O familismo na ciranda da violência contra idosos
DOI:
https://doi.org/10.5433/1679-4842.2023v26n1p101-120Palavras-chave:
Estado, políticas sociais, violência intrafamiliar, pessoa idosa, familismoResumo
O artigo visa compreender como a tendência familista assumida pelas políticas sociais brasileiras interage com o cenário da violência intrafamiliar contra idosos. Baseia-se em vivências de idosos com relação à violência intrafamiliar, mapeadas através de uma pesquisa qualitativa e de campo, realizada a partir de entrevistas semiestruturadas junto a oito idosos usuários da política de assistência social em município de pequeno porte. Todos os entrevistados vivenciam(aram) violência familiar. Os dados revelam que as formas de violência mais recorrentes são a financeira, a de gênero e o abandono, sendo geralmente naturalizadas. Por dedução lógica entre a evidência empírica e a literatura sobre familismo nas políticas sociais, os resultados indicam que, quanto mais as políticas sociais responsabilizam a família pela proteção de seus idosos, mais vulneráveis à violência ficam esses idosos. Esse cenário é naturalizado e subnotificado. Não se pode, contudo, culpabilizar a família, já que a violência intrafamiliar é combinada com a omissão do Estado e sua superação só será possível com o suporte de políticas públicas adequadas, que operem na perspectiva de cuidado integral às famílias.
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