). As duas primeiras doenças foram relativamente controladas com medidas higienistas – como a captura de ratos pela população, que os entregavam ao governo em troca de recompensas, o que depois culminou na criação proposital destes animais para obtenção de lucro e na suspensão de tal ação pelo governo –, No entanto, a varíola permaneceu como mazela na cidade e, para isso, foi promulgada pelo então presidente a Lei nº 1.261 de 31, de outubro de 1904, a qual instituía a vacinação irrestrita e obrigatória a todos os brasileiros com mais de seis meses de idade e a revacinação, também irrestrita, após sete anos da primeira aplicação - (BRASIL, 1904).
É importante destacar que a vacina, naquele momento, era o único meio de prevenção eficaz, visto que as pessoas viviam em condições de higiene precárias, aglomeradas em casebres, morros e cortiços e, portanto, tinham contato físico diário com outras pessoas que poderiam estar contaminadas.
Em decorrência disso, iniciou-se uma campanha sanitária coordenada por O.C., com características violentas. Durante tal ação, invadiam-se as casas das pessoas sem nenhum esclarecimento ou organização de cunho informativo e educativo, o que gerou na população, em políticos e militares de oposição ao governo o sentimento de revolta e descontentamento. Como se pode observar na imagem, a imprensa fez constantes críticas à ação de Oswaldo Cruz, dedicando a ele charges e criticando, inclusive, a eficácia do medicamento.
Outra questão importante a ser considerada é que Oswaldo Cruz e o poder público utilizavam a linguagem militar para designar as ações sobre a doença e os corpos das pessoas, como aponta Sontag (1984), nestes momentos críticos o poder político em questão pode se apropriar da linguagem militar, como o termo “combate”, a fim de incutir na população o desejo intenso por erradicar aquela doença.
Além disso, as pessoas resistentes à vacinação eram acusadas como culpadas pelo próprio mal, sem autonomia nem sabedoria para decidirem o que era melhor para si e, por isso, recebiam a imposição da força do governo, dos agentes sanitários e da polícia para resolver a questão da doença. Por tal motivo, na imagem de Leonidas Freire é possível perceber Oswaldo Cruz à frente, formando uma espécie de exército junto aos agentes de saúde e sentado sobre balas - pois muitos destes defendiam a invasão das casas e vacinação das pessoas utilizando, se necessário, armas de fogo.
É importante destacar que as pessoas reagiam com muito medo, além de revolta, pois culturalmente utilizavam roupas que cobriam seus corpos e viam como absurdo precisar mostrar parte do mesmo - braços – para que desconhecidos aplicassem um medicamento sobre o qual não tinham informações sobre a eficácia e recebiam apenas a ordem objetiva e racional do governo, de que agora, por lei, deveriam se submeter a isso.
O evento perdurou do dia 10 ao dia 16 de novembro de 1904, as pessoas foram às ruas como forma de protesto e também tentavam impedir os agentes sanitários de entrarem em suas casas. A região central do Rio de Janeiro foi transformada em praça de guerra com bondes derrubados, edifícios depredados e muita confusão na Avenida Central.
Segundo Schwarcz e Starling (2015) o resultado das ações foi o controle da revolta por parte da polícia e do governo, o que culminou na suspensão de direitos políticos, prisão dos líderes do movimento e envio dos mesmos para o atual estado do Acre. Houve sucesso na erradicação da varíola do Rio de Janeiro, mas trinta pessoas morreram e outras 110 ficaram feridas durante a revolta. Com fim do movimento, o governo revogou a obrigatoriedade da vacina.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº1261, de 31 de outubro de 1904. Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a varíola. Diário Oficial da União - Seção 1 - 2/11/1904, Página 5158 (Publicação Original). Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-1261-31-outubro-1904-584180-publicacaooriginal-106938-pl.html> Acesso em 07 abr. 2020
CASTRO, Elizabeth Amorim de. O leprosário São Roque e a Modernidade: Uma abordagem da Hanseníase na perspectiva da relação Espaço-Tempo. 135 p. Dissertação (Geografia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2005. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/1878. Acesso em 05 abr. 2020
SCHWARCZ, Lilia M; STARLING, Heloísa. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
SONTAG, Susan. A doença como Metáfora. Tradução de Márcio Ramalho. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. v. 1.
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[1] As doenças estavam confinadas aos países tropicais e subtropicais onde vivia-se em condições sociais e sanitárias atrasadas – que favoreceriam a propagação da doença – e o que seria uma consequência indireta do clima tropical. (SOUZA, 2008, p.3)