PRINCPIOS DE UM SISTEMA EDITORIAL

 

PRINCIPES D'UN SYSTME DITORIAL

 

Maurlio Antonio Dias de Sousa[24]

 

Resumo: Este trabalho objetiva mostrar a dinmica da publicao do folheto[25], entre os anos vinte e setenta, tendo como objetivos: a) refletir sobre as relaes humanas de produo que ocorriam no entorno da casa editorial entre o poeta-editor e os demais sujeitos envolvidos nesse processo de produo, e b) observar os aspectos referentes aos Elementos Instauradores e Ordenao Funcional. Neste contexto a discusso terica que apresentamos tomou por base os estudos e pesquisas desenvolvidos por Sousa (2009, 2016) os quais nos conduziu percepo da complexidade das relaes de produo no interior do universo da chamada Literatura de Cordel.

Palavras-chave: Produo. Poeta. Editor. Casa Editorial.

 

 

Rsum: Nous mettons en relief dans ce travail la dynamique de la publication du cordel, entre les annes Vingt et Soiaxante-dix, ayant pour objectifs: a) de reflechir sur les raports humains que avaient lieu dans les maison dՎditions entre le pote-editeur et dautres personnes participant dans les processus de production du cordel; et b) dobeserver des aspects concernant les lments Instaurateurs et Ordre Fonctionnel. Dans ce contexte, la discussion thorique prsente tait base sur les tudes et recherches dveloppes par Sousa (2009, 2016) lesquelles nous ont conduit comprendre la complexit des rapports de production de ce quon apele Literatura de Cordel.

Mots-cls: Production. Pote. diteur. Maison dՎdition.

 

 

Introduo

 

A dinmica do processo de produo potica, que surgiu com os poetas-editores, difere de todos os tipos tradicionais de enunciao da poesia popular nordestina, manifestando-se de maneira envolvente, ampla, complexa, estruturante e sistmica, sem precedentes: neste sentido, revolucionria. Trata-se de uma prtica editorial que, longe de ser uma mera imitao do formato hegemnico, concretiza um modelo prprio que vai realizar a inscrio e permanncia, no mercado de folhetos, de um modo de publicao e circulao nunca visto antes. Para que esse sistema pudesse vir luz e se estruturar como tal, fez-se necessria a conjugao de diversos fatores que aqui apresentamos em dois grandes grupos: os Elementos Instauradores e a Ordem Funcional.

 

 

 

 

 

Elementos Instauradores

 

Priorizamos aqum o esforo em descrever o poeta na funo de editor, apresentando o seu trabalho como desenvolvimento funcional de sua condio: proprietrio de uma casa editorial de folhetos. bem certo que o estabelecimento da condio de poeta-editor sempre representou um marco na carreira do poeta popular. Se comparada com o nmero dos que no galgavam privilegiada posio, tem-se a um caso de ascenso profissional, tanto da expresso da capacidade aquisitiva como do potencial representativo por parte do poeta-editor no interior desse universo cultural. Se para alguns poetas a carreira de empreendedor editorial fora, de fato, um caminho de sucesso, essa experincia nem sempre significou garantia de xito profissional, pois para outros que se enveredaram por esse caminho a experincia foi de malogro. H ento um interdito no trnsito entre a posio de poeta e a de poeta-editor e isso no sugere uma pacfica acomodao, ao contrrio aponta para uma adequao exigente.

O desenvolvimento das atividades editorias consagradas ao folheto caracteriza-se, desde sua origem, pela exigncia de um capital mnimo, que normalmente advinha da venda de folhetos nas feiras das cidades extensivas, para que o novo empreendedor viesse adquirir o maquinrio bsico e dar incio s diversas atividades relacionadas publicao. Alm da posse do referido capital inicial, havia que se considerar um outro fator que compunha a gnese do nascimento do editor: o aprendizado da tcnica tipogrfica editorial. O poeta, ento editor, era um nefito no manuseio dos instrumentos grficos e na aplicao da tecnologia de editorao o que exigia inicialmente um mnimo conhecimento sobre os procedimentos de impresso. preciso que se observe as dificuldades e os esforos iniciais do poeta-editor que, oriundo da oralidade, com seu modo prprio de propagao[26], se punha, agora, diante da realidade da criao potica mediada pelo suporte impresso: eis um desafio e uma necessidade de adequao diante de uma nova ordem de expresso potica[27].

Porm esses elementos preliminares no do conta, por si s, de explicar a posio do poeta-editor no mundo da publicao e circulao do folheto. A legitimidade da funo do editor caracterizava a demanda, no perodo histrico, de sua estabilidade, para alm das publicaes. Essa demanda certamente permitiu ao editor decidir regras, orientar o alinhamento das publicaes e quais os recursos que melhor a elas se adaptavam. As condies culturais prprias do tempo, a vida do campo, as feiras das cidades, as rotas da oralidade potica, tantas narrativas que entrecruzaram poeticamente e tantos autores que se conheceram no fundaram um modo de difuso potica apenas pela necessidade da participao num mercado editorial, nem tampouco s pela comunicao potica do que representaram: constituram, deveras, um conjunto prprio de aes especfico a um determinado momento cultural e histrico no qual se desenvolveu o processo de publicao que ganhou viabilidade mediante os Fatores Estruturais, o Regime Estruturante e as Prticas Constituintes.

Havia um ordenamento nos acontecimentos e no exerccio das diversas atividades dos poetas-editores-impressores as quais j dispunham, naquela conjuntura, de condies histricas favorveis que, aliadas aos fatores constituintes e aos procedimentos estruturantes, compuseram os momentos fundadores da editorao de folheto. Tal ordenamento era desencadeado mediante formas diretas ou indiretas que legitimaram a hierarquia dos proprietrios das casas editoriais, dando-lhes (s vezes mais, s vezes menos) visibilidade no campo da editorao. A possibilidade de se estabelecer como editor estava diretamente relacionada potencialidade resultante da combinao dos fatores estruturais que interferiam no desempenho produtivo na carreira desses poetas na nova atribuio de editores-impressores. Os Fatores Processuais, Fatores Substantivos e Fatores Logsticos estabeleceram uma srie de eixos de interferncias na publicao do folheto, uma espcie de influncia cisalhante sobre a produo, semelhantes na direo, mas distintos na intensidade; podendo eles influenciar na posio do editor no interior desse sistema produtivo e na dinmica do mercado editorial

 

                               Figura 01 – Quadro dos Fatores Estruturais

  

                        Fonte: Sousa (2016).

 

Alm da compreenso da interferncia desses fatores estruturais, que serviram como uma espcie de padres de funcionamento para o desempenho da atividade do editor, preciso tambm que se entenda o modo como eles atuavam no lado, digamos, interno das atividades produtivas que compunham o Regime Estruturante.

A prensa e os tipos de ferro tornaram-se, de modo especial no incio do sculo XX, os meios imprescindveis pelos quais poderiam ser impressas as narrativas poticas que se encontravam vivas e dispersas no imaginrio dos poetas populares nordestinos. A certeza da fixao dos versos em seu suporte impresso atraiu sobremaneira os poetas populares que desejavam ver os seus poemas circulando atravs de um novo modo de expresso: tangvel, comercializvel, impresso, circulante e manent. preciso, pois, que essa faculdade seja entendida na perspectiva em que prticas e legitimidades conservavam uma fora estruturante. A possibilidade do xito na carreira do editor, alm dos fatores estruturais, estava relacionada, a um regime estruturante que nasce no de uma veleidade, mas de uma exigncia real, do exterior, do profissional e que se constituram em trs conjuntos: Procedimento Produtivo, Procedimento Competentivo e Procedimento Identificador.

Para se obter uma melhor clareza das aes do poeta-editor, presentes no primeiro procedimento, importante a compreenso de que o surgimento das tipografias inegavelmente ampliou as formas de publicao, mas que, por outro lado, passou a exigir do poeta-editor, alm da posse de recursos necessrios para a aquisio dos recursos grficos e do domnio das prticas editoriais ao funcionamento, a capacidade de se articular bem nesse mercado, objetivando projetar cada vez mais o seu produto comercial, tornando-o presente em toda a malha de distribuio do folhetos nas agncias espalhadas por todo o norte-nordeste.

No segundo procedimento, observamos o movimento do poeta-editor no esforo de estabelecer-se no mercado editorial, esforo que ao exigir dele competncia tambm delineava o seu perfil, podendo atribuir-lhe uma posio de destaque. Enquanto as vendas dos folhetos se realizavam nos sales, nas feiras e nas diversas agncias espalhadas pelo Brasil, havia um esforo por parte dos proprietrios das casas editoriais no sentido de um melhor posicionamento e de uma competncia para permanecer em destaque nesse mercado editorial. Foram tomadas de posies que gradativamente hierarquizaram a disposio dos editores nesse espao artstico e comercial.

importante notar que, nesse perodo em que o sistema editorial do folheto vai se estabelecendo, o espao de possibilidades no era amplamente aberto a uma multiplicidade participativa dos indivduos, tal como o fora no perodo pr-editorial, em que havia possibilidades mais ou menos iguais e em que o acesso era, de certo modo, praticamente livre, no sentido de que, por exemplo, entre os cantadores e os poetas de bancada o ingresso e a permanncia profissional no se caracterizava por uma demandas de competncia estruturante to objetivas e pontuais como essas que acabaram por surgir entre os poetas-editores.

Aps a instituio do referido sistema, o exerccio profissional do poeta, enquanto editor, se reveste de uma exigibilidade no cogitada no mundo da oralidade, mas que agora se impe como decisiva entre os sujeitos dessa nova ordem produtiva, isto , passa a ocorrer entre os poetas-editores uma busca pela redefinio dos limites de competncia e de qualidade de produo. Competncia que se desloca da esfera esttica-literria para a esfera das estruturas e dos procedimentos prticos pelos quais o poeta viria a se tornar (ou no) um empreendedor capaz de atender s demandas de um mercado editorial em ascenso. Na condio de sujeito editorial, o poeta, conforme o prprio perfil de atuao, conquista seu lugar na proporo da sua competncia que se manifesta no interior desse universo em que a complexidade do dinamismo editorial vai se configurando como um sistema capaz, produtivo e atraente.

Nesse espao, manifestam-se mais claramente as relaes entre os editores que se hierarquizam segundo uma distribuio gradual no ranking editorial. Trata-se de um quadro de colocaes que no deve ser entendido como resultado de um nico coeficiente, ao contrrio isso o efeito de um conjunto de fatores que possibilitou visualizar a disposio relacional entre os editores. Assim eles so representados por suas posies segundo o volume total de suas participaes nesse mercado editorial, o que, por sua vez, decorre diretamente das foras dos fatores estruturais e do modo como o editor reage s demandas o que pode ser avaliado a partir da eficcia dos procedimentos estruturantes. Embora no se trate aqui de critrios to rigorosos, eles permitem a percepo mais pertinente para que se possa entender o lugar ocupado por determinado editor entre os seus pares na hierarquia que os ordena.

um mercado atravessado por tenses objetivas que configuram as posies dos protagonistas editoriais, servindo assim como indicador das habilidades nas relaes de influncias e de produo. Essa configurao revela o prestgio da casa editorial que se reflete na dinmica particular das relaes de produo e venda. Nesse territrio, define-se o sentido das estratgias contidas no processo produtivo, ou seja, nele so dadas as condies que tornam lgicas as aes que visam defender e melhorar a produo do editor. Isso equivale a dizer que antes mesmo que o folheto se torne objeto de circulao literria e/ou comercial um universo de relaes, tenses, articulaes e tomadas de posies entre os editores caracterizam o processo produtivo e o definem com suas marcas prprias e, justamente, em decorrncia disso, o folheto surge como um suporte indicador da eficincia editorial. Pelas caractersticas estruturais desse sistema, pode-se afirmar que o grau de maestria entre os editores foi algo percebido em determinados momentos de tenso nesse espao e que pode ser entendido como componente de sua gnese.

Esboa-se assim um novo rosto do poeta popular que ao tornar-se editor vai lidar com a realidade da qualificao de um produto material. Logo, est na base dessa dinmica de publicao a tenso original das relaes de destreza pela qual o poeta-editor passa a perceber uma demanda que extrapola a qualidade literria: a competncia produtiva. Nova realidade que nasce com o surgimento do suporte impresso, elemento causal desse novo rosto do poeta – o rosto do editor competente, rosto que se espelha no produto de seu produto: o folheto. a dinmica do prprio sistema editorial – edio impresso distribuio comercializao – que levou o editor a interpretar as significaes prticas da produo como uma atividade competente que precisa ser dotada de uma competncia para alm do aspecto esttico; conduzindo, desse modo, o editor a captar a perspectiva de exigncia na medida em que s ele pode capt-la; na especificidade do exerccio do seu prprio trabalho: na sua funo de editor.

No decorrer da dcada de 1920, a editorao do folheto comea a construir as suas bases mais consistentes. Nesse perodo, traos internos e externos delineiam a face desse sistema. So transformaes estruturais que dizem respeito no s ao formato editorial do folheto (fatores internos) como ao seu modo de produo e comercializao (fatores externos). V-se, por a, a existncia de condies materiais e culturais favorveis impulsionadoras da carreira profissional do editor no sentido de que ela viesse atingir gradativamente um grau de profissionalizao at ento nunca visto, uma vez que, antes desse perodo, o prprio autor se encarregava, por exemplo, das responsabilidades individuais de viabilizar a impresso e a venda dos seus prprios folhetos, realidade que se modifica gradativamente com o estabelecimento das casas editoriais e da rede de agentes distribuidores. Pode-se afirmar, portanto, que o folheto, no final da referida dcada, j reunia as condies estruturais e o grau suficiente de profissionalizao para dar sustentao a um universo literrio configurado por um sistema de produo autnomo embasado em editores, autores, ilustradores, estrutura de publicao, rede de difuso e mercado prprios.

O terceiro procedimento j nos permite entender a hierarquia na qual se distribui os diversos sujeitos implicados nesse espao potico popular. Dois modos de legitimao se definiam: o da oralidade, das funes de cantador e o do impresso, das funes do poeta de bancada, do poeta-editor, etc. O reconhecimento do cantador, como exerccio profissional, inicia-se na aceitao popular e legitima-se, entre seus pares consagrados, no emparceiramento ditico em momentos de cantoria. No se trata mais de uma simples parceria para mais um momento de apresentao, de espetculo e de legitimao do sujeito; nele se exercita a observao criteriosa, se analisa performances, perfis so avaliados, se faz distines, se definem qualidades, se apontam nveis, se explicitam categorias, edifica-se um cnon, constitui-se, assim, um procedimento identificador. Tal procedimento uma tradio entre os cantadores e cada um reconhece os seus processos de canonizao na arte, perante seus companheiros e/ou mestres e tambm legitimadores. O uso que os poetas fazem dos nomes dos mestres/autoridades que os precederam e que so consideradas por eles elementos representativos da poesia popular um reconhecimento que tambm busca de legitimidade e construo de prestgio.

Diferentemente do aspecto performtico do processo de legitimao na oralidade, para o poeta de bancada, tudo se inicia a partir da publicao do primeiro folheto, segue-se depois na avaliao mediante a sua recepo no mercado, seguindo pelos indicadores de novas tiragens e reedies ttulos e, por fim, na opinio dos seus pares e do pblico consumidor que, em ltima instncia, consagra o autor e consolida as obras clssicas. Primeiro, o poeta escreve e publica os seus folhetos. E essa nova posio se fortalecer se vier coroada de reedies. Para o poeta de bancada, a escrita do folheto correspondia aproximadamente ao seu rito de passagem, pela publicao que o poeta inicia o seu processo de canonizao no universo da poesia escrita. Evidentemente que no se pode pensar na existncia de uma classificao rgida nesse processo se o nosso paradigma for estranho ao prprio processo, todavia se percebe com clareza e objetividade as posies hierarquicamente ocupadas.

 

 

 

 

 

 

Esse procedimento nos mostra os sujeitos compondo duas esferas, de posio e de disposio, em uma dinmica de ao e correlao contnuas e mutveis. A esfera da posio se caracteriza por ser designativa, ao nomear as funes dos sujeitos, tais como a do cantador, do poeta de bancada, do poeta-editor, do ilustrador, etc.; intersubjetiva, no modo das relaes por ser entre os sujeitos da mesma esfera: Autor Editor Ilustrador; adjetival, ao delinear aspectos qualitativos, poeta-maior, poeta-menor, editor-maior, editor-menor, etc. e, em decorrncia disso vertical, pois estabelece uma hierarquia.

 

                                                       Figura 02 – Esfera da Posio

                            

                                                      Fonte: Arquivo pessoal (2020).

 

Na esfera da disposio, as relaes se caracterizam por serem extra subjetivas entre sujeitos de esferas distintas: Autor 1 Autor 2, Editor 1 Editor 2, Ilustrador 1 Ilustrador 2; mensurativa, por levar em considerao a quantidade das produes, a exemplo do nmero de tiragens, as reedies, as aquisies de ttulos, etc.; horizontal, pois o aspecto produtivo no se vincula necessariamente ao aspecto adjetival.

                                                                 

                                         Figura 03 – Esfera da Disposio

                             

                                           Fonte: Arquivo pessoal (2020).

 

A esfera da posio possibilita a clareza da diferenciao das funes que se tornam afetadas no pela simples distino de si mesmas, mas em decorrncia do atributo adjetival que posiciona o sujeito no interior da sua esfera o que vai influenciar nas relaes, posto que quanto mais favorvel for a sua posio melhor ser a relao de competncia diante dos seus pares. O destaque do sujeito no interior da esfera de posio, isto , o reconhecimento de uma condio qualitativamente mais positiva no s define o seu destaque entre os pares como lhe favorece profissionalmente, possibilitando-lhe mais visibilidade. Em consequncia disso, ocorrem, nessa esfera, embates entre os pares que esto ligados a diversos conflitos, tais como, conflitos de competncia, conflitos de legitimidade do exerccio da funo, etc., o que prprio das relaes de ajuste de posio nessa esfera. As posies geram os seus prprios pretextos que legitimam os conflitos de competncia na dinmica das posies.

Por outro lado, a esfera da disposio porta tenses em estado de exigncias objetivas, de conflitos de competncia decorrentes da condio do sujeito na esfera da posio. Tendo a competncia como fim ltimo a distino. Entre os editores, por exemplo, sinal de distino, entre outros fatores, a aquisio de novas mquinas de impresso, o aumento das tiragens, o aperfeioamento da qualidade editorial das publicaes, ou ainda, o aumento do nmero de funcionrios. Esses ganhos representam para o editor, alm da prosperidade material, destaque e legitimidade entre seus pares.

Nesse sentido, as tiragens, o potencial grfico, o nmero de bons ttulos e o fluxo de autores em evidncia, circulando na casa editorial, expressam o potencial econmico, o raio de ao e de interferncia do editor entre os demais sujeitos vinculados ao mecanismo de publicao e circulao do folheto. Portanto se estabelece a uma postura fundamental de mercado que a de influncia e, consequentemente, de produtividade que se expressa no prestgio da casa editorial e que se reflete numa postura orientada a dinamizar o seu locus produtivo, o que remete necessidade de requisitos que propiciem ao editor melhores condies de competncia no mercado.

, portanto, na esfera da disposio que se engendram tenses de ordem quantitativa, voltados produo, a exemplo de conflitos de legalidade de autoria, conflitos de direito de publicao, formatos editoriais, formalidades e legalidades contratuais, etc., conforme atestam os tipos de Declarao, a exemplo da Declarao Imediata, Declarao Mediata-Representada, Declarao Mediata-Intermediada e Declarao Mediata-Adquirida.[28] Nessa esfera se estabelece uma dinmica de relaes na qual o poeta-editor desempenha um papel decisivo.

 

                                      Figura 04 – Grfico da funo poeta-editor

                                    

                           Fonte: Sousa (2009).

 

Trata-se aqui, portanto, de uma circunstncia de definio nesse espao cultural, um momento em que se busca a categorizao do modo como o sujeito participa, entre seus pares, de um processo de identificao. um procedimento categorial como forma de classificao e representao do sujeito que passa a exercer uma liderana legitimada.

Todavia no se pode perder de vista que a classe dos poetas-editores de folhetos se constituiu numa categoria social e culturalmente distinta dos demais empreendedores do ramo grfico, antes de tudo por ser essencialmente formada por produtores culturais, isto , por produzirem cultura literria. O poeta-editor produz a cultura na medida em que torna publica uma esttica literria e, ao mesmo tempo, edifica a legitimidade de sua funo que no se reduz ao trabalho de publicao, mas que tambm no pode ser compreendida sem ele. A atividade do poeta-editor uma fundamentalmente uma dinmica relacional entre ele e o autor, seguida de um complexo de relaes tambm com os demais sujeitos partcipes do processo produtivo no qual o poeta-editor intermedia, orienta, regula, comunica, enfim, gesta a relao de produo do folheto que se engendra nas relaes humanas de produo entre os diversos sujeitos envolvidos nesse processo. Esse mecanismo de produo e circulao o que compe a fora do Regime Estruturante.

Nas Prticas Constituintes, deparamo-nos com aes do poeta-editor que contriburam para reforar a sua prpria funo. A legitimidade da funo do editor caracterizava a demanda, no perodo histrico de sua estabilidade, para alm das publicaes dos folhetos. Essa demanda certamente permitiu ao editor decidir regras, o alinhamento das suas publicaes e os recursos que melhor a elas se adaptariam. As condies culturais prprias do tempo, a vida do campo, as feiras das cidades, as rotas da oralidade potica, tantas narrativas que entrecruzaram poeticamente e tantos autores que se conheceram e se ignoraram em uma dinmica global que no dominavam – cujo todo no perceberam e cuja amplitude lhes escapava; todos esses sujeitos e articulaes no fundaram apenas um modo de difuso potica, produziram, sim, uma ruptura no exerccio tradicional, estabelecendo um marco entre o tradicional e o novo no universo da produo potica popular, compondo, desse modo, o conjunto das intermediaes do poeta-editor, isto , as Prticas Constituintes.

 

 

A Ordenao Funcional

 

preciso ento que se entenda agora que o Sistema de Publicao do Folheto apresenta uma dupla-face. Numa delas esto os Elementos Instauradores que so os Fatores Estruturais, o Regime Estruturante e as Prticas Constituintes, acima apresentados, e, na outra face a Ordenao Funcional composta da Comunicao Aplicada, da Mediao Produtiva e da Solidariedade Vinculante.

A casa editorial especializada na publicao e/ou comercializao do folheto, deve ser, antes de tudo, concebida como uma ambitude da circulao do potico, do cultural e do trabalho de publicao que articulava no seu interior os mecanismos de reproduo material e simblica do folheto; envolvendo, assim, aspectos editoriais, comerciais, literrios, culturais. Nesse sentido, era uma realidade caracterizada por uma realidade complementar portadora de expectativas apoiadas em duas esferas que se complementam: a) o lugar da produo e b) lugar da cultura popular. O primeiro o lugar das propriedades que constituem o cenrio das relaes de produo e o segundo, o lugar da cultura popular, o lugar do pblico consumidor do folheto, bojo inspiracional donde as tradies culturais entrelaadas de vozes e de textos emanam para o lugar do poeta e dele para o lugar da produo; integraes horizontais entre o lugar da produo e o lugar da cultura; abrindo-se, desse modo, dutos culturalmente comunicantes entre o interior da casa editorial e esse mundo do povo; linhas de circulao entre o mundo da casa e o mundo l fora; conjugaes entre a tipografia que imprime versos, dando conta de estetizar o mundo do homem, e o mundo do povo das feiras, dos mercados populares e das praas, exatamente o lugar onde o literrio popular tem, ao mesmo tempo, seu ponto de partida e de chegada de modo mais efervescente, real e humano.

 

                                     Figura 05 – L.P: Lugar de Produo

                                                       C.A: Comunicao Aplicada

                                                       L.C: Lugar da Cultura Popular

 

                                  

                   Fonte: Arquivo pessoal (2020).

 

O espao editorial deve ser entendido como um componente indispensvel dinmica produtiva do folheto; uma esfera de dilogos, acordos e interaes; um solo situado segundo uma topografia mvel entre a casa editorial e o mundo da cultura popular, real, vivido l fora; um tecido onde se encontram dois caminhos complementares e voltados a um mesmo fim que diz respeito ao interesse comum das partes envolvidas; um territrio de publicao onde se oportuniza de uma maneira ou outra, a chance de se projetar autores e obras populares; o lugar da possibilidade de produo comercial que no se permite ocupar inteiramente por uma mentalidade mercantilista; um campo onde se partilha um sentimento de pertencimento comum; a condio essencial de consenso que facultar a experincia de um tipo particular de relao humana num contexto de produo: a Interao Consensual.

a Interao Consensual uma capacidade prtica que os sujeitos poticos e/ou produtivos tm de se relacionarem inter e entre grupos, visando racionalmente objetivos que podem ser interpretados a partir dos procedimentos por eles mesmos adotados. Entendendo-se que o papel exercido por essa racionalidade se torna eficaz na medida em que no se identifica com uma unilateralidade produtiva, voltada apenas aos meios de obteno de fins imediatos, mas, ao contrrio, tambm tem como finalidade integrar os sujeitos produtivos entre si e com o prprio trabalho o que significa tambm um maior dispndio de esforos no sentido de uma busca cooperativa de consensos. Ento as relaes de interao atuam como um princpio ativo, condutor e renovador do mecanismo de participao e comunicao, uma vez que a dinmica das demandas produtivas sempre revela o carter provisrio dos referidos mecanismos. nessa dinmica que se d o processo circular entre o lugar da cultura popular e o lugar da produo como evento de reproduo simblica perpassada pela Comunicao Aplicada.

As relaes de interao se apoiam na poderosa mediao da Comunicao Aplicada que se inscreve de maneira sutil em todas as prticas e processos da produo, tornando-se assim responsvel pela construo de decises segundo as demandas circunstanciais; pelo dilogo capaz de coordenar entendimentos racionais e produtivos entre as partes envolvidas nesse processo. Torna-se, ento, a Comunicao Aplicada um veculo para a partilha dos conhecimentos estticos e editoriais e para a troca de argumentos que, livre das amarras e dos constrangimentos de uma relao humana de produo demasiada vertical, permite um enriquecimento de pontos de vista e um alargamento de perspectivas que delineia o espao da publicao como um campo de possibilidades dialgicas produtivas, posto que se torna um espao frtil para a construo da opinio e da vontade dos sujeitos envolvidos no processo produtivo, onde eles sejam capazes de assumir suas posies diante do que considera razovel inserido na realidade de um contexto de discusso dialgica e de produo de sentido de modo partilhado.

Desempenhando, assim, a Comunicao Aplicada um papel importante na busca de entendimento nas relaes intersubjetivas ao conquistar, por entre a multiplicidade e por entre determinadas imprecises da linguagem cotidiana, o consenso prtico necessrio, e isto sem deixar de lidar com a realidade do dissenso, comum natureza das relaes de interao num contexto de produo onde os envolvidos so sujeitos participantes e livres, o que no elide a obteno de consensos, ao contrrio, os que agem comunicativamente nesse espao o fazem com esse fim.

O mundo das relaes humanas de produo do folheto no se alimentava apenas das relaes de Interao Consensual, decorrentes dos consensos alcanados sob os pressupostos da Comunicao Aplicada, mas tambm da conciliao entre as demandas internas da casa editorial e as do mercado consumidor, as quais influenciavam decisivamente no modo como o poeta-editor iria atuar. E, uma vez que essas demandas exigiam um ajuste para um melhor funcionamento interno da casa, a funo de mediao surgia, ento, como ponto de equilbrio entre essas variveis. No caracterizava a mediao na interao a rigidez e as formas premeditadas, ao contrrio disso, operava na flexibilizao e na real possibilidade de mudana no exerccio da mediao, sem diminuir-lhe a eficcia; modificando-se no s no plano da ao entre o poeta-editor e cada autor em particular, como tambm entre ele e os demais sujeitos partcipes, da resulta a Mediao Produtiva.

O sujeito condutor das relaes de mediao, no caso o poeta-editor, denominado mediador, posto que ele o protagonista do dilogo entre as partes – editor ↔ autor / editor ↔ ilustrador / editor ↔ distribuidor – mediante a resoluo de demandas voltadas ordem da publicao, isto , direitos de publicao e regras do mercado, buscando encontrar uma soluo para as questes de modo que satisfaa os interesses de ambas as partes. Sua influncia resulta de sua autoridade que garantida pelos prprios envolvidos, e da confiana que lhe atribuda e da habilidade que ele tem para intervir nesse tipo especfico de negociao.

Esse tipo de mediao se inscreve na histria da editorao do folheto cordel, a partir das primeiras geraes de poetas-editores[29], contribuindo para que esse sistema de publicao se tornasse cada vez mais criativo e autnomo[30]. E surge como resultado do trabalho constante de negociao entre os sujeitos diretamente envolvidos no processo de publicao, embasado na autonomia dos participantes, visando, sobretudo atender s necessidades produtivas que exigem sempre serem repensadas em suas possveis solues o que per se supe um pensar na ao de mediao cujos ingredientes se estende a todo o desenrolar progressivo do agir mediador.

Opera, assim, numa dinmica do pensar e do agir mediativo que quer ser um elo entre os aspectos literrios, editoriais e de mercado os quais podem variar no seu grau de viabilidade, mas que precisam ser conciliados tendo em vista o seu fim ltimo. a Mediao Produtiva um meio de construo de possveis solues, um instrumento privilegiado para a cocriao de significados, entre interlocutores, viabilizada concretamente pela Comunicao Aplicada, visando atingir solues produtivas no sistema de publicao e, justamente por isso, deve ser sempre um meio de resoluo de conflitos e demandas no qual o mediador necessariamente deve ser um sujeito que desfrute de uma certa ascendncia sobre os demais, sendo isso substancialmente decorrente da posio que ocupa diante das partes.

pela mediao que deve passar a eficincia comunicativa capaz de reunir satisfatoriamente pouco a pouco as aspiraes das partes envolvidas; passagem que, observando atentamente as multiplicidades de demandas, precisa criar condies capazes de conjugar elementos oriundos de uma ordem interior de produo s necessidades reais de um mercado; articulao que, ao mesmo tempo, precisa corresponder a uma ordem exterior que se impe e a uma ordem interior que deve gerar meios para uma participao interativa.

No desempenho da Mediao Produtiva, a Interao Consensual um princpio condutor porque espcie de energia para o processo e, assim sendo, o em dois sentidos: confluncia e irradiao.

 

Figura 06 – Grfico da Interao na Mediao

                                      

                          Fonte: Arquivo pessoal (2020).

 

No primeiro sentido, a Interao Consensual confluncia na Mediao Produtiva por ser sinal de unidade para as partes envolvidas, uma vez que, por ela so perpassadas, no segundo sentido ela irradiao para as mesmas partes dos diversos campos produtivos em decorrncia da sua perspectiva aplicvel que age como concretizao e aperfeioamento das demandas portadas por ambas as partes em questo. A Interao Consensual converge para o interior da Mediao Produtiva o acordo e impulsiona para fora a deciso tomada em forma de produo e expanso consensual e pragmtica.

O trabalho do mediador no se reduz resoluo de conflitos, frequentemente ele age, pautado em sua experincia, de forma preventiva sugerindo procedimentos que evitem ocasion-los, sendo assim, para determinadas circunstncias, ele se empenha mais na regulao de relaes que na soluo de conflitos. E por ser um processo aberto se nutre constantemente do aperfeioamento apoiado na tica da Comunicao Aplicada, na autonomia e na responsabilidade dos participantes, bem como na autoridade do poeta-editor a qual foi reconhecida pelos mediados num contexto de relaes de Interao Consensual cuja legitimidade foi constituda em situaes inerente ao espao de produo.

Nesse espao, os indivduos tm seu cotidiano imerso numa realidade de relaes humanas de produo, as quais se desenvolvem por meio do dilogo direto e presencial e, justamente, por isso a casa editorial se torna um ambiente apto para o desenvolvimento de uma forma de comunicao que busca o entendimento voltado a um objetivo pragmtico. Isso contribui para que as relaes humanas sejam marcadas pelo espontanesmo e favorea a presena de uma solidariedade vinculada, vivenciada nesses espao pelos vrios profissionais e artistas que, segundo as suas prprias funes, estabeleciam uma determinada natureza de contato com o poeta-editor[31] e que s pode ser entendida a partir de uma intersubjetividade, na qual os sujeitos mediados pela Comunicao Aplicada se entendem sobre os procedimentos produtivos que compe esse universo de publicao.

 


Consideraes finais

 

O sistema de publicao do folheto se erigiu como uma fora de resistncia, diante do sistema literrio hegemnico que se autonomeou de culto e fez-se distinto do popular. Assim sendo, o primeiro estabeleceu-se como um territrio de afirmao, de participao de direitos e de expanso de uma esttica literria. E isto s foi possvel por ter viabilizado, em seu interior, relaes que vincularam reais movimentos de autossustentao,[32] ao ter constitudo seu prprio pblico consumidor, suas linhas e formatos editoriais, sua forma de comercializao do folheto, bem como a malha de representantes comerciais. Enfim, gerou um ordenamento especfico de funcionamento que, alm de demarcar a sua autonomia, propiciou o nascimento do editor popular e legitimou a influncia do poeta-editor no processo de publicao.

A causa dessa legitimidade se entende a partir do esforo por se penetrar nesse espao de sentido relacional que antes de convergncia que de produo. Tentamos aqui descobrir ou desvelar a dinmica dessa razo convergente que no se deixa definir, captar, apreender, seno nas relaes recprocas entre os sujeitos produtivos, o que s se torna possvel ao percebermos que o modo de relaes de interao e os caminhos da mediao esto ligadas pelo contexto produtivo, pela referncia a um mesmo mbito de sentido condensado em bem-sucedida experincia comunicativa e que a contnua relao entre esses aspectos engendram um sujeito de ao autorizada que pressupe um espao e tempo necessrios sua formao. Portanto, todo o conjunto de aes e intermediaes do poeta-editor devem ser entendidas como uma postura de resistncia que explica a autonomia do sistema editorial, posto que inaugura uma nova ordem de produo, capaz de gerar, desenvolver e arquivar seus saberes tcnicos no transcurso da sua prpria histria.

 

Referncias

 

SOUSA, Maurlio Antonio Dias de. A Estrella da Poesia: impresses de uma trajetria. 2009. 292f. Dissertao (Mestrado em Letras). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.

SOUSA, Maurlio Antonio Dias de. O cordel no prelo: trajetrias e impresses. In: MENDES, Simone; (Org.). Cordel nas Gerais: oralidade, mdia e produo de sentido. Fortaleza: Grfica Expresso, 2010a, p. 161-179.

SOUSA, Maurlio Antonio Dias de. A emergncia de um sistema dualista: trnsitos e autonomias. Estudos de Literatura Brasileira Contempornea. Braslia, n. 35, jan./jun. p. 31-39. 2010b.

SOUSA, Maurlio Antonio Dias de. Fundaes e itinerncias da poesia nordestina. Joo Pessoa: Editora Universitria/UFPB, 2012.

SOUSA, Maurlio Antonio Dias de. Tipografias de Cordel: o nascimento do editor. Paulo Afonso: Editora Fonte Viva, 2016.

SOUSA, Maurlio Antonio Dias de. A histria de uma Estrella: a estrela do cordel em Campina Grande. 2 ed. Salvador: Fastdesign, 2018.

 

 

[Recebido: 17 ago 2020]

 



[24] Professor Substituto da UNEB e pesquisador em Literatura de Cordel.

[25] Optamos aqui pelo termo folheto que tambm engloba romance em vez de cordel.

[26] SOUSA, 2012.

[27] SOUSA, 2010a.

[28] SOUSA, 2016.

[29] SOUSA, 2009, p.107-111.

[30] SOUSA, 2010b.

[31] SOUSA, 2018.

[32] SOUSA, 2016.