BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
6
APRESENTAÇÃO
A presente edição da Revista Boitatá: Idade Média: oralidade e performance, reúne
trabalhos que abordam de maneira interativa os elementos textuais, musicais e corporais da
literatura deste período e ainda buscam explorar a comunicabilidade destas composições com
expressões artísticas contemporâneas. Ao analisar o repertório literário deste período é
importante compreender que independente do sentido das palavras que nos chegaram, estes
são textos que, na sua época, eram indissociáveis de uma arte corporal, do contacto direto e
presencial da voz com o ouvinte
1
. O que resta dessas vozes ao pesquisador, entretanto, além
de um número muito escasso de partituras musicais, não são exatamente as vozes, mas
palavras que essas vozes algum dia terão cantado. Essa limitação de ordem prática acaba por
comprometer abordagens que articulem de maneira interativa os elementos textuais, musicais
e corporais das composições medievais.
A comunicabilidade que as composições medievais mantêm com as expressões
artísticas contemporâneas pode ser identificada por meio da sobrevivência/recuperação de
topus, melodias, sagas, e pela tessitura performática, pois é um texto que se concretiza na
intersecção de diferentes linguagens artísticas expressas em texto, música e gesto. Trata-se,
portanto, de uma arte que revela não apenas um determinado momento histórico, mas expõe
uma dinâmica capaz de sensibilizar o leitor/ouvinte de todos os tempos.
Nesse sentido, o primeiro artigo da sessão temática “Da tradição medieval à
representação (performance) contemporânea: Floripes e Ferrabrás. Um trabalho épico” do
Prof. Dr. Antoni Rossell, da Universidade Autônoma de Barcelona, contribui enormemente
para compreender a expansão de um tema medieval até a contemporaneidade. Em seu estudo,
Rossell aborda a complexa tradição literária por trás da difusão no século XXI, da lenda
medieval de Floripes e Ferrabrás. Um repertório que segue vivo em manifestações culturais e
folclóricas contemporâneas de diferentes países na América Latina, Europa, Ásia e África,
nos quais se observa a fusão de espetáculo, música, teatro, performance oral.
Na sequência, em El Corpus Christi en el ritual eucarìstico y en las Cantigas de
Santa Maria”, a Profª. Drª. Maria Incoronata Colantuono, da Universidade Autônoma de
Barcelona, aborda a percepção do Corpus Christi no ritual eucarístico e nas Cantigas de Santa
Maria, do rei Alfonso X o Sábio, e como seus elementos revelam a presença de mecanismos
1
(LOPES, 2006 p.1) / Caracterizada como a cultura da voz e do gesto por Paul Zumthor (1987) e Jean-Claude Schmitt
(1990)
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
7
compositivos performativos que atuam sobre os afectus dos ouvintes. Por meio da análise de
quatro Cantigas de Santa Maria a pesquisadora destaca como as estratégias poéticas e
musicais - paralelismos, convergências melódicas, métricas e rimáticas -, são utilizadas de
maneira intencional criando uma rede de correspondências extremamente eficaz do ponto de
vista mnemônico, e de seu potencial performativo.
Em “Performance poética e musical na Cantiga de Santa Maria 20: letra e música” a
Profª. Drª. Gladis Massini Cagliari analisa as estruturas métricas e melódicas da composição
alfonsina, investigando as contribuições da notação musical para compreensão do texto. A
partir do estudo das estruturas métricas e melódicas ela levanta hipóteses das possíveis
utilizações estilísticas, com elementos como: silabação, processos fonológicos (elisão), padrão
acentual, rimas e acomodação dos versos à melodia, com o objetivo de fazer ressoar aos dias
de hoje o som da cantiga medieval.
O artigo do Prof. Dr. Ronald da Costa “ O cantar de Roldão” busca estabelecer uma
reflexão acerca da tradição literária iniciada com a Chanson de Roland já no final do século
XI, em sua forma prototípica, originada de uma tradição oral que cantava a dinastia
carolíngia, em contraste com a evolução e a transcendência que essa tradição encontra na
América Latina e no Brasil. Nesse sentido, apresenta primeiro a origem dessa tradição; em
seguida, as configurações dela no Brasil; e conclui com a apresentação da proposta de
tradução como uma síntese entre o arquétipo e o típico nacional, por abertura e
conservadorismo.
Finalizando a sessão temática a Drª. Adriana Camprubi Vinals analisa, em seu estudo
Variabilidad métrico-melódico en los versus del manuscrito paris BNF. LAT. 1139”, como
este manuscrito, datado do século XI oferece um magnífico campo de estudo para a análise
das formas métricas desenvolvidas no território da aquitânia durante os séculos XI e XII.
Substituindo o conceito de irregularidade por variabilidade, Adriana aborda os processos
compositivos utilizados conscientemente na elaboração deste manuscrito que deixam entrever
a criação de padrões fixos que definirão a futura lírica medieval.
Na seção livre apresentamos cinco artigos, sendo o primeiro deles: “Las meigas
gallegas - Haberlas Haylas: a ressignificação da imagem da bruxa na galiza”, uma coautoria
da Profª. Drª. Maria Paz Pizarro Portilla e da Drª Yls Rabelo Câmara que retrata a imagem da
bruxa na cultura galega, sua concepção e sua transformação no último século e meio. A meiga
galega, é uma figura folclórica feminina que, em suas origens esteve ligada ao mal a bruxaria,
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
8
mas com o tempo sua representação foi neutralizada passando a representar a proteção
daqueles que acreditam em seus poderes e a bondade.
O estudo “A observação de práticas de performance no ensino de literatura em Timor-Leste:
uma experiência de trabalho no programa Capes/Pqlpde Daniel Batista Lima Borges, apresenta as
metodologias usadas no ensino de literatura no país lusófono asiático, valorizando o vínculo que
promovem entre oralidade e escrita. Analisando com especial atenção às performances de literatura
oral dos alunos timorenses procura-se demonstrar como a expressividade do corpo, da voz e
da narração são utilizadas para individuar e produzir novas identidades neste contexto.
No artigo “As proezas de Jiló: ecos da malandragem em Roque Santeiro” Ivanaldo
Santos e Edilene Leite Alvez analisam, dentro do gênero da telenovela, a representação
arquetípica do malandro por meio do personagem “Jiló” da novela Roque Santeiro, exibida
pela Rede Globo em 1985, e como essa figura foi absorvida pelas dias tornando-se
expressiva nas telas.
Em seguida, os autores Marcio Pacheco, Francisco da Silva e Edilene Alves no artigo
“Ethos discursivo da figura do Frei Damião na literatura de cordel”, investigam como a
representação do personagem do Frei Damião reforça a identificação do gênero literário do
cordel com as características profundas que constituem o povo brasileiro.
Finalizando a seção livre Maria Viana Schtine Pereira em seu artigo “O papel quase
sacerdotal dos contadores de estória, em Uma estória de amor, de João Guimarães Rosa”,
procura demonstrar como o autor dá voz ao contador de histórias e buscará estabelecer
relações entre anotações e imagens encontradas nos diários de viagens do escritor, buscando
destacar a presença do boi e sua simbologia.
Janaína Marques