O estatuto mtico e a dimenso argumentativa em narrativas de enterro produzidas em comunidades quilombolas

 

 

The mythical status and the argumentative dimension in buried treasure narratives produced in quilombola communities

 

Emanuel da Silva Fontel[1]

https://orcid.org/0000-0002-7805-6464

 

Regina Clia Fernandes Cruz[2]

https://orcid.org/0000-0003-3985-1024

 

Benedita do Socorro Pinto Borges[3]

https://orcid.org/0000-0002-8188-9563

 

Thaynara Thays Ferreira Paixo[4]

https://orcid.org/0000-0002-7363-8406

 

Resumo: Neste artigo, discutimos como a construo de mitos se articula dimenso argumentativa em narrativas orais, mais especificamente em narrativas de enterro, as quais habitam o imaginrio da cultura quilombola e se referem ao enterramento de um tesouro por entidades mticas, que, considerando as qualidades dos indivduos da comunidade, revelam-lhe no s a existncia da riqueza, mas tambm o local onde ela est enterrada e as instrues necessrias ao resgate. O corpus analisado tem sido estudado por Borges (em andamento) e foi coletado em oito comunidades quilombolas do Baixo Tocantins - PA: Itabatinga, Itapocu, Laguinho, Mola, Taxizal, Tomzia, Frade e Laguinho. As bases terico-metodolgicas fundamenta-se na Teoria da Argumentao no Discurso (AMOSSY, 2016, 2020), que prope a noo de dimenso argumentativa como um efeito de sentido projetado pelo enunciador, que pretende no a adeso explcita do enunciatrio a uma tese, mas to somente lhe alterar os modos de ver e de sentir; na noo de mito proposta por Chau (2020); nos estudos acerca das narrativas de enterro desenvolvidos por Fernades (2007). As anlises demonstram que enunciador e narrador mobilizam operaes argumentativas e retricas para divulgar e estimular valores ticos e morais importantes para a sobrevivncia e resistncia da comunidade.

Palavras-chave: Narrativa oral; Narrativa de enterro em comunidade quilombola; Estatuto mtico; Dimenso argumentativa; Aspectos retricos.

 

 

Abstract: This research aims to discuss how the construction of myths is articulated with the argumentative dimension in oral narratives, more specifically in buried treasure narratives. They inhabit the imagination of quilombola culture and refer to the burial of a treasure by mythical entities, which, considering the qualities of the individuals in the community, reveal the existence of wealth, the place where it is buried and the necessary instructions for its rescue. The analyzed corpus has been studied by Borges (in progress) and was collected in eight quilombola communities in Baixo Tocantins - PA: Itabatinga, Itapocu, Laguinho, Mola, Taxizal, Tomzia, Frad and Laguinho.  The theoretical-methodological bases subscribe to the Theory of Argumentation within Discourse (AMOSSY, 2016, 2020), which proposes the notion of argumentative dimension as an effect of meaning projected by the enunciator, who intends not to explicitly persuade the enunciatee to a thesis, but only to change their ways of seeing and feeling; to the notion of myth proposed by Chau (2020); and to studies about burial narratives developed by Fernades (2007). The analyzes demonstrate that both enunciator and narrator mobilize argumentative and rhetorical operations to disseminate and encourage ethical and moral values ​​that are important for the communitys survival and resistance.

Keywords: Oral narrative; Buried treasure narrative in a quilombola community; Mythical status; Argumentative dimension; rhetorical aspects.

 

 

Introduo

 

A narrativa de enterro[5] caracteriza-se como um gnero discursivo que compe as prticas orais cotidianas de certas comunidades. Fernandes (2007), em trabalho seminal, coletou e analisou vrias formas narrativas orais no Pantanal sul-mato-grossense. Entre essas formas, esto as aqui denominadas narrativas de enterro  quilombola[6], que tm sido estudadas, no mbito da Universidade Federal do Par, por Borges (em andamento) e por Fontel (em andamento)[7]. Parte desse estudo j se encontra publicado em Borges et. al. (2020). O corpus analisado foi coletado na regio do Baixo Tocantins no Estado do Par, onde se encontram as comunidades remanescentes de quilombo: Itabatinga, Itapocu, Laguinho, Mola, Taxizal, Tomzia, Frade e Laguinho. Parte desse material exposto no presente artigo.

Nas narrativas de enterro quilombola, verificamos a presena de um narrador que lana mo de vrias estratgias argumentativas com diferentes funes, como a de produzir uma instncia discursiva cujo status garante a autoridade daquilo que enuncia. Desse modo, pode-se atribuir ao narrador um ethos afianador das suas credenciais para contar histrias nas quais o enunciatrio possa crer. A construo desse estado de crena no pleiteia explicitamente a adeso a nenhuma tese. Muitas vezes h investimentos em afetos e em sentimentos possivelmente despertados no enunciatrio, adentrando, em virtude disso, no domnio do pathos. Assim, o narrador no parece, stricto sensu, pretender persuadir ou convencer o enunciatrio, mas apenas alterar o seu estado de crena. Nos casos sob anlise, parece pretender retirar o enunciatrio de um estado de possvel descrena e desconfiana acerca da veracidade da existncia de um tesouro que foi enterrado por uma entidade mtica na comunidade e lev-lo a um estado de crena na existncia do referido tesouro, o que configura, nos termos de Amossy (216, 2020), a formulao de uma dimenso argumentativa, entendida como a configurao que um discurso assume quando os objetivos de convencer ou persuadir no atendem a um objetivo programtico, isto , no so primeiramente constitudos para fazer com que o interlocutor adira a uma tese especfica. A busca de adeso a teses , por assim dizer, acidental ou secundria. Nesses casos, afirma a autora, o mais importante para o enunciador alterar os modos de ver e de sentir do enunciatrio (AMOSSY, 2020).

Nesse processo de fazer crer nas narrativas de enterro, entram discursivamente em cena uma srie de entidades mticas associadas a explicaes de base sobrenatural, atuando, dessa maneira, no plano simblico e constituindo, portanto, um mito (CHAU, 2020), que tm em vista revelar e certificar a existncia do tesouro enterrado. O conhecimento do narrador acerca da existncia tanto do tesouro quanto das entidades que o gerenciam e das condies que elas impem ao escolhido para que ele tenha acesso s riquezas o credenciam a dar conselhos e ensinamentos de ordem tica e moral, a fim de garantir a existncia, o bom funcionamento e a resistncia da comunidade quilombola

Adiante, situamos o gnero discursivo objeto do presente estudo, a noo de estatuto mtico e apresentamos ainda uma anlise possvel para as estratgias utilizadas pelo enunciador com vista a sensibilizar o enunciatrio relativamente a determinados valores morais e ticos.

 

 

O gnero narrativa de enterro

 

Nesta seo, apresentamos os diferentes significados e a estrutura narrativa desse gnero nos termos de Fernandes (2007). Em Borges et. al (2020) e em Paixo; Borges; Cruz (2020) tanto os significados quanto a estrutura esto amplamente explicados e exemplificados, razo por que no procederemos de igual modo. Remetemos esses trabalhos ao leitor interessado no tema.

As narrativas de enterro caracterizam-se como uma narrativa oral cujo tema central a saga de uma pessoa em busca de um tesouro encantado, o qual foi revelado por meio de uma fora sobrenatural (FERNANDES, 2007). O pioneiro nos estudos sobre o tema foi Fernandes (2007), que coletou e registrou vrias narrativas orais no Pantanal sul-mato-grossense, entre elas, as narrativas de enterro. O nome enterro foi dado pelos pantaneiros, pois geralmente o tesouro perdido est escondido debaixo da terra, o que tambm simboliza a relao do enunciador com o espao onde ele habita.

Apesar de caracterizarem-se como variaes de uma mesmo gnero discursivo, dada a apenas relativa estabilidade dos enunciados (BAKHTIN, 2011) e dividirem a mesma estrutura formal – o que foi comprovado no estudo de Borges et. al. (2020) –  as narrativas de enterro coletadas no pantanal e as narrativas de enterro coletadas em comunidades quilombolas so diferentes no que se refere a alguns aspectos do contedo temtico, o que pode ser justificado pelas diferenas histricas e sociais de seu contexto de produo.

O ponto comum entre as duas que a ausncia de bancos para depsito do dinheiro justificava o enterro, porm, cada uma dessas narrativas apresenta motivaes diferentes para que ele acontecesse. Segundo Fernandes (2007), nas narrativas de enterro pantaneiras so citados fatos histricos locais, como, por exemplo, a Guerra do Paraguai. Algumas fazem meno poca das misses.

As comunidades quilombolas do Baixo Tocantins foram construdas por meio de um processo histrico-social iniciado no tempo da escravido. Atualmente, essas comunidades remanescente, apesar de no serem mais constitudas por escravos, tentam manter sua identidade e culturas preservadas. As memrias desse passado so recorrentes nas narrativas coletadas nas comunidades.

O gnero discursivo em estudo pode ser definido, de forma geral, como uma narrativa em que um tesouro enterrado revelado a uma pessoa por meio de acontecimentos sobrenaturais. Fernandes (2007) classificou as narrativas de enterro em quatro categorias, considerando a variao de significados: o protoconto, a explicativa, a descritiva e o logro.

Etimologicamente, protoconto pode significar conto inacabado, porm o verdadeiro sentido dessa categoria de narrativa de enterro no se refere a uma histria acabada, mas sim em gestao, posto que se desenvolve medida que a histria transcorre. Segundo Fernandes (2007, p. 287), o protoconto traz em seu significado certa aproximao com o conto maravilhoso, porque em ambos Ҏ ressaltada a provao do escolhido e do heri. O heri do conto maravilhoso passa por percalos e provaes at a resoluo dos problemas.  Dessa mesma forma, nas narrativas de enterro quilombolas, o escolhido enfrenta algumas dificuldades at encontrar e desenterrar o tesouro.

Na narrativa do tipo explicativa, h a insero de elementos que so encontrados em mitos e lendas, com o objetivo de explicar a existncia do enterro. Ou seja, quando um fenmeno incompreensvel acontece, lana-se mo de explicaes do imaginrio popular para explic-lo. Nas narrativas pantaneiras, Fernandes (2007) observou que o mito Me de Ouro era mencionado para explicar manifestaes de enterro. J nas narrativas de enterro quilombolas encontramos a histria do Pretinho, que, segundo a narradora, antiga. A apario desse ser, que faz aluso lenda do saci, j faz parte do imaginrio da comunidade e usada para justificar a existncia de um tesouro encantado.

 Alm disso, como afirma Borges (em adamento), os relatos de apario de um ser com a mesma cor de pele dos moradores produzem uma identificao e assumem uma posio de autoridade ao orientar os indivduos para atitudes e valores que estimulam a resistncia do povo negro.

A narrativa do tipo descritiva, por sua vez, tem como finalidade descrever elementos do enterro, ou suas partes, geralmente a marcao, a manifestao e a provao. Nessa categoria de narrativa, no h um enredo propriamente dito. O foco explicar os detalhes do enterro, como: o local do tesouro, os tipos de manifestaes que podem acontecer e as provaes pelas quais o escolhido pode passar.

Alm da classificao das narrativas de enterro de acordo com seu significado, Fernandes (2007) identificou que a estrutura formal desse gnero poderia ser composta de at seis partes: origem, anunciao, manifestao, marcao, provao e desenlace.

A parte denominada origem transporta a narrativa ao eixo da temporalidade, (FERNANDES, 2007). A origem revela a procedncia da riqueza enterrada, no caso das narrativas quilombolas, geralmente resgatado o tempo da escravido.

Outra parte da estrutura definida por Fernandes (2007) a anunciao: revelao do enterro ao escolhido, por meio de sonhos, vises, vozes, dentre outros.

H casos ainda em que, quando o tesouro no revelado por meio de sonhos ou vises, o prprio enterro se revela ao escolhido. Nesse caso, trata-se da manifestao, que tambm est diretamente relacionada ligao existente entre o narrador e a terra, pois se acredita que, quando o ouro entra em contato com a terra, torna-se encantado e demonstra vontade prpria ao se revelar a quem se supe ser merecedor dele, declara Fernandes (2007).

A marcao outra parte da estrutura da narrativa de enterro que pode acontecer de duas maneiras distintas: geograficamente, situao em que o dono do enterro conta ao escolhido onde est o tesouro; ou simbolicamente, quando o escolhido, para quebrar o encanto do tesouro, marca, ou seja, batiza o enterro, acendendo uma vela, pingando gotas do prprio sangue etc.

A quinta parte da estrutura chamada de provao e acontece quando o escolhido passa por testes para provar que merecedor do tesouro. A honestidade e a moralidade do escolhido so testadas, especialmente em casos em que o tesouro deve ser dividido.

Finalmente, o desfecho da histria se d no desenlace, o qual pode ser positivo ou negativo. Essa parte revela o que aconteceu com o escolhido e o enterro: o xito, com a retirada do enterro e a obteno da riqueza; a perda, que pode ocorrer porque o escolhido no teve coragem suficiente para passar pela provao ou quando enganado por algum que rouba seu tesouro.

Fernandes (2007) destacou que esse gnero discursivo expressa um anseio coletivo, transmite valores, costumes e preceitos morais dos indivduos de uma comunidade. A estrutura formal da narrativa percebida pelo narrador, o qual, por meio da conscincia lingustica, movimenta suas partes de forma criativa, gerando atualizaes. Segundo o autor:

Por conscincia lingustica compreende-se a assimilao, no mbito textual, de elementos constitutivos de uma narrativa pelo ouvinte-leitor e do modo como eles se apresentam na reatualizao do texto, quando o ouvinte-leitor torna-se narrador. A conscincia lingustica capacita o narrador a articular e a associar motivos, invariantes e variveis na atualizao de um arqutipo. (FERNANDES, 2007, p. 229).

Em resumo, as narrativas de enterro podem apresentar quatro diferentes significados, que so: protoconto, o qual apresenta certa semelhana com o conto maravilhoso; a narrativa explicativa, que utiliza os mitos e lendas como comprovao da existncia do enterro; a descritiva, a qual tem como finalidade descrever e detalhar algumas partes da estrutura da narrativa;  o logro, narrativa na qual o desfecho da histria se d com o roubo do tesouro. Sua estrutura pode ser constituda de at seis partes: origem, anunciao, manifestao, marcao, provao e desenlace.

Desse modo, constatamos que a narrativa de enterro de cada comunidade possui uma identidade prpria, que vai ao encontro dos seus valores e costumes, no entanto, essas diferentes narrativas parecem encontrar-se no alinhavado produzido pelos diferentes aspectos mticos que as atravessam. A seo seguinte apresenta uma breve discusso terica acerca noo de mito, na qual este artigo se baseou.

 

 

Estatuto mtico da narrativa de enterro

 

Um caixo aluminado, uma galinha choca e o Pretinho[8] so alguns dos elementos sobrenaturais presentes nas narrativas.

Visto que a prpria definio de narrativa apresenta um carter fantstico – quando a revelao se d exclusivamente ou por meio de sonhos e vises (anunciao), ou por meio de aparies sobrenaturais (manifestao) –, fica evidente o estatuto mtico das narrativas de enterro. Para compreender esse estatuto, devemos levar em considerao a necessidade intrinsecamente humana de tentar entender e explicar os fatos e os fenmenos incompreendidos, o que resulta na criao de mitos. Segundo Chau (2000):

Um mito uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da gua, dos ventos, do bem e do mal, da sade e da doena, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raas, das guerras, do poder etc.).

A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar) (CHAU, 2000, p. 32).

A definio acima descrita se mostra pertinente para o entendimento da presena do mito na narrativa de enterro, pois, de fato, entidades mticas so mobilizadas para justificar a origem do tesouro. Chau (2000) afirma, ainda, que o mito:

tem como funo resolver, num plano simblico e imaginrio, as antinomias, as tenses, os conflitos e as contradies da realidade social que no podem ser resolvidas ou solucionadas pela prpria sociedade, criando, assim, uma segunda realidade, que explica a origem do problema e o resolve de modo que a realidade possa continuar com o problema sem ser destruda por ele  (CHAU, 2000, p. 396).

No entanto, na narrativa de enterro, no a inteno de resolver conflitos e contradies da realidade social que justifica o emprego de elementos mticos e lendrios, mas sim o intuito de explicar o enterro de um tesouro. Observamos que a prpria meno ao enterro j revela o seu lugar na dimenso do fantstico.

Dessa forma, consideramos relevante a explicao de Benjamin (1987) sobre a narrativa:

Cada manh recebemos notcias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histrias surpreendentes. A razo que os fatos j nos chegam acompanhados de explicaes. Em outras palavras: quase nada do que acontece est a servio da narrativa, e quase tudo est a servio da informao (BENJAMIN, 1987, p. 203).

A liberdade de poder ler o mundo conforme suas crenas permite aos moradores das comunidades onde os dados foram coletados utilizar o extraordinrio, o mtico para explicar os acontecimentos do mundo real.

Segundo Campbell (1990, p. 25), preciso pensar os mitos de forma incorporada vida, pois a mitologia tem muito a ver com os estgios da vida, com as cerimnias de iniciao, quando voc passa da infncia para as responsabilidades do adulto, da condio de solteiro para a de casado. Todos esses rituais so ritos mitolgicos. Esses rituais so notrios em toda a trajetria do escolhido: na anunciao e na manifestao do tesouro; na marcao simblica (batismo do tesouro); na provao, na qual o escolhido passa por provas que exigem que ele demonstre sua coragem (seguir uma galinha choca que sai da boca de um pote, por exemplo) ou honestidade (dividir a riqueza com algum).

Alm disso, os elementos e objetos das narrativas de enterro quilombolas que recebem essa segunda camada, situada no campo mtico, fazem parte da identidade cultural e dos costumes da comunidade: rvores, igaraps, tachos, fornos, bilhas. De acordo com Lvi-Strauss (1993):

cada mitologia local, confrontada com uma determinada histria e com um determinado meio ecolgico, muito nos ensina acerca da sociedade de que provm, expe-lhe as foras motrizes, esclarece o funcionamento, o sentido e a origem das crenas e costumes /.../ (LVI-STRAUSS, 1993, p. 174).

Diante do exposto, fica evidente, portanto, que as narrativas de enterro esto diretamente ligadas ao mtico. A prpria definio desse gnero discursivo e os objetos mencionados no enredo das histrias esto inseridos no campo do fantstico.

A seo seguinte apresenta nove segmentos de vrias narrativas que compem o corpus da pesquisa. Com base neles, busca-se demonstrar como o estatuto mtico atua na configurao da dimenso argumentativa do gnero sob anlise.

 

 

Mitos e construo da dimenso argumentativa em narrativas de enterro quilombolas: um exerccio de anlise

 

Nesta seo, discutimos a caracterizao de uma dimenso argumentativa com base na maneira como algumas categorias retricas aliam-se a aspectos articulados ao que temos denominado de estatuto mtico das narrativas de enterro quilombolas. Nessa articulao, entidades mticas intervm tendo em vista alterar o estado de crena do enunciatrio. Discutiremos ainda as maneiras como as narrativas de enterro contribuem para a transmisso e a fomentao de princpios e de valores morais comunidade.

Na provao, que corresponde a uma das partes da estrutura formal dessas narrativas, o escolhido deve enfrentar situaes que causam medo ou realizar um pedido que o ser sobrenatural determinou como condio para ser merecedor do tesouro. Bom carter, coragem, honestidade, lealdade e esperteza so algumas das virtudes que o escolhido deve apresentar para receber a recompensa. Alis, a coragem a caracterstica mais exigida como comprovao de merecimento do tesouro. Observemos o segmento da narrativa Maldio:

SEGMENTO 01

quando a alma vem dizer pras pessoa n (+) que t o dinheiro se a pessoa for l no tiver medo ele tira o dinheiro e fica rico.

Para descrever o raciocnio presente nesse trecho, podemos aplicar o modelo entimemtico, proposto por Amossy (2020, p. 150) e abaixo exemplificado. Segundo a autora, por meio desse quadro, pode-se reconstituir um raciocnio silogstico a partir dos entimemas que se encontram subsumidos no discurso:

Quadro 1. Modelo entimemtico aplicado ao segmento da Prova de coragem

Premissa maior (ausente)

preciso no ter medo para conseguir tirar o dinheiro e ficar rico.

Premissa menor

Se o escolhido no tiver medo.

se a pessoa for l no tiver medo

Concluso

Logo, conseguir tirar o dinheiro e ficar rico.

ele tira o dinheiro e fica rico

    Fonte: Elaborado pelos autores com base no modelo de Amossy (2020).

De acordo com Amossy (2020), o silogismo pode ser definido, de maneira ampla, como todo raciocnio dedutivo; constitudo de duas premissas – premissa maior e premissa menor – e de uma concluso. Conforme explica Fiorin (2018, p. 17), Aristteles dividia os raciocnios entre necessrios e preferveis (ou provveis).

O raciocnio necessrio aquele cuja concluso decorre necessariamente das premissas colocadas, ou seja, sendo verdadeiras as premissas, a concluso no pode no ser vlida (FIORIN, 2018, p. 17). Do ponto de vista aristotlico, o tipo perfeito de raciocnio necessrio era o silogismo demonstrativo. Podemos utilizar, a ttulo de exemplificao, o clssico Todos os homens so mortais (premissa maior); Scrates um homem (premissa menor); Logo, Scrates mortal (concluso).

Os raciocnios preferveis so aqueles cuja concluso possvel, provvel, plausvel, mas no necessariamente verdadeira, porque as premissas sobre as quais ela se assenta no so logicamente verdadeiras (FIORIN, 2018, p. 18). Um exemplo desse tipo de raciocnio o silogismo dialtico ou retrico. Emprestamos o exemplo utilizado pelo autor:

Todo professor dedicado.

Ora, Andr professor.

Logo, Andr dedicado.

(FIORIN, 2018, p. 18)

provvel, possvel que Andr seja um professor dedicado, mas no logicamente verdadeiro. Desse modo, a admisso de certas premissas e, portanto, de determinadas concluses depende de crenas e de valores (FIORIN, 2018, p.18). Os raciocnios preferveis so estudados pela retrica, enquanto os raciocnios necessrios pertencem ao campo da lgica.

O entimema, por sua vez, corresponde a um silogismo truncado que se utiliza do implcito, na medida em que o enunciador pode ocultar tanto a premissa maior quanto a concluso, supondo que, mesmo no sendo enunciadas, sero deduzidas pelo ouvinte.

Retornando ao exemplo do modelo entimemtico, podemos afirmar que provvel, ou seja, possvel que o escolhido, se no tiver medo, consiga tirar o tesouro enterrado e ficar rico, porm, no logicamente provvel. Tambm podemos provar que se trata de algo plausvel se utilizarmos uma prova dentro do prprio gnero discursivo: a narrativa com significado de logro, em que o escolhido, mesmo apresentando coragem, ao final, se no for esperto o suficiente, pode ter seu tesouro roubado. Essa reconstruo tambm demonstra que pathos, compreendido como as emoes que o enunciador tenta gerar no enunciatrio e logos, que, grosso modo, corresponde ao eixo que articula a razo linguagem, so muitas vezes indissociveis no funcionamento discursivo (AMOSSY, 2020).

Nem todos os ensinamentos e valores que podem ser transmitidos por meio das narrativas de enterro so expostos explicitamente. o que demonstra o segmento 2, que apresenta um trecho da narrativa Prova de coragem. Como sugere o ttulo, o enredo voltado para a demonstrao de coragem do escolhido:

SEGMENTO 02

e a falaro pra ele OLHA se tu trazer o pacro (++) corajuso (+) se tu no conseguir tirar com pacro c vo/ c vo apanh /.../ agora se tu desist num vai ficar por isso vai acontecer alguma cuisa contingo (Borges em andamento)

De acordo com o segmento 02, o escolhido poderia convidar um parceiro que apresentasse coragem suficiente para ir at o fim da empreitada. A desistncia implicaria punio: eles iriam apanhar, ou seja, seriam castigados fisicamente, e, ainda mais, aconteceria algo que a voz – como o narrador denomina esse ser sobrenatural – no especifica (vai acontecer alguma cuisa contigo). Diferentemente do que apresenta o segmento 02, no segmento 03, a provao anunciada pelo ser sobrenatural. Nessa narrativa, a voz somente diz que ele e o parceiro devem ser corajosos. O narrador continua a histria dizendo que o escolhido optou por ir sozinho retirar o dinheiro. O segmento 3, abaixo, apresenta a estrutura narrativa correspondente provao na narrativa Prova de coragem.

SEGMENTO 03

a chegu l comeu a cavar (+) a le/ ele t pensando que s chegar e cavar que num tinha um movimento daqui alguma cuisa estranha n (++) /.../ a veio uma voz (+) cava pra c pra esquerda ele falava a: (+) mais pra direita (++) a: ele comeu ver o negcio mu::ito aqui ele ficou com medo ele comeu quer sa ele falou no tu vai t/ tu vai t que terminar o selvio (+) /.../ ele pensava que num era assim (Borges em andamento)

O narrador afirma que o escolhido tinha uma ideia equivocada de como seria essa retirada do dinheiro (ele t pensando que s chegar e cavar; ele pensava que num era assim). A provao aconteceu de duas formas: uma prova de obedincia, a voz dando instrues de onde cavar para encontrar o dinheiro; uma prova de coragem, na qual algo que o escolhido viu (ele comeu a ver o negcio) lhe causou medo.

A seguir, no segmento 04, temos o desenlace tambm da narrativa Prova de coragem.

SEGMENTO 04

DEIXARO ele vim (+) e a ele veio (++) passu a nuite inteira com dor de cabea e eu sei que at huje i:/ ele t meio mais doido como diz do que bem (Borges em andamento)

Aps vrias tentativas de desistncia, enfim, o escolhido consegue ir embora do local do enterro, porm, a punio foi aplicada. Por no ter sido corajoso para finalizar a misso, o escolhido teve dor de cabea a noite inteira, o que, aparentemente, causou-lhe doenas mentais desde ento.

Diante desse cenrio, devemos buscar entender de que maneira essa narrativa, mesmo sem pretenso explcita de busca de adeso a uma tese, apresenta uma moral da histria. Podemos encontrar a argumentatividade desse gnero discursivo investigando o no dito ou o poder do explcito, de acordo com Amossy (2020).

O implcito contribui para a fora da argumentao na medida em que empenha o alocutrio a completar os elementos ausentes [...] [e] refora a argumentao ao apresentar, sob uma forma indireta e velada, as crenas e opinies que constituem suas premissas incontestadas. (AMOSSY, 2020, p. 178-179.)

Nesse vis, os ensinamentos compartilhados pela histria contada sero construdos pelo ouvinte a partir de seus prprios valores e crenas. Os excertos da narrativa Prova de coragem, apresentados no segmento 04, permitem inferir que preciso ter coragem para passar pelas provaes e alcanar sucesso. Isso se aplica tanto misso de desenterrar um tesouro encantado quanto a outros percalos da vida.

O excerto 05, a seguir, pertence narrativa O caixo aluminado. Em suma, trata-se de uma escolhida que v um caixo aluminado (iluminado) e chamada por algum para buscar uma riqueza. Amedrontada, conta para o marido, o qual vai ao lugar marcado tentar retirar, entretanto, no encontra nada. Ao final da histria, ocorre o seguinte:

                                      SEGMENTO 05

o cara veio no SONHO dela (+) e disse olha ERA PRA TI no era pra ele (++) ento era pra ti ir s tu ir buscar e num ia te acontecer nada agora tu no fica com nadinha nem tu e nem ele (Borges em andamento)

A escolhida no cumpriu a regra segundo a qual somente o escolhido pode retirar a riqueza. Observamos essa condio em vrias narrativas, quando o tesouro se manifesta na presena de escolhido e some na presena de outras pessoas. A punio para a infrao de regras a perda do tesouro (tu no fica com nadinha).

Abaixo, no segmento 06, apresentamos outro trecho da narrativa O fogo, na qual a escolhida tambm no teve coragem de retirar o tesouro e contou para outras pessoas sobre a existncia dele.

SEGMENTO 06

e faziam tipo uma RIMPADA assim no punho da rede a vov (+) ficava assim dizia assim tu vai apanhar pra ti tudo tu conta pros outro (+) pra O QU tu saber tu no contar pro outro (Borges em andamento)

Alm da falta de coragem para buscar o tesouro, a escolhida infringiu outra regra frequentemente imposta como provao nas narrativas de enterro: no se deve contar para ningum o segredo que envolve o local onde o tesouro est enterrado, a no ser que seja permitido pelo dono da relquia. Dessa forma, com base nos segmentos 05 e 06, o enunciatrio deve alterar a sua viso de mundo, entendendo a importncia moral do ensinamento, segundo o qual importante saber guardar segredos.

O segmento 07, apresentado a seguir, faz parte da narrativa Ambio:

 

                                      SEGMENTO 07

falaru que o dinheiro era pra ele com paulo pinto que era irmo do tio roxo (++) e a o papai usou a imbio e disse que o/ ele ia convidar o man borge que era irmo dele n /.../  e quando ele chegou l: (+) o dinheiro j num estava mais j tinha/ sumido (Borges em andamento)

Nessa narrativa, tambm possvel observar a transmisso de princpios morais; nesse caso, a honestidade e a desambio. O dinheiro deveria ser dividido entre o protagonista e outro personagem que tambm foi considerado merecedor do tesouro. Porm, como diz o narrador, ele usou a ambio e chamou outra pessoa para retirar o tesouro com ele. Por ter agido contra a determinao de quem lhe doou o dinheiro, tornou-se indigno de retirar o referido tesouro (o dinheiro j num estava mais).

No segmento 08, exposto a seguir, temos um trecho da narrativa Bico de vela:

                                      SEGMENTO 08

disque o homem enganou ela (0.36) DEU OUTRAS MOEDA e ficou com aquelas (+) e ela nu/ num se lucrou de nada (2.33) (j) pensou (Borges em andamento)

interessante observarmos que a escolhida, mesmo passando por todas as provaes (ter coragem e batizar o tesouro), perde as moedas de ouro no final. A escolhida perdeu o tesouro para algum mais esperto, dessa forma, o narrador alerta: a prudncia e a desconfiana em relao a pessoas prximas devem permanecer sempre aguadas (FERNANDES, 2007, p. 300).

Alm disso, tambm possvel perceber, no trecho supracitado, o apelo ao pathos inscrito de forma implcita como uma estratgia de sensibilizao do ouvinte. Toda essa histria pode suscitar uma resposta emocional do interlocutor, porm, isso mais perceptvel no trecho: ela num se lucrou de nada, seguido do convite da narradora reflexo: j pensou?. De acordo com Amossy (2020, p. 208), a emoo pode ser construda no discurso a partir de enunciados que carregam emoes e que levam a uma determinada concluso afetiva. Nesse contexto, tendo em considerao todo o enredo que leva ao logro da escolhida, podemos chegar a uma concluso: ele [o homem que enganou a mulher] no foi justo. Nessa narrativa, so mobilizados a compaixo pela escolhida e o sentimento de injustia.

Benjamin (1987, p. 200) declara que a narrativa:

tem sempre em si, s vezes de forma latente, uma dimenso utilitria. Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugesto prtica, seja num provrbio ou numa norma de vida. [...] O extraordinrio e o miraculoso so narrados com a maior exatido, mas o contexto psicolgico da ao no imposto ao leitor. Ele livre para interpretar a histria como quiser, e com isso o episdio narrado atinge uma amplitude que no existe na informao. (BENJAMIN, 1987, p. 200-203)

Diante do exposto, conclumos que as narrativas de enterro podem ser uma fonte de transmisso e fortalecimento de crenas e valores, s vezes tcitos, compartilhados por uma comunidade.

Mais uma vez, a dimenso argumentativa se mostra constitutiva das narrativas de enterro, visto que Amossy (2020, p. 12) define a argumentatividade, tambm presente no enunciado, como algo que convida o outro a compartilhar modos de pensar, de ver e de sentir. Por outro lado, so recorrentes os elementos mticos que atuam nessa dimenso. A alma que vem dizer algo; a voz espectral que exige uma prova de coragem; uma galinha choca; o pretinho que se assemelha ao saci-perer; o cara que, em sonho, revela o local do tesouro, mas exige a manuteno do segredo e do mistrio, entre outros, so elementos que, ao intervirem diretamente nas aes narradas, instituem claramente um estatuto mtico para as narrativas de enterro de tesouro em comunidades quilombolas.

 

Consideraes finais

 

Nesse estudo, analisamos um aspecto especfico da narrativa de enterro - o carter mtico - usado pelo narrador como estratgia que autoriza considerar a existncia de uma dimenso argumentativa nesse gnero do discurso, que, embora no apresente um carter tipicamente persuasivo, na medida em que nele o enunciador no exige do enunciatrio a adeso explcita a uma tese, sutilmente busca encaminhar a comunidade onde circula o gnero a desenvolver valores ticos e morais primordiais para a sobrevivncia e resistncia da comunidade.

No caso especfico das narrativas de enterro quilombolas, a fomentao de valores morais e ticos como a coragem, a capacidade de guardar segredos e a honestidade, tematizados nesse gnero discursivo, so estratgias que parecem tentar encaminhar os indivduos para as regras legais de sobrevivncia em sociedade e estimular neles a capacidade de resistir tanto no mundo real quanto no imaginrio.

 

 

Referncias

 

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[Recebido: 28 set 21 - Aceito: 28 out 21]

 



[1] Doutor em Estudos lingusticos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Associado da Universidade Federal do Par.

[2] Doutora em Cincias Humanas pela Universit d'Aix-Marseille I – Frana. Professora Titular da Universidade Federal do Par. Bolsista Produtividade CNPq-PQ2. 

[3] Doutoranda em Letras – Lingustica do Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal do Par.

[4] Graduanda da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Par

[5] As narrativas de enterro aqui analisadas tm sido estudadas no contexto das aes propostas por dois projetos de pesquisa desenvolvidos no mbito da Universidade Federal do Par. Um deles denomina-se Vozes da Amaznia, coordenado pela Profa. Dra. Regina Clia Fernandes Cruz. Nesse projeto, integram-se os planos de trabalho desenvolvidos por Thaynara Thays Ferreira Paixo, em nvel de Iniciao Cientfica (PIBIC) e a pesquisa de doutorado de Benedita do Socorro Pinto Borges, que tm coletado, transcrito e analisado as narrativas de enterro em localidades do Baixo-Tocantins. O outro projeto denomina-se Estrutura retrica de crnicas brasileiras e sua aplicao no ensino, coordenado pelo Prof. Dr. Emanuel da Silva Fontel. A produtiva interlocuo entre os pesquisadores tem permitido um debate em torno de como as narrativas de enterro incorporam as questes do cotidiano, tema central nas pesquisa que envolvem o gnero crnica. Alguns trabalhos acadmicos, fundamentados, semelhana do presente artigo, na interface sociolingustica e Estudos do Texto e do Discurso, j foram desenvolvidos com base na aproximao entre esses dois gneros discursivos investigados nos projetos supramencionados.

[6] No ignoramos que o vocbulo quilombola nesse contexto gera ambiguidades, no entanto, por economia lingustica, manteremos o termo, em vez de narrativa de enterro de tesouro em comunidade quilombola, que mais literalmente expressaria a funo desse gnero discursivo.

[7] Em uma das aes do  projeto de pesquisa Estrutura retrica de crnicas brasileiras e sua aplicao no ensino (em andamento), busca-se estabelecer um dilogo entre as narrativas de enterro e as crnicas, considerando um ponto de contingncia entre esses dois gneros, que promoo do debate da vida cotidiana.

[8] Entidade que guarda semelhana com o saci-perer.