ANTNIO ALEIXO E ANTNIO VIEIRA: DILOGOS IAGINADOS OU BOCA DE PAPEL: ESPAOS DE FRICO DA PALAVRA POTICA

 

 

ANTNIO ALEIXO E ANTNIO VIEIRA: IMAGINED DIALOGUES OR MOUTH AND PAPER: FRICTION SPACES OF THE POETIC WORD

 

 

Edilene Matos[1]

http://orcid.org/0000-0003-3201-1946

 

 

Resumo: Este estudo pe em relevo interfaces nas obras de dois poetas populares. De um lado, o poeta portugus Antnio Aleixo[2] e sua stira humanstica, com destaque para o recurso apropriado da expressividade verbal. De outro lado, o poeta brasileiro (baiano) Antnio Vieira[3] e a ndole musicante de sua poesia satrica, integrando o que denominou Cordel Remoado[4]. A poesia de ambos os poetas, feita para provocar vibrao nas palavras, aponta para a coreografia do gesto, no palco semovente oralidade/escritura.

Palavras-chave: Antnio Aleixo. Antnio Vieira. Dilogos imaginados. Palavra potica

 

Abstract: This study highlights the interfaces / overpassing in the works of two "popular" poets. On the one hand, the Portuguese poet Antnio Aleixo (Algarves) and his "humanistic" satire, with emphasis on the appropriated use of the verbal expressiveness. On the other hand, the Brazilian poet Antnio Vieira (Bahia) and the musical nature of his satirical poetry, integrating what he called as "Rejuvenated Cordel".  The poetry of both poets, which was made in a way that provokes vibration in the words, points to the choreography of the body / gesture, on the stage / space moving by itself orality/writing.

Keywords: Antnio Aleixo. Antnio Vieira. dialogues imagined. poetic Word.

 

Por uma potica da voz

 

Voz. Voz na garganta. Voz no papel. Voz no corpo. Voz no palco. Voz na rua. Voz velha. Voz nova. Voz ruidosa. Voz silenciosa.

Enfim, voz!

A voz modulante, disso no se tem dvida. E se ela modulante, mvel, ela sai e entra sem se fixar.

A voz, mutante por natureza, parte do corpo que no se reduz a um espao, mas alonga e prolonga esse corpo, locus de origem, referncia. Nesse movimento sinuoso, trapaceira, a voz se desdobra em perpetuum mobile.

exatamente essa complexa operao de dobras e desdobras, de tecidos plissados, que implica o espelhamento sonoro de nossas marcas identitrias, de evocao de memrias. O barthesiano gro da voz se faz marca de corpo na voz. Voz que querer dizer, vontade de existir.

Assim, ao falar de espaos de frico da palavra potica, trago, aqui, um texto como resultado preliminar do projeto de pesquisa Antnio Aleixo e Antnio Vieira: dilogos imaginados ou Boca e Papel: espaos de frico da palavra potica.

E esse espao de frico envolve as chamadas poticas orais. Estou, evidentemente, me referindo ao verbo potico que nasce na boca, entendida enquanto canal de emisso de voz ou vozes. lgico, pois, que a voz se produz (se esculpe) nos rgos fonadores, que so tambm modeladores da voz. E a boca funciona tambm como um desses modeladores: abre-se e fecha-se como canal flexvel que . E faz passar a voz, rejeitando tudo o que quebra a voz viva.

Falar sobre poticas orais, hoje, requer entrar num jogo polmico, e isto por conta da diversidade de estudos que tratam do assunto. De incio, e h consenso, no caso, entre os estudiosos, a oralidade implica tudo o que em ns se enderea ao outro: seja um gesto mudo, um olhar (ZUMTHOR, 2010); o gesto no transcreve nada, mas produz significativamente as mensagens do corpo (ZUMTHOR, 2010 p. 206); o gesto denuncia o no-dito (ZUMTHOR, 2010, p. 205); a gestualidade, s vezes, confere uma funo ao silncio: gestos zeros.

Zumthor, cujas ideias so basilares para minhas reflexes, diferencia boca e voz. A boca, alm de ser um canal, um dos fatores que ajudam e interferem na produo da voz. A voz est intimamente ligada ao corpo por vibraes corporais. A voz acompanhada por movimentos corporais no-vocais e que interferem no significado da mensagem vocal. H, portanto, uma voz sonora, comprometida com o som, e uma voz muda, no comprometida exatamente com o som, mas aliada ao som e que contribui para a produo da mensagem verbi-vocal. A voz, signo escultrico, construda na garganta e entalhada no corpo. Multiplicam-se, assim, as possibilidades de produo de sentido da mensagem verbi-vocal, pois a voz, enquanto linguagem, feita de signos sonoros e de signos gestuais. neste caso que se pode falar em mensagens verbi-voco-visuais, considerando que esses signos mudos, de configurao no sonora, portanto no audveis, so, no entanto, visuais, visualidade que se faz necessria para que tais signos sejam captados e decodificados.

A mensagem vocal, segundo Zumthor, envolve, pois, voz e corpo, envolve a palavra audvel e signos visuais inaudveis, que se tornam audveis na medida em que se aliam voz. essa aliana dos signos corporais inaudveis com a voz, produtora de signos audveis, que torna os signos inaudveis signos tambm audveis. O corpo mudo se torna audvel por fora da aliana de sua gestualidade com a voz.

Quando designamos a operao do uso da voz de vocalidade, estamos nos referindo a um espao de produo de signos extremamente complexo, e isto porque tais signos so, ao mesmo tempo, mudos, sonoros, audveis e inaudveis, convergindo todos eles para uma espcie de sonoridade corporal, que o que caracteriza a performance vocal, que no s som, mas envolve corpo e voz – corpo e voz intimamente entrelaados de forma que o que no sonoro se sonoriza, e o que no visual adquire uma espcie de potencialidade sonora, fazendo da vocalidade uma espcie de cena teatral complexa, feita de signos verbi-voco-visuais.

Zumthor reivindicava a paternidade do termo teatralidade (thtralit). Este termo exerceu uma espcie de fascinao para ele, e o conceito que lhe imprimiu jamais se enfraqueceu, e, muito pelo contrrio, constituiu uma marca inscrita a ferro e fogo de sua proposta (ZUMTHOR, 1998). Tal teatralidade evoca uma espontaneidade que se inventa a ela prpria ao exprimir-se, como uma sensao espacial, em que se amalgamam o som (o canto, ou simplesmente os jogos da voz), o gesto, a mmica, a dana (ZUMTHOR, 2000). Desta forma, privilegia-se o calor da voz, que ultrapassa e muito os limites acanhados da letra.

O homem, produtor de mensagens vocais (cantador, trovador, ator, leitor e intrprete de textos em voz alta) revela-se, por isso, sobretudo um ator, exatamente porque a voz, criadora de mensagens, o obriga a se colocar por inteiro no centro do palco.

Falar de poticas da voz, portanto, falar desse teatro vocal, enquanto produtor e encenador de poesia, entendida aqui enquanto encenao de signos-atores interligados (vocais, gestuais, sonoros). Primordialmente, a potica da voz, portanto, teatro potico ou poesia teatral, que no deve, em hiptese alguma, reduzir-se palavra meramente vocalizada e muito menos palavra grafada.

Essa interligao da palavra com o gesto, sabemos ns, vem do nascimento da poesia, quando o homem se manifesta teatralmente (o poeta e a poesia no nascem nas pginas do livro!), quando o homem descobre a voz como fora verbi-voco-visual. por tal motivo que a poesia, mesmo quando grafada, mantm as marcas da origem, de sua natureza propriamente original. Isto porque a poesia nasceu na voz e da voz, intimamente ligada ao corpo, ou seja, a poesia nasceu como teatro de signos. E justamente porque teatro de signos que, ao l-la no texto escrito, esto l em reverberao as marcas da origem. Por conta dessas marcas, o homem no pode deixar de ouvir, mesmo na escritura, essa voz ancestral, esses traos ainda vivos de uma ancestralidade indelvel.

Ler decodificar signos grafados, signos traduzidos em sinais grficos, mas ler tambm implica a recuperao das marcas originais da palavra, porque a palavra originalmente no letra, mas voz e corpo.

A qualidade potica de um texto est ligada natureza teatral da voz, porque a voz teatral desde os primrdios; ela potica porque a potica envolve a conjugao de diferentes signos, tendo em vista a produo de uma linguagem plurissignificativa, no apenas no plano conceitual, mas, de igual modo, no plano sensorial, porque a plurissignificao nunca somente conceitual – ela s se instala no momento em que o conceito se alia sensorialidade. Quando uma linguagem sufoca a sensorialidade dos seus signos tendo em vista o privilegiamento do conceito, ocorre sua despoetizao, ou seja, sua desteatralizao e consequente monologizao. O monologismo a marca de uma linguagem despida de sensorialidade, linguagem tcnica, formal, espartilhada, sem liberdade, sem a menor condio de contribuir para a transformao do homem, de fazer histria, porque puro registro esttico de fatos concretos. A histria humana s se faz quando o homem assume sua poeticidade, sua teatralidade natural. O homem um ser teatral, repito. As sociedades do passado, que abafaram a natureza teatral do homem, morreram; e o que parece estar ocorrendo hoje, face pseudo-segurana, e pseudo-certeza dos discursos monovalentes, que escravizam e amordaam o pensamento, a criatividade, a ao, a livre circulao das ideias. E o potico isto: espao livre de circulao e dana dos saberes, que fecunda culturas, insemina civilizaes.

Potica das culturas orais – poticas das culturas apoiadas nas linguagens verbi-voco-visuais, sensrio-conceituais e multissignificativas. Melhor seria falar de poticas vocais, pois que, e pensando nos ensinamentos de Zumthor, a vocalidade como produo concreta do homem, como energia, mais palpvel, ou visvel, que a oralidade. Alm disto, a voz confere, atravs de cada timbre, um sinete autoral. Evoco a questo da emisso da voz como algo musicante, entendendo com Ruth Finnegan (2008) que a msica vocal pode estar na cano ou na fala, nos recitativos, nas declamaes. Penso, pois, em nveis de musicalidade vocal, que na cano pode ser acentuadamente meldica.

A anulao da oralidade impossvel, porque no possvel eliminar as marcas da voz. E ao falar em poticas da voz, falo das linguagens sensrio-conceituais, em que o conceito no se impe apenas no plano do logos, mas se faz espao cambiante e prismtico de sensaes e sentidos, de experincias mltiplas verbi-voco-sensrio-corporais.

 

Encontros poticos moventes

 

Trago como exemplos dessa potica sensorial os espetculos teatralizados em torno do poeta Antnio Aleixo, hoje uma voz sem corpo, que se insinua em seus poemas/quadras como um canto, vindo de um outro tempo, mas que ecoa, ainda nesse sculo XXI, combativo, irnico, denunciador, provocador de incontida euforia coletiva e, em todos os momentos, atualssimo. Trago tambm como exemplo dessa potica sensorial a atuao performtica do poeta Antnio Vieira, tambm hoje uma voz sem corpo.

Rondas. Rotas. Mapas. Sagas. Peregrinaes. Travessias. Andanas. Veredas. Literatura de movimento. Poesia nmade. Poesia movente. Poesia da voz viva. Poesia do social. Poesia de carne e sangue.

Homero, imitador, criador de aparncias – pelo menos para Plato era assim –, saiu pelo mundo e deixou plantada sua Odisseia. Semente que se multiplicou atravs do canto das sereias. As sereias, mticos seres, testemunharam as diversas travessias do heri quase-divino, mais-que-humano. As vozes dessas sereias, ecoadas no vai e vem das espumas, diziam de narrativas fabulosas. Diz-se, hoje, de marcas especficas dessas narrativas: viagens reais e viagens imaginrias.

Literatura de frico: encruzilhada. Ponto de encontro, interseco de literatura com outras sries artsticas. Penso, sobretudo, em msica/som, em dana/gesto, imagem/olho.

Essa literatura movente, potica viajeira, que vai e volta da letra voz, inscrita no que se denomina poticas da voz, permite circularidade entre as vrias culturas.

Este estudo pe, pois, em relevo interfaces nas obras de dois poetas populares. De um lado, o poeta portugus Antnio Aleixo e sua stira humanstica, com destaque para o recurso apropriado da expressividade verbal. De outro lado, o poeta brasileiro (baiano) Antnio Vieira e a ndole musicante de sua poesia satrica, integrando o que denominou Cordel Remoado. A poesia de ambos os poetas, feita para provocar vibrao nas palavras, aponta para a coreografia do gesto, no palco semovente oralidade/escritura.

 

 

O poeta de l: Antnio Aleixo

O dia foi 4 de setembro de 2019, uma bonita manh de vero. No comboio 180 (Alfa Pendular), cadeira 51, parto, enfim, de Lisboa para Loul. Nunca tinha ido ao Algarve! Minha expectativa a terra do poeta, Aleixo. Ainda naquele dia contemplaria sua esttua[5]. Interessante entender a importncia dada a um poeta popular e isto algo muito especial, mas que no me consola e me faz refletir sobre lacunas imperdoveis que acontecem no Brasil, meu pas. Bem que algumas vozes importantes j se levantaram nesse sentido, a exemplo dos alertas de Mrio de Andrade e de Carlos Drummond.

Fiquei hospedada no Allons-y Guesthouse, Rua de So Domingo, 13, bem perto do famoso Caf Calcinha, reduto dos improvisos de Aleixo, reduto das memrias em torno dele.

Em Loul, agradveis surpresas: 1. o encontro com Helena Miguel, especialista no que se refere ao arquivo de documentos e fotografias do Museu Municipal de Loul – agradeo a Helena o contato, a visita ao museu, explicaes da Sala Polivalente da Alcaidaria do Castelo, as conversas sobre o Brasil, loas a Portugal, ao Algarve, a Loul. Simptica e acolhedora, Helena se mostrou sensvel e inteligente. 2. O acolhimento generoso do professor/pesquisador J.J. Marques, incluindo importantes e elucidativos dilogos sobre questes e pesquisas das oralidades, visitas a monumentos e um agradvel almoo. 3. Uma bem montada exposio sobre a rica trajetria de Tssan. 4. O dilogo com o Presidente do Concelho, muito bem avaliado e respeitado pelos louletanos e, por coincidncia, neto do poeta Antnio Aleixo. Essa minha visita o deixou comovido ao tomar conhecimento da proposta de uma pesquisa em terras brasileiras sobre a potica de seu av. Historiador, Vtor Aleixo me presenteou com uma alentada edio de Encontros Imaginrios, de autoria de Hlder Mateus da Costa, premiado escritor, dramaturgo, encenador e autor. Percebi, pois, que Vitor Aleixo entendeu muito bem minha proposta com base nos dilogos imaginados entre Aleixo e Vieira. O referido livro reuniu uma srie de encontros imaginrios promovida pelo Grupo de Teatro A Barraca, a partir de fevereiro de 2011, com o objetivo de inventar situaes e conflitos com figuras da humanidade (COSTA, 2015, p. 5). Nesses encontros se d, exatamente no Encontro Imaginrio 29, em 17 de novembro de 2014, um dilogo insuspeitado entre Antnio Aleixo, Cndido de Oliveira e Juiz Veiga (COSTA, 2015, p. 329-338).

No Algarve, na primeira metade do sculo XX, Antnio Aleixo se tornou responsvel pela irradiao de uma poderosa corrente do cancioneiro popular portugus. Tal corrente foi apontada pelo artista plstico Tssan[6], e por Joaquim Magalhes, um dedicado professor de liceu, figura indispensvel na divulgao do poeta Antnio Aleixo.

Espantosamente lcido e consciente de sua inclinao potica, Antnio Aleixo deixou registrada em versos sua concepo de arte e de artista. E como artista, tinha um olhar caleidoscpico, girante, que lhe permitia sair dos espaos limitados de uma vida comum:

Vejo a arte definida

Na forma de descrever

O bem ou o mal que a vida

 

Nos faz gozar ou sofrer

Ser artista ser algum!

Que bonito ser artista...

ver as coisas mais alm

do que alcana a nossa vista!

 

A arte dom de quem cria

portanto no artista

aquele que s copia

as coisas que tem vista

 

A arte em ns se revela

sempre de forma diferente;

cai no papel ou na tela

conforme o artista sente

Textos poticos autorados, ditos em alta voz por este chamado poeta oral, do sul de Portugal, vendedor de cautelas e gravatas, guardador de rebanhos, cantor popular nas ruas, mercados e feiras, trazem expresso filosfica original, tantas vezes considerada ҇cida. Em quadra ou sextilha, poetava natural e exemplarmente, com vocabulrio surpreendemente adequado s situaes em foco.

Motivos e temas variados, mas o tom melanclico e irnico na exibio da capacidade de improviso, viso de mundo especial, com grande inclinao para a stira.

Esta inclinao para exibies e improvisaes j se fazia evidente desde a mais tenra idade com performticas atuaes como cantor das janeiras[7]. Cantava as quadras das janeiras e quando o repertrio j tinha sido repetido muitas vezes, o menino Aleixo fazia curiosas improvisaes que passaram a chamar a ateno de todos.

Antnio Aleixo, l pelos idos de 1939/1940, teve ajuntadas por um amigo (Jos Rosa Madeira) algumas quadras em duas folhas de papel e que viriam a se constituir ncleo do seu primeiro livro: Quando comeo a cantar (1 edio, Faro, 1943; 2 edio, Coimbra, 1948; 3 edio, Lisboa, 1960)

Figura 1 ‒ Dedicatria de Antnio Aleixo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


                                                 

                                                  Fonte: Livro Quando comeo a cantar.

 

Depois, se seguiram: Intencionais – 1 edio, Faro, 1945; 2 edio, Lisboa, 1960; Auto da vida e da morte (1 acto) – 1 edio, Faro, 1948; 2 edio, Faro, 1968; Auto do curandeiro (1 acto) – 1 edio, Faro, 1949; 2 edio, Faro, 1964; Este livro que vos deixo Volume I, 18 edio, Lisboa, 2003; Este livro que vos deixo Inditos – Volume II , 13 edio, Lisboa, 2003; Inditos – 1 edio, Loul, 1978; 2 edio, Loul, 1979.

Seguindo seu ritual cotidiano de andarilho, Antnio Aleixo cumpriu o traado do seu destino e ficou como um personagem-tipo, desses que marcam profundamente uma poca, um espao social. Pessoa/personagem impressa na memria do povo portugus, figura notvel e notria, poeta boquirroto, gritador e denunciador dos males sociais, expert na arte da performance, Antnio Aleixo encarnou a si mesmo em vrios papis, sobressaindo-se enquanto corpo/voz convertido em ao, coisa viva, que alardeava, feria, rasgava, cauterizava, ecoando sempre um universo de sugestes e sedues.

Essa sua voz, inscrita no papel, como autor que foi de quadras e/ou sextilhas, ou articulada, a do narrador, a do cantor dos acontecidos do povo de Algarve, obteve enorme sucesso. Anunciava e denunciava tudo em voz alta, na busca de aperfeioar o timbre, no gasto do frgil poder de seus pulmes, da materializao e da pulsao da voz, do ineditismo de suas performances, em um contnuo corpo a corpo com seu pblico.

 

Figura 2 ‒ Quadra e glosas de Antnio Aleixo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

       Fonte: Fundao Antnio Aleixo, 2019.

Se Antnio Aleixo foi testemunha atenta e inquieta de momentos empolgantes da vida portuguesa, acompanhando a revoluo dos costumes, afrontou tambm de dedo em riste essa modernidade. No deve ser esquecido que Aleixo viveu e fez sua obra em um Portugal sob o regime ditatorial salazarista ou Estado Novo (1933-1975)[8]. No livro Ao encontro de Antnio Aleixo, Joaquim Magalhes conta que, por ocasio do preparo para publicar Quando comeo a cantar, foi necessrio um exerccio cuidadoso: tudo o que no pudesse ser motivo para eventual apreenso do livro, caso pudesse vir a ser considerado alvo das vistas curtas da censura intelectual de ento (MAGALHES, [s.d.], p. 10). Sabemos todos ns que Magalhes[9] referia-se PVDE.

Decididamente, Antnio Aleixo nunca foi, como o personagem de Apollinaire, um vagabundo urbano, quase um clochard, um pattico perdido na multido. Foi, antes, um poeta, dotado de grande poder de comunicao. Um ldico e lcido poeta cuja voz soava mgica para o pblico que o aplaudia e o tinha como seu legtimo porta-voz. Pela boca desse extraordinrio artista fala a outra voz, a voz do poeta sensvel vida de seu povo.

Sua voz, seja como sussuro de confidncia – note-se o carter notadamente autobiogrfico da maior parte dos poemas de A. Aleixo (FERREIRA, 1978) – seja altissonante como a da multido na praa, me faz ouvir o tempo que passou e que volta transformado, mesmo que seja numa folha de papel. Para a exibio de suas quadras e/ou sextilhas, sonetos, glosas, poemas com vrias estrofes, autos[10], Antnio Aleixo lanava mo de recursos inusitados e imprevistos.

No concordo com certos pronunciamentos que se referem incorreo da escrita de Antnio Aleixo como senha para que o poeta fosse includo num grau abaixo do que se convencionou como poeta culto. Essa distino entre literatura/poesia popular e literatura/poesia erudita ou culta no tem mais sentido. Tida como ingnua, rude e tosca pela histria literria, a literatura/poesia popular, na realidade, um tipo de manifestao ficcional e imaginativa bastante prxima daquela que se costuma chamar propriamente de literatura, no existindo diferenas de essncia entre um e outro tipo de produo, j que possuem, de modo anlogo, aquilo que comum a qualquer obra, seja qual for a tradio a que esteja vinculada: sua capacidade de criar formas significativas, expressivas e reveladoras da existncia humana. Alis, a pretensa ingenuidade que se atribui literatura/poesia popular parece-me algo que se gostaria de encontrar na literatura culta. Em verdade, o preconceituoso posicionamento por parte dos eruditos com relao literatura/poesia de expresso popular reflete, simultnea e contraditoriamente, o desejo e a rejeio de uma inocncia e uma ignorncia invejadas, j que seriam elas o verdadeiro testemunho e garantia de certa autenticidade e originalidade de raiz, nem sempre visveis em manifestaes literrias de carter erudito.

Estou de acordo, pois, com aqueles que viram inspirao muito rara nas quadras de Aleixo em vrios momentos, e com um tom forte, expressivo, ajustado em vocabulrio justo e cortante.

                                Figura 3 ‒ Manuscrito de Antnio Aleixo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


                                                     Fonte: Fundao Antnio Aleixo, 2019. https://fundacaoantonioaleixo.com/wp-content/uploads/2016/10/5822007_orig.jpg

Nesse mundo girante, a atualidade dos versos improvisados de Aleixo o insere na contemporaneidade quanto expressividade do corpo e da voz como fenmenos poticos totais, traduzindo as gritantes e to presentes misrias e desigualdades dos seres humanos, alm de uma postura crtica com relao a si mesmo, postura esta a que se referiu em uma de suas ltimas quadras, recordada pelo irmo de Tssan, Armando dos Santos:

Quando em mim penso com calma

e me compreendo melhor

bem merecia que a minha alma

tivesse um corpo maior

Tudo isso toma assento no pensamento de Paul Zumthor ao se referir relao voz e gesto:

Um lao funcional liga de fato voz o gesto: como a voz, ele projeta o corpo no espao da performance e visa a conquist-lo, satur-lo de seu movimento. A palavra pronunciada no existe (como o faz a palavra escrita) num contexto puramente verbal: ela participa necessariamente de um processo mais amplo, operando sobre uma situao existencial que altera de algum modo e cuja totalidade engaja os corpos dos participantes.

[...] o gestus d conta do fato de que uma atitude corporal encontra seu equivalente numa inflexo de voz, e vice-versa, continuamente (ZUMTHOR, 1993, p. 243-244, grifo meu).

Sabe-se da vida cotidiana do homem e do poeta, como ele apareceu, local, dia e hora. Sabe-se de sua famlia, avs, pai, me, irmos, amada, filhos e netos. Sabe-se de sua sade frgil. Sabe-se de suas proezas heroicas e sedutoras. Conhecem-se seus poemas e recitam-nos de cor. No h dvidas sobre estas questes.

Sei que, em Portugal, Antnio Aleixo muito conhecido para que seja necessrio insistir sobre ele. Mas insisto. Insisto em mergulhar num amplo espao, fluido e disperso, de textos, entrevistas, relatos, participao em seminrios, sesses de homenagens e outros tipos de manifestaes, onde Antnio Aleixo se delineia como um mito, personagem transformado em sugestiva figura romanesca, feita de evocaes e sugestes retricas e poticas, de achegas, de fragmentos e que ganha fora como paladino de uma nova ordem. Mito, no caso, entendido, por extenso de significado, como concepo individual ou coletiva, espcie de crena vaga, oscilante, de gosto, de culto, de adorao leiga, espontnea ou cultivada.

A composio da imagem do poeta, no caso, decorreria da articulao das imagens de uma realidade dada, com base em documentos oficiais, colhidas na memria, mas tambm, de imagens que obedecem aos ditames de uma imaginao mais propriamente criadora uma vez que atravessam geraes e se impem ou afirmam na coletividade, propiciando a criao de poetas mticos, como o caso de Antnio Aleixo.

Para isso, foi necessrio despir-me de pr-conceitos tradicionais, esdruxulamente laudatrios ou eufemisticamente malvolos, observando as possibilidades de olhares (furtivos, voluptuosos, impassveis, ternos, apaixonados, invejosos, parciais) sobre um centro mvel e continuamente deriva.

Com o objetivo de delinear o mito de um poeta-gnio, encontro respaldo no pensamento – ainda muito atual – de J. Tynianov quando acentua que, em certas pocas, a biografia torna-se literatura oral apcrifa (TYNIANOV, 1971, p. 116).

Antnio Aleixo foi, sem dvida, um personagem singular no momento em que viveu, e tambm na dimenso mtica que lhe foi atribuda pelo povo, pelos crticos e at por sua prpria poesia.

Ao me referir a uma personalidade mtica, falo de um conjunto de atributos que se evidenciam mais em determinados poetas ou artistas. Trata-se de algo que lhes vem do interior e atinge o exterior, delineando-lhes um crculo luminoso como se fosse uma aurola, conferindo-lhes santidade e poderes quase divinos, sem que, por vezes, exista qualquer conexo entre tal processo de mitificao e a qualidade da obra. Em sua biografia de Maiakovski, Roman Jakobson acentua:

Quando esse mito entrou na vida, foi impossvel sem esforo sobre-humano traar um limite entre a mitologia potica e o curriculum vitae do autor, e o testamento de Maiakovski viu-se inteiramente justificado: na vida autntica do poeta, significativo apenas aquilo que foi defendido com a palavra (JAKOBSON, 1993, p. 134).

A especial venerao que se tributa imagem de Antnio Aleixo, porm, implica o assentamento e desdobramento de um sem nmero de traos, reais ou fictcios, biogrficos ou textuais, retrabalhados tambm pelo imaginrio. As imagens revigoram a memria, estimulam-na.

O poeta Antnio Aleixo, enquanto personagem, construiu-se na crtica e na boca do povo, e sua vida converteu-se, repetindo Barthes, num plural de encantos. Tentativas (algumas at felizes) de mitific-lo ainda em vida se acentuaram com a morte. A partir da, foi um fluir ininterrupto de imaginrios diversificados e at fabulosos. Os contornos do personagem e do mito permanecem, porm, at hoje, imprecisos. Todos apostam, entretanto, em algumas constantes: a crtica mordaz, as limitaes financeiras, a sade debilitada, o talento para atrair multides, o gnio criador de retumbantes e inflamadas imagens. Historiadores e bigrafos costumam apresent-lo como um poeta que teve grande repercusso, nacionalmente, entre os crticos e o prprio povo.

 

Fonte: Exposio Tssan, em Loul, 2019.

 

Fonte: Exposio Tssan, em Loul, 2019.


Figura 5 ‒ Aleixo e Tssan


             Figura 4 ‒ Desenho de Antnio Aleixo por Tssan

       

 

Deste modo, a semeadura do mito se deu, e o mito floresceu e frutificou. No se sabe a ponta do novelo nem o embarao das linhas, mas pouco importa. No caso, verdade e fico, emoo e razo se fundem, se misturam. Cada um quer acrescentar um dado novo, e nesse jogo de dados, de variaes e interpretaes, os espaos do mito vo sendo preenchidos – porm nunca se preenchem – e a personagem se esculpe nos sons da voz, nos grafos da escritura, nas leituras e releituras crticas, no teatro, nas ruas, escolas, agremiaes, nas figuraes plsticas, nos espaos culturais, espalhados por todo Portugal e chegando ao Brasil.

Sementes plantadas, aqui e ali, em Portugal, onde so publicados, ditos (e atualizados) poemas como se fossem de sua autoria. Nesse sentido, trago, aqui, a reflexo de J.J. Marques, ao mencionar a seco Erticas, Burlescas e Satricas, de Inditos:

 

Refiro-me em primeiro lugar ao seguinte aspecto: depois de mencionar as quadras (no sentido de quadras glosadas) picantes, mas recheadas de humor e malcia integradas na seco Erticas, Burlescas e Satricas, que obtivera por intermdio de velhos amigos do poeta, que as ditaram de memria, Ferreira confessa: o nosso trabalho neste campo consistiu em dar s verses orais destas quadras a forma escrita que nos pareceu mais prxima duma composio de A. Aleixo.

curioso (para os mais rigorosos ser talvez arrepiante) ver a boa conscincia com que Ezequiel Ferreira admite ter retocado aqueles versos, de modo a aproxim-los do que Aleixo teria escrito. Como que ele sabia determinar qual a forma mais prxima duma composio de A. Aleixo coisa que no diz... Assim como no diz que alteraes fez (MARQUES, 2013, p. 43, grifos meus).

Alm disso, h uma grande quantidade de versos memorizados de prpria autoria do poeta algarvio ou versos criados em que lhe so feitas referncias, como o de Natanael Piano, citado por Ana Paula Guimares (2000, p. 136) em Ns de Vozes – acerca da tradio popular portuguesa:

No quero ser um Aleixo

Nem ser Torga nem Miguel

E uma mensagem vos deixo

S quero ser Natanael.

Surgem tambm pardias, pois vale sempre lembrar que a imagem e a obra de Antnio Aleixo encontram ainda hoje repercusso e ressonncia junto ao povo, da bom pensar em Mikhail Bakhtin, ao apontar o coro popular rindo na praa pblica (BAKHTIN, 1987, p. 11). Esse referido coro era alimentado por parodistas, que se utilizavam de modelos de obras conhecidas e aceitas pelo pblico para, invertendo-lhes o sentido, produzir novas verses. Os autores parodiados atestavam, assim, sua popularidade. Desse modo, isso se d com Antnio Aleixo. A repercusso desse poeta realmente espantosa, sobretudo em Portugal. Em cada canto, em cada esquina, possvel conversar sobre Antnio Aleixo!

 

 Figura 7Esttua do Poeta na Quinta do

                              Lago (Loul)

 


  Fonte: Acervo pessoal da autora.


 

Figura 6 Escultura Antnio Aleixo em Madeira, de Mrio Albano

 Fonte: Escultura Antnio Aleixo em Madeira, de Mrio Albano, Galeria da Galeria da Exposio, Jos Manuel Figueiredo, Baixa da Banheira, Vila de Moita, 2019.

 

 

 

 

 

 


Hoje, Antnio Aleixo, que verbetado na Nova Enciclopdia Larousse, cuja obra se encontra espalhada por vrias bibliotecas em Portugal e fora de Portugal, a exemplo da Biblioteca Nacional do Brasil[11], da Library of Congress[12], da Bibliothque Nationale de France[13], nome de rua, de agremiaes culturais, de escolas, com destaque para a Fundao[14] Antnio Aleixo, sediada na Av. Jos da Costa Mealha, 14 – 1 andar, Loul.

Figura 9 ‒ Placa da Rua Antnio Aleixo

 


   Figura 8 ‒ Placa da Fundao Antnio Aleixo

Fonte: Acervo pessoal da autora.

Fonte: Acervo pessoal da autora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Em texto esclarecedor, o pesquisador e professor portugus J. J. Dias Marques registra a preciosidade da no to numerosa coleo de manuscritos de Aleixo conservada na Fundao Manuel Vigas Guerreiro, em Querena, concelho de Loul (2013, p. 48). Registra, ainda, duas outras instituies que conservam manuscritos do poeta: a Biblioteca da Universidade do Algarve, em Faro e a Fundao Antnio Aleixo, em Quarteira/Loul (e j aqui referida).

Aleixo foi prestigiado na rea musical por grandes nomes da cano, com realce para Zeca Afonso[15] e sua famosa Balada Aleixo, no LP Cantares de Jos Afonso, 1967.

 

 

Quem canta por conta sua

Canta sempre com razo

Mais vale ser pardal na rua

Que rouxinol na priso

Adeus que me vou embora

Adeus que me quero ir

Deita c estes teus olhos

que me quero despedir

 

Com os cegos me confundo

Amor desde que te vi

Nada mais vejo no mundo

Quando no te vejo a ti

 

Adeus que me vou embora

Adeus que me quero ir

Deita c esses teus olhos

Que me quero despedir

 

 


                                                              Figura 10 ‒ Cartaz do espetculo

                                                   Fonte: Acervo pessoal da autora.

Aleixo, que escreveu autos, figura tambm em espetculos teatrais, a exemplo do espetculo Diz-me, Antnio[16], um tributo ao poeta algarvio Antnio Aleixo, no Teatro das Figuras, em Faro. Integrado no programa 365 Algarve, uma coproduo da ArQuente Associao Cultural, com o apoio da Direo Regional de Cultura do Algarve e parceria da Eating Algarve Tours. Trata-se, segundo a divulgao do espetculo, de uma nova criao da Rede Azul – Rede de Teatros do Algarve, revisitando a obra de Antnio Aleixo – na passagem dos 120 anos do seu nascimento – como um cruzamento artstico entre dana, msica e spoken word.

A esmola no cura a chaga;

Mas quem a d no percebe

Ou ela avilta, que ela esmaga

O infeliz que a recebe.

 

A ningum faltava o po,

Se este dever se cumprisse:

– Ganharmos em relao

Com o que se produzisse

         Figura 12 ‒ Esttua de Antnio Aleixo em Loul

 Figura 11 ‒ Lpide de Antnio Aleixo, Cemitrio de Loul

 

 

 

 



Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

 


             

Fonte: Acervo pessoal da autora, 2019.

 

 


O poeta de c: Antnio Vieira

 

Antnio Vieira

Nasceu em Santo Amaro

Tem sobrenome do pai

O nome, a me deu, claro

No ano de 49

Introduziu-se no orbe

Onde faz o seu trabalho.

 

Viajou pelo Brasil

Investigou um bocado

Escreve em seus cordis

Imagens que lhe marcaram

Resgates e personagens

Annimos e consagrados[17].

 

Antnio Vieira, com poemas narrativos, capazes de suscitar a curiosidade do ouvinte/leitor, confiava na fora de sua imaginao ao rearticular histrias inscritas na tradio, dando-lhes novas cores e fisionomias. Sabia Vieira que sua palavra tinha poder, que poderia repercutir no imaginrio social, provocando at certa euforia coletiva, e influenciando os sonhos e at mesmo os destinos, pois que se insinua e penetra nos ouvidos, transmitindo encantamentos pela letra e pela voz.

Sabia, de igual modo, que sua atividade de poeta, nascida no contato direto com o pblico, abriu caminho para seu sucesso como herdeiro dos trovadores medievais.

Leitores eu vou contar

E este meu papel

De poeta, cordelista

Cantador e menestrel

Como tudo comeou

De que forma aqui chegou

O folheto de cordel (s.d., p. 26)

A potica popular narrada em folhetos de cordel j em si transgride os cdigos da escritura, que um desenho da voz. E, ao romper as linhas que limitam a escrita ao tamanho do papel, essa potica se impe, transita por espaos moventes e, sinuosa, se molda aos diversos contextos, como o escolhido por Vieira como Cordel Remoado. Essa proposta de Antnio Vieira traz o dilogo da tradio rural com o urbano, do antigo com o contemporneo, incluindo a participao do narrador/cantador in presentia ou midiatizado em shows gravados. Mais uma vez busco apoio em Zumthor, ao tratar das atuaes dos jograis quando predominava a palavra gesticulada dos poetas, a msica, a dana, esse jogo cnico e verbal que linguagem do corpo e colocao em obra das sensualidades carnais (ZUMTHOR, 1993, p. 45).

Na proposta potica de Antnio Vieira, o corpo participa da ao de dizer, desde a variada tonalidade da voz ou a estruturao rtmica at a gesticulao corporal, que se manifesta nos movimentos das mos, nos meneios da cabea, na curvatura do tronco, na dana do corpo de um lado para outro, para frente, para trs, num vai e vem prprio da atuao performtica.

Antnio Vieira comps seu personagem movido evidentemente pelo desejo de se distinguir da multido das praas pblicas: usava um chapu tipo panam e portava um violo como se fosse extenso de seu prprio corpo, marcas de um artista.

 


                                                      Figura 13 ‒ Antnio Vieira

                                          Fonte: Acervo pessoal da autora.

 

Antnio Vieira, que comeou realmente a escrever e a atuar j no sculo XXI, nesse terceiro milnio, tinha perfeita noo de sua funo de poeta/pesquisador. Nesse sentido, no foi um improvisador – confessava que utilizava a estrutura e o prprio nome de Cordel – e chegou a fazer uma classificao de sua obra, naturalmente ancorado nas classificaes feitas por estudiosos da literatura popular. Deixou uma obra marcada por um elevado teor de intencionalidade, preocupao com os debates acirrados de um novo momento, conformando uma polifonia de narrativas de grande interesse. Trago, aqui, por exemplo, uma de suas propostas, qual seja a da coleo afro-Brasil, com um conjunto de folhetos abordando a temtica da africanidade e sua repercusso na formao do povo brasileiro.

No rol de sua produo potica, figuram duas coletneas – Histrias que o povo conta, volumes I e II – e um CD gravado – Antnio Vieira: o cordel remoado – com 12 msicas narradas e/ou cantadas.

Homem sensvel e atento diversidade de seu pblico, Antnio Vieira sabia seduzir plateias, como ocorria nos shows que eram cuidadosamente preparados. Por conta disso, foi convidado pela TVE (TV Educativa/IRDEB/Bahia) para gravar um especial, o que foi concretizado em 2005.

As atuaes performticas de Antnio Vieira provocaram repercusso na Escola de Artes Cnicas da Universidade Federal da Bahia. O professor Dr. Armindo Bio, de saudosa memria, escreveu um prefcio para a coletnea Histrias que o povo conta, de Antnio Vieira:

H alguns anos, lecionando para jovens estudantes de teatro, da Universidade Federal da Bahia, e tratando com as possibilidades picas (narrativas) e dramticas (de ao) do cordel, convidei para fazer uma aula para meus alunos o poeta, compositor e cantor Antnio Vieira, que me foi apresentado por Antonio Marques, estudante da turma. A publicao do livro deste artista hoje aqui (2003, por ocasio de uma feira nacional do livro, na Bahia) um importante momento do histrico acima relatado. Ler um folheto de Antnio Vieira, em sua presena, numa festa de 13 de maio em Santo Amaro, sua terra, t-lo fazendo uma nova aula – desta vez aberta – para meus novos alunos da UFBA, h algumas semanas e mais recentemente, t-lo num projeto da Fundao Cultural para um pblico maciamente jovem (o Julho em Salvador), so outros momentos daquele histrico pessoal, que se completam com as consideraes que se seguem (BIO, 2003, p. 12-13).

Em 2004, Antnio Vieira teve a oportunidade de fazer uma viagem a Portugal, desejoso de conhecer a terra de Antnio Aleixo, poeta por quem nutria uma profunda admirao. L, fez alguns shows e se encantou com a Universidade de Coimbra.

Em rota de viagem, Antnio Vieira deixou gosto de quero-mais no seu antolgico encontro virtual com Antnio Aleixo. Encontro dos dois Antnios. Antnio Vieira viajou da Bahia para Portugal e o fez no duplo sentido: real e imaginrio. Em suas andanas por terra de alm-mar, redesenhou um encontro potico insuspeitado.

Na Bahia, sabia muito bem Antnio Vieira que o centro da cidade de Salvador no era somente reduto de sobrades onde se misturam os cheiros de dend, incenso, cravo e canela. Era tambm reduto de tipos humanos, populares ou no, que passavam das ruas para a memria, a exemplo de Gregrio de Mattos, poeta seiscentista que nasceu no casaro de n 8 da Praa Anchieta (bem em frente ao Cruzeiro de So Francisco, cruz de mrmore erguida em 1807, sob a batuta de Frei Jos de So Sebastio), expoente maior da nossa poesia barroca e que circulou de viola em punho pelos becos e ladeiras, satirizando desafetos pessoais e polticos, ele que era doutor in utroque jure pela Universidade de Coimbra.

A viagem que Antnio Vieira fez a Portugal possibilitou-lhe reflexo a respeito de si prprio, de seu pas, de seu povo, abrindo espao para a construo de um discurso sobre o outro. O poeta da terra de samba-de-roda e usinas de acar viu sua viagem como um aprendizado, como experincia vivencial e textual. O ritmo do sujeito que tudo olha, tudo contempla e tudo fixa. O desejo de conhecer os lugares por onde versejou Antnio Aleixo fez com que, para Antnio Vieira, essa viagem se tornasse mais ntima e imaginria que real. Ao olhar o outro, estabeleceu de imediato um dilogo entre a sua cultura e aquela do outro. Importava, para ele, ler o outro, buscar identidades e diferenas, tentando reviver, atravs do corpo textual, tudo aquilo que viu ou contemplou.

O olhar de Vieira – aqui, evoco Bachelard – passa de algo passivo para algo ativo, de movimento, no sendo o olho seu smbolo, mas a mo, que tem movimento e criadora, ao agir sobre o objeto observado (BACHELARD, 1991). Tenso no olhar. Olhar que se transforma em atividade criadora, transferindo para a mo do escritor a fixao dos instantes. Instantes viajeiros, agora fixados, dinamizados pela imaginao. Nos campos do imaginrio, a memria se rearruma, se rearticula, se reorganiza, redimensionando, desse modo, o que foi olhado, tocado, cheirado, ouvido, saboreado. Imaginao que opera, portanto, transformaes de dados efetivos que se movem em espaos fluidos e tempos imemoriais.

A viagem de Vieira a Portugal, lugar de espao e tempo para experimentaes, fez vicejar uma nova proposta de escritura: no documento, no testemunho, no memria. Mas um bocadinho de cada, compondo um tecido de mltiplos fios e de intrincados tranados que se expem nos vrios deslocamentos, no trnsito, na errncia por opostos espaos, na dimenso cambiante de toda mudana.

Veja-se que suas crnicas/relatos/narrativas de viagem lanaram sementes para seus folhetos, nos quais, por exemplo, Portugal foi muito alm de referncias histricas, arquitetnicas, e passou a significar um espao de liberdade por onde os personagens circulavam num vai e vem incessante. Nesse espao, a includo o cotidiano do trabalhador, do vagabundo, do moleque, h o desfrutar dos prazeres, sugerindo possibilidade de felicidade. Escapam, assim, os personagens de Vieira da dimenso da razo e passam a expressar-se em outro plano, plano to enevoado, pleno de matizes e cambiantes, plano aberto, sem frmulas fixas, rgidas ou definitivas. Nesse plano, tudo pode ser mudado, tudo est em constante ir e vir como as inslitas espumas flutuantes.

Viajar preciso. No confidenciar desse viajor, h a diviso entre a viagem real e a viagem da imaginao. Uma interfere na outra, possibilitando reflexes para a compreenso da opo esttica e ideolgica do escritor. Nessas viagens, Vieira pensou e refletiu a poesia e as vrias dimenses da oralidade e da musicalidade.

Essa viagem para Portugal motivou o folheto O Encontro de Antnio Vieira com Antnio Aleixo. No h aventura impossvel para a imaginao do poeta, que viaja solto, sem rdeas, nas asas do vento. Voam os poetas de cordel, obcecados pelos voos.

Espao e tempo se movimentam e as narrativas ressurgem com novas fisionomias no recncavo da Bahia. So traos de uma narrativa oral, movente, surpreendentemente camalenica, que ressurgem nos intrigantes textos de literatura de cordel. Composto de septilhas setessilbicas, e editado com o apoio da Fundao Cultural do Estado da Bahia em 2005, o folheto, j no seu incio, indica reverncia ao poeta portugus:

Grande mestre Antnio Aleixo

Eu estando em Portugal

Para cantar os meus versos

Em sua terra natal

No lhe pedi permisso

Para tal interveno

Perdoe-me, no fiz por mal!

Apenas no conhecia

Sua verve meritria

Que o povo portugus

Guarda viva na memria

E fala com muito zelo

Do poeta cauteleiro

Que deixou o nome na histria.

Nesse folheto, o poeta viaja atravs da imaginao sem travas e sem limites. Aporta o poeta no mundo portugus e estabelece relaes com o mudo de c:

Mas como eu considero

O mundo um s: l e c

Tomei a iniciativa

De com voc versejar

Baseado na essncia

Que a sua sapincia

Me inspirou a cantar.

Fascinado pela vivncia entre rios – Suba-sergi-mirim, Araguaia, Paraguau, Tocantinpolis, Arata, Itapecuru –, o poeta Antnio Vieira, de Santo Amaro/Bahia, era atento observador do difcil cotidiano de seu povo, de um povo sofrido e carente. No ser difcil, portanto, entender a fabulosa viagem que o poeta empreende em busca de um outro espao. Assim, vai a Coimbra e contempla o Mondego. Contemplao igualmente se dar com a ida a Braga quando avista o Douro.

Essa narrativa em versos metrificados , sem dvida, baseada em modelos que so recriados com base na circulao de elementos textuais viajantes, nmades, que se combinam aqui e ali, fazendo surgir histrias sempre prontas a se refazer na infinitude das leituras possveis. Num complexo processo da boca ao ouvido e do ouvido boca, ocorre o afastamento gradativo da matriz original. E a modificao da matriz original de uma histria assentada na tradio tem, a meu ver, um aspecto transgressor, que seduz pela novidade, oriunda da imaginao, essa forma de audcia humana.

A voz do poeta popular inquieta, se adentra em variados mundos, transmite verdades e sonhos, funda reinos fabulosos ou no. Essa voz em mutao se reelabora constantemente, tecendo e retecendo os retalhos da tradio em formas novas e fisionomias particulares.

Escrito por um poeta de acentuado esprito crtico, o folheto hbrido – septilhas e peleja em quadras – com a verso do encontro fictcio entre o Antnio portugus e o Antnio brasileiro da Bahia, uma viagem pela imaginao. Com sua palavra cheia e cantante, Antnio Vieira se insere, agora, no rol dos criadores de viagens fantsticas.

A narrativa de viagem real de Antnio Vieira expe a experimentao ao vivo das mais variadas manifestaes artsticas de nossos antepassados portugueses: poesia, msica, drama. Na volta, sob a ao da memria e da imaginao, selecionou os fatos experenciados e os metamorfoseou em viagens fictcias.

Antnio Vieira ter sua vida escrita[18], certamente, por bigrafos, e ela trar a legenda da heroicizao. Desde a terra de origem (Bahia) – uma terra mtica – at as pessoas que o cercam – parentes, amigos, admiradores –, dizem eles que Vieira foi um homem mpar, mltiplo e vrio. E eu, que cheguei a conhec-lo, concordo que seus vrios perfis se superpem: o Antnio Vieira de Santo Amaro da Purificao, cantada terra do Recncavo baiano; o Antnio Vieira na cidade de Salvador, seduzido pelas luzes da ribalta; o Antnio Vieira da famlia (com Coracy e filhos); o Antnio Vieira agitador, arauto da liberdade; o Antnio Vieira, poeta que figura no panteo de grandes poetas da literatura de cordel; o Antnio Vieira dos palcos, mestre violeiro e exmio cantador; o orador destacado de seminrios e entrevistas; o inesgotvel combatente, apoiador ardoroso de um pensamento afro-descendente; o Antnio Vieira, modelo de elegncia e audcia; o Antnio Vieira dos jovens, o arrebatado paladino da liberdade, o utpico, o sonhador; o Antnio Vieira das geraes mais velhas, modelo de homem justo, educado, orador brilhante, poeta de estirpe; o Antnio Vieira do povo, o simples, o defensor dos oprimidos, o proclamador das igualdades sociais.

 

 


                    Figura 14 ‒ Antnio Vieira em atuao

      Fonte: Acervo pessoal da autora.

Antnio Vieira deixa uma grande contribuio ao conceituar uma nova maneira de pensar o cordel, denominado por ele de cordel remoado, e que consiste na apresentao do cantador recitando/cantando fragmentos de histrias tradicionais em processo de uso da bricolagem com novas histrias de sua lavra, satirizando os acontecimentos, denunciando mazelas. Com fora e forte carisma, o poeta exibia gestos, tons de voz adequados a cada narrativa cantada. O poeta Vieira fez, em verdade, uma releitura do cordel, fazendo o texto circular e, desse modo, costurar habilmente as linhas da tradio e da contemporaneidade sem deixar entre elas lacunas e pontos visveis.

Ardoroso defensor do prestgio que deveria ser dado poesia popular, A. Vieira buscou estabelecer um dilogo com os poetas sem subservincia, sem tirar seu chapu como reverncia.

A cantora e intrprete Maria Bethnia, tambm nascida em Santo Amaro da Purificao/Bahia, gravou, ao som de um instigante fundo musical com percusso e levssimo dedilhar de violo, um irreverente poema de seu conterrneo[19]:

 

A nossa poesia uma s

Eu no vejo razo pra separar

Todo o conhecimento que est c

Foi trazido dentro de um s moc

 

E ao chegar aqui abriram o n

E foi como ela sasse do ovo

A poesia recebeu sangue novo

Elementos deveras salutares

 

Os nomes dos poetas populares

Deveriam estar na boca do povo

No contexto de uma sala de aula

No estarem esses nomes me d pena

 

A escola devia ensinar

Pro aluno no me achar um bobo

Sem saber que os nomes que eu louvo

So vates de muita qualidade

O aluno devia bater palmas

 

Saber de cada um o nome todo

Se sentir satisfeito e orgulhoso

E falar deles para os de menor idade

Os nomes dos poetas populares.

Antnio Vieira foi acometido por um cncer pulmonar. Durante 10 anos, lutou contra essa doena e, segundo me relatou sua viva, ele dizia sempre Eu estou doente, no sou doente. Essa doena se espalhou para a medula ssea e o poeta veio a falecer no dia 10 de maio de 2010, deixando mulher e trs filhos.

FOLHETOS[20] DE ANTNIO VIEIRA:

1.             A medicina altrusta de Doutor Jos Silveira, xilo: Naizuo, 2001.

2.             Santo Antnio de Pdua, a Prola Maior da Ordem Franciscana, edio especialmente produzida para o Evento Antnio Tempo, Amor, Tradio – ANO V – 2001 (MOSTRA DE ARTE – de 1 a 13 de junho, Centro de Memria dos Correios, desenho s/i, acrstico, 24 p.,  junho de 2001.

3.             Mouraria, tradio Mouro Cigana, desenho s/autoria, acrstico. 16 p. outubro de 2001.

4.             A poesia esculachada dEle, o Tal Cuca de Santo Amaro, xilo com a figura do poeta popular Cuca de Santo Amaro, de autoria do xilgrafo Natividade, acrstico, junho de 2002.

5.             Pop do Macull de Santo Amaro, 2 edio, desenho, agosto de 2002.

6.             O encontro de Besouro com o valento Doze Homens, 4 edio, acrstico, desenho s/identificao, setembro de 2002.

7.             Usar Chapu – uma arte milenar, 12 pginas, desenho s/autoria – acrstico, outubro de 2002

8.             Se a ferrovia traz progresso e porque o trem parou?, 16 pginas, acrstico. Fundao Luis Ademir de Cultura, So Flix/Bahia, 2002.

9.             Akar-Je – o mesmo que comer fogo, xilo: Natividade, 8 pginas, acrstico, janeiro de 2003.

10.          O sacerdcio humanista de Monsenhor Gaspar Sadoc, 8 pginas, acrstico, maro 2003, foto do Padre.

11.          Manuel Faustino dos Santos Lira, o mrtir santo-amarense da Conjurao Baiana, desenho s/ident, 12 p., acrstico, abril de 2003.

12.          Felia – uma prostituta que ensinou uma gerao inteira, 8 pginas, Xilo Luiz Natividade, com acrstico, abril de 2003.

13.          Dona Can[21], referencial de Me e de Sabedoria, 12 pginas, acrstico. Capa, foto de D. Can, setembro de 2003.

14.          Aprende a escrever na areia, desenho sem identificao, 8 pginas, acrstico, com informao aos leitores, no verso da capa, que a histria foi inspirada na obra de Malba Tahan. Na capa: D cordel de presente[22], dezembro 2003.

15.          Palmares, a fora da raa negra, xilo s/i, 20 pginas, acrstico fora do padro.

16.          Pginas, acrstico, fevereiro de 2004.

17.          Louvao do poeta Fundao Cultural do Estado da Bahia, abril de 2004.

18.          Igrejas da Bahia, um estado de esprito, desenho s/identificao, (Espao Cultural Incio da Catingueira), 28 pginas, acrstico, dezembro de 2004.

19.          O encontro de Antnio Vieira com Antnio Aleixo, junho de 2005, com 26 pginas e um acrstico. Na capa, desenho dos dois poetas: por Natividade (A. Vieira) e Tossn (A. Aleixo). Contm um texto de Joaquim Magalhes, datado de fevereiro de 1975 – Actualidade Viva de um poeta Morto.

20.          Assis Valente, o santamarense que queria ver Tio Sam tocar pandeiro, 8 pginas, acrstico, s/d.

21.         

Fonte: Foto da autora.

Fonte: Foto da autora.

A Peleja da cincia com a sabedoria popular, xilo de Gabriel Arcanjo e Luiz Natividade, contra-capa, Hino Nacional de CDA (uma quadra), 65 p. Acrstico. 3 edio, junho de 2013.

Figura 16 – Espao Cultural Incio da Catingueira, criado por Antnio Vieira e sediado em sua prpria casa


Figura 15 ‒ Capas de folhetos de Antnio Vieira

 

 

Os dois Antnios: Aleixo e Vieira

Antnio Aleixo e Antnio Vieira viveram em espaos e tempos distintos. Enquanto o Antnio Aleixo viveu um momento em que no se assistia, se vivia, poca em que uma corrente magntica ligava todas aquelas almas, tornando-as solidrias na comunho emotiva (TORGA, 1960, p. 68), Antnio Vieira viveu e transitou em outros espaos e outra poca, exatamente entre as quatro ltimas dcadas do sculo XX e a primeira dcada do sculo XXI (1962-2010).

Antnio Aleixo ficou dividido entre alguns espaos: o de sua origem em Vila Real (centro piscatrio), o de Loul (agrrio artesanal) e onde se deu seu real assentamento a partir da infncia, vida instvel e por pouco tempo em Frana, passagem importante por Coimbra. Nos anos 1930-1940, o poeta conviveu em muitos encontros com reconhecidos algarvios, que se pronunciavam quanto ao inconformismo da poltica, eram anticlericais e com assentados princpios ticos.

O conjunto da obra de Antnio Aleixo mostra um grau elevado de insatisfao com o mundo. A melancolia e a stira compuseram a maior parte de sua obra e isto um consenso entre os pesquisadores.

Antnio Vieira tambm ficou dividido entre alguns espaos: o de sua origem como filho mais velho do dono de um pequeno armazm na cidade de Santo Amaro da Purificao (quando criana, escrevia versinhos no papel de embrulho das mercadorias), depois a circulao por vrios estados do Brasil, a servio de uma instituio federal (INCRA), at se firmar em Salvador, capital da Bahia. Mas, quis atravessar o Atlntico para sentir os ares da terra por onde transitou o poeta portugus Antnio Aleixo.

O conjunto da no extensa obra de Antnio Vieira mostra uma conscincia de seu fazer artstico como uma forma de conscientizar seu povo e fazer isto tambm de maneira divertida, em busca por reiventar alegrias. A stira de sua poesia convergia para uma stira jocosa, em que o riso se unia reflexo, pois no visava o cmico. Assim, de maneira camalenica, apontava sua ironia tranada de sutilezas para tratar da realidade social da poca.

Por sua presena, impressa de forma indelvel na memria dos poetas, dos cantadores, dos estudiosos da cultura popular, dos intelectuais e do prprio povo portugus, como figura de proa, agitador, referncia, Antnio Aleixo, artista de destacada produo, um expert na arte da performance, transformou-se em lder e numa espcie de modelo.

Antnio Vieira ainda muito pouco estudado e, portanto, no tem uma fortuna crtica, mnima que seja, sobretudo no Brasil, um pas que mantm, no to aparentemente mas com um delicado desdm, uma separao entre os poetas eruditos e populares. Muito me chama a ateno, em Portugal, uma aura mtica em torno do Aleixo, o que acho instigante e bastante pertinente.

Ah! Seduo (se-ducere: afastamento, desvio do caminho, encanto, atrao, fascnio), jogo e desafio, lance de dados, ritual sem vencedor nem vencido, presena do trompe loeil, espao onde se assentam as marcas da iluso. Mas o momento da seduo no s ilusrio, tem um qu de mgico, de encanto. A seduo, rito articulado no imaginrio, encena uma espcie de fantasia do real.

A prpria reverncia de parte do poeta Antnio Vieira diante da obra de Aleixo foi o eixo central para este estudo. Seduzido pela obra potica de Aleixo, Vieira (2005, p. 5-6) buscou identificar-se, de certa maneira, com o poeta portugus.

 

Por termos muito em comum

Desde as razes da terra

Porquanto seu sangue bom

As minhas veias preserva

No ano 49

Eu cheguei aqui no orbe

Voc foi pra vida eterna.

 

As nossas vidas coincidem

Nascemos no mesmo ms

Voc no dia dezoito

Dezenove foi minha vez

Voc veio c, primeiro

E o ms de fevereiro

Nos recebeu bem corts.

 

E a partir de agora

Eu passo a versejar

Baseado em sua obra

As cantigas de atirar

Vou repetir uma linha

Com a qual eu fao a minha

Quadra que vai se casar.

E, assim, em pleno perodo de uma pandemia, covid-19, meu deslocamento para pesquisas, aqui no Brasil, se deu movida pelo imaginrio. Em companhia desses dois poetas, busco perambular pelas ruas de Loul ou da Bahia, insistindo na captao dos sentidos, do olfato ou da audio de momentos no vividos. Por intermdio desses poetas, recomponho mapas e, imaginariamente, percorro ruas, becos, mercados e feiras populares para, em seguida, desenh-los na minha escrita. Assim, esses poetas procederam, observadores infatigveis da vida scio-poltica de sua polis.

Escrito por um poeta de acentuado esprito crtico, o folheto hbrido[23] – septilhas e peleja em quadras – com a verso do encontro fictcio entre o Antnio portugus e o Antnio brasileiro, uma viagem pela imaginao. Com sua palavra cheia e cantante, Antnio Vieira se insere, agora, no rol dos criadores de viagens fantsticas.

A narrativa de viagem real de Antnio Vieira expe a experimentao ao vivo das mais variadas manifestaes artsticas de nossos antepassados portugueses: poesia, msica, drama. Na volta, sob a ao da memria e da imaginao, selecionou os fatos experenciados e os metamorfoseou em viagens fictcias.

 

Figura 17 ‒ Capa de folheto


Fonte: Acervo da autora.

 

 

guisa de concluso ou pensando em concluir

Se, por um lado, utopia pode parecer um discurso ilusrio, por outro, se apresenta como um possvel entendimento do real, capaz de transformar o ilusrio numa funo construtiva do discurso potico. Desse modo, as decepes, os fracassos, as enganaes convergem para a criao de novos mundos. Seriam esses novos mundos um refgio e um testemunho da inadequao realidade vivida? Da o chamamento para a utopia nesse mundo j considerado distpico e agora mais acentuada fica essa distopia por conta de um novo normal ou mundo ps-pandmico.

As reflexes em torno das obras desses dois poetas apontam uma temtica abrangente que traz reflexes sobre cultura, memria, tradio e inveno, traos que convivem conosco neste nosso mundo de hoje, marcado pela instabilidade e pela imprevisibilidade, pela movncia e pelo dilogo.

Neste incio de milnio, em que a humanidade em crise (econmica, poltica, ideolgica, religiosa, tica, afetiva) aferra-se a incertos valores e duvidosas certezas, na busca do paraso perdido do passado, ou de instaurar o paraso possvel do futuro, creio que talvez valha a pena enveredar pela memria e pela resistncia, sob o foco da cultura.

Nas entrelinhas desse texto, ecos e sons coreografam a dana saborosa do(s) saber(es), que, como Barthes vislumbrou, no tm qualquer tipo de fim, concluso, alvo ou porto.

Este texto toca, aqui, pois, em assuntos candentes para se pensar a relao da globalizao e a diversidade cultural e faz um convite: olhar para o mundo e a vida, no como espaos de certeza, de preciso, de hierarquias traadas, mas antes de tudo como espaos moventes, prismticos, onde o que interessa a iluminao, ao contrrio de luzes ofuscantes que impedem o olhar. O ouvinte no vai se guiar por certezas absolutas, mas por curiosas indagaes que se mostram no espao de reflexes sobre temas importantes.

Tendo por base dois poetas populares inseridos no par memria/movncia, este texto organizou-se, intencionalmente, no (des)compasso de sequncias. Ao fim e ao cabo, pretendi com essa (des)organizao erguer uma espcie de babel cultural, na qual textos desses poetas tenham voz, em que nos seja permitido ouvir as falas em sua multiplicidade, e enxergar cintilncias de significados.

Cultura expresso, expresso que revela sentidos potenciais e infinitamente multiplicados. Assim, a possibilidade de as culturas se aproximarem, se tocarem, dialogarem e at mesmo se completarem, mantendo suas individualidades como signos que produzem interpretantes com modos semelhantes de expresso, ainda que por meios diferentes, ou suportes, para falar contemporaneamente.

As culturas no so excludentes, e, muito pelo contrrio, desembocam num ponto de confluncia. E nesse ponto, com base nas estratgias sensveis (SODR, 2016), o lugar singularssimo dos afetos atravessa e ilumina meu ncleo de investigao que envolve a ideia de voz como espao de fronteiras entre culturas, como um tecido de tramas entre memria, histria, encenao (corpo), trao, olho e letra – diferentes vozes que permeiam o que chamamos de potica das culturas orais – e que, inscritas no presente, formam teias de contato com aquelas vozes marcadas na histria.

Falo de textos que, resguardados pela impresso tipogrfica, trazem marcas acentuadas da voz, textos hibridizados entre silncio, voz, gesto, imagem, mas percebidos tambm como performance do corpo, onde se d a plenivalncia da voz viva, dos fenmenos que remetem vocalizao, visualizao e gestualidade. O que se pretendeu aqui foi priorizar a voz potica enquanto corpo e imagem. Na escuta de uma voz, na mirada de uma imagem, o leitor/receptor reencontra uma sensibilidade anestesiada, adormecida. O leitor/receptor, agora despertado, passa a ser uma espcie de coautor. E o despertar, enfim, de novos olhares, bem como o rompimento de um modelo esttico e convencional de nossas percepes, constituem-se em pontos fulcrais de reflexo sobre o potico como um locus de resistncia e transgresso.

A poesia no foi feita para ser lida to somente em silncio. Exige ser pronunciada, proferida em voz alta, j que a palavra original voz, som. E a voz a semente inaugural de toda comunicao.

Apesar de escrita na maioria das verses e destinada, pois, a ser lida, a poesia traz em sua origem, e at mesmo no corpo de sua escritura, a vibrao da voz. O que a caracteriza, antes de tudo, seu acento oral (mais acentuado, gritante, mais sutil), seus aspectos performticos (em maior ou menor grau), ou at mesmo uma voz sem corpo (na ausncia do poeta ou diseur), apenas eco ou som de um fantasma, que invade nossos ouvidos.

Essas narrativas em versos metrificados so, sem dvida, baseadas em modelos que so recriados com base na circulao de elementos textuais viajantes, nmades, que se combinam aqui e ali, fazendo surgir histrias sempre prontas a se refazer na infinitude das leituras possveis. Num complexo processo da boca ao ouvido e do ouvido boca, ocorre o afastamento gradativo da matriz original. E a modificao da matriz original de um texto assentado na tradio tem, a meu ver, um aspecto transgressor, que seduz pela novidade, oriunda da imaginao, essa forma de audcia humana, como acentuou Bachelard.

A voz do poeta popular inquieta, se adentra em variados mundos, transmite verdades e sonhos. Essa voz em mutao se reelabora constantemente, tecendo e retecendo os retalhos da tradio em formas novas e fisionomias particulares.

Ambos os poetas, aqui redesenhados, expem o real, transfiguram-no imaginariamente, com o intuito de inscrever, no espao da pgina em branco ou no palco da oralidade, o traado cambiante de suas mltiplas viagens pelas veredas da poesia.

Enfim, h Antnio Aleixo e h Antnio Vieira que deixam marcas em suas obras, cicatrizes que apontam para a complexidade de suas foras interiores, convergentes todas para um ncleo de fogo e ar, onde crepitam as chamas da paixo e da liberdade. Liberdade na Paixo. Paixo pela Liberdade. Paixo e Liberdade – palavras de ordem desses dois poetas.

 

 

Referncias

 

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SODR, Muniz. As Estratgias Sensveis – afeto, mdia e poltica. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.

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ZUMTHOR, Paul. Introduo Poesia Oral. Traduo Jerusa Pires Ferreira e Maria Lcia Pochat. Belo Horizonte/So Paulo: Editora da UFMG/Humanitas, 2010.

 

[Recebido: 22 set 2020]



[1] Edilene Matos ensasta, professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia. Ocupa a cadeira nmero 13 da Academia de Letras da Bahia.

[2] Antnio Aleixo foi agraciado com o Grau de Oficial da Ordem de Benemerncia, em 27 de maio de 1944.

[3] Antnio Vieira (Antnio Jos dos Santos Vieira), poeta, nasceu em fevereiro de 1949 e morreu em junho de 2007.

[4] Cordel Remoado um conceito criado por Antnio Vieira e consiste na palavra dita e/ou escrita ao modo dos folhetos de cordel, que se faz acompanhar pelo movimento do corpo ao som de instrumentos musicais: violo, pandeiro e percusso.

[5] Refiro-me esttua em bronze do poeta Antnio Aleixo, sentado mesa na Esplanada do Caf Calcinha, em Loul, de autoria de Lagoa Henriques. H, ainda em Loul, uma outra esttua de Aleixo, na Quinta do Lago, de autoria do mesmo Lagoa Henriques e igual do Caf Calcinha.

[6] Antnio Fernando dos Santos – Tssan (1918-1991), grande amigo de Antnio Aleixo, foi um expressivo artista e poeta portugus.

[7] H, no sul de Portugal, um antigo costume de grupos de crianas que vo de porta em porta, durante as festas natalinas, cantar as janeiras, quadras que se vo repetindo, alterando-se apenas o nome do dono da casa, que ento homenageado em troca de algum dinheiro ou prenda natalina.

[8] Na concepo de Antnio de Oliveira Salazar, o popular tem uma matriz rural, com a qual se identifica, explicao dada em seus discursos polticos. Cf. MELO, Daniel. O essencial sobre a cultura popular no Estado Novo. Coimbra: Angelus Novus, 2010.

[9] Este sujeito capaz/de fazer mil promessas/mas faz tudo s avessas/das promessas que faz. O primeiro verso dessa quadra era O Salazar capaz e foi substitudo por Magalhes para proteger o amigo poeta. Cf. DUARTE, Antnio de Sousa. Antnio Aleixo, o poeta do povo. Lisboa: ncora, 1999, p. 79.

[10] Acrescida obra de improviso de Aleixo, a parte do teatro muito interessante. So trs autos: 1. O Auto do Curandeiro, no qual expe sua viso a favor do saber mdico e faz crticas explorao dos curandeiros. 2. O Auto da Vida e da Morte. Nesse auto, o autor cria personagens como o da vida til e o da vida ftil e traz novamente a viso da cincia a servio da vida. 3. Ti Joaquim. Auto inconcluso, escrito em coautoria com Tssan, anuncia uma sociedade que no tolera formas de subverso.

[11] 7 edio do livro Este Livro que vos deixo, publicao de V. Martins Aleixo, 1983, localizada em Obras Gerais IV – 348.3.33

[12] Antnio Aleixo: o poeta do povo por Antnio de Sousa Duarte. Lisboa: ncora, 1999. PQ 9261 – A484 Z67 1999; ALEIXO, Antnio. Inditos (seleo, prefcio, notas, fixao de textos e ttulos por Ezequiel Ferreira. Loul, 1978. NLCS 81/0610.

[13] ALEIXO, Antnio. Inditos. Loul. V. Aleixo, 1978. FRBNF 35232149; Este livro que vos deixo (3. ed.). Lisboa, 1975 (contm um indito do autor – O Auto de Ti Joaquim). FRBNF 35408496.

[14] E-mail: fundacao.aleixo@gmail.com.

[15] Zeca Afonso – Jos Manuel Cerqueira Afonso (1929/1987), compositor, cantor, poeta, autor de vrias canes, incluindo Grndola, Vila Morena (Cantigas do Maio, 1971), que virou senha pelo Movimento que instaurou a democracia, em Portugal no dia 25 de abril de 1975.

[16] O espetculo uma cocriao e interpretao de Armando Correia, Carolina Cantinho e Pedro Pinto.

[17] Acrstico de Antnio Vieira e constante de todos os seus folhetos a que tive acesso.

[18] Em 2007, foi defendida uma dissertao de Mestrado em torno da obra de Antnio Vieira, sob o ttulo O Cordel Remoado: os casos e prosas do poeta cordelista Antnio Vieira, de autoria de Maria Luiza Franca Sampaio, no Curso de Ps-graduao em Cultura, Memria e Desenvolvimento Regional do Departamento de Cincias Humanas, Campus V, da UNEB (Universidade do Estado da Bahia).

[19] Essa poesia foi declamada por Maria Bethnia no espetculo dentro do mar tem rio. E foi gravada posteriormente no DVD Piratas.

[20] Os folhetos eram tambm denominados por Antnio Vieira de livretos. Esses folhetos/livretos foram adquiridos por mim nas mos de sua viva (Coracy Vieira).

[21] Dona Can: me dos artistas Caetano Veloso e Maria Bethnia.

[22] Essa publicao foi no ms de dezembro e o poeta habilmente chamou a ateno para a tradio de dar presentes no Natal, publicizando seu folheto.

[23] O Encontro de Antnio Vieira com Antnio Aleixo, folheto de autoria de Antnio Vieira, 2005. Este folheto se encontra na Biblioteca do Congresso Americano, AFC 1970/002: M08302.