COLETIVO LUSA MAHIN - SARAU DAS PRETAS: O PROMIC E A PERFORMANCE COMO MOBILIZADOR IDENTITRIO
E FORMATIVO
COLETIVO LUSA
MAHIN - SARAU DAS PRETAS: PROMIC AND PERFORMANCE AS IDENTITY AND FORMATIVE
INSTRUMENT
Amanda
Maria Damasio Teixeira[74]
https://orcid.org/0000-0002-4064-05
Ana
Cristina Pereira da Silva [75]
https://orcid.org/0000-0003-2924-95
Resumo: Utilizando como
foco o projeto londrinense Coletivo Lusa Mahin – Sarau das Pretas,
este artigo pretende expor como o PROMIC (Programa Municipal de Incentivo
Cultura) viabiliza performances em torno da literatura, da formao e de
questes identitrias. Dito isso, utilizaremos como vis de anlise os textos
de Zumthor (2007) e Aguilar e
Palavras-chave: Sarau.
Polticas pblicas. Literatura afro-brasileira.
Abstract: Using
as a focus point the project Coletivo Lusa Mahin - Sarau das Pretas, based
in Londrina, this article aims to show how PROMIC (a municipal cultural
program) enables performances around literature, learning and identity matters.
That said, the following authors were used as analisis bias: Zumthor (2007) and
Cmara (2017) (to comprehend the role of voice and performance) and the
Even-Zohars polysystem
theory (2013), work in which he discusses literary polysystems and its
peripheries. Transcribed interviews with the two cultural producers behind the
project will be presented also. Taking into account Marianos article (2019),
in which one could presuppose an intersection between the Even Zohars
peripheral polysystems and afro-brazilian literature, was possible to conclude
that PROMIC made actions viable (in multiple places and via written text
or oral knowledge), giving more emphasis to black women and afro-brazilian
narratives that were silenced by a racial and peripheral issue, contributing,
finally, to a more balanced canon.
Keywords: Soiree.
Public Policy. Afro-brazilian literature.
Introduo
Atualmente,
os impactos das polticas pblicas de cultura so colocados em discusso, so
questionados. Em Londrina, o
trabalhar
a cultura afro-brasileira nas escolas e demais espaos educativos, abordando a
importncia da compreenso da identidade negra e os desafios que ela enfrenta
na sociedade brasileira a partir de diferentes formas (literatura, teatro,
contao de histrias, palestras, roda de conversa) e tambm marcar a cena
cultural londrinense com um espao dedicado cultura negra ( exaltao das
nossas razes africanas) e ao fortalecimento da nossa comunidade por meio de um
Sarau.
Assim,
fica claro que o Sarau um dos espaos de fortalecimento da cultura negra
local, que tem como atividade principal as performances
que nele acontecem, mas que no se restringe s a isso.
O
sarau tambm um dos espaos de discusso e de abertura para dilogo acerca da identidade afro-brasileira. Dessa
forma, busca-se entender de que forma o PROMIC auxilia na realizao desses
objetivos? De que forma a voz e a performance
contribuem ou no para o fortalecimento de uma identidade londrinense e
para o protagonismo da mulher negra?
Poltica pblica, polissistema e performance: uma questo de carter social
Um dos tericos que utilizaremos neste trabalho Itamar
Even-Zohar. Sua pesquisa em relao ao polissistema literrio, expresso
cunhada pelo autor, discute o cnone literrio e as relaes que o afetam,
dando nfase ao seu carter social. Sua proposta parte do reconhecimento de que
a heterogeneidade da cultura ampla e se forma a partir de movimentaes centrpetas
e centrfugas, em que a periferia e o centro da recepo literria se impactam.
Sobre isso, Even-Zohar (2013, p. 8) declara:
A
ideologia de uma cultura oficial como a nica aceitvel em uma dada sociedade
tem como consequncia uma massiva compulso cultural que afeta a naes
inteiras mediante um sistema educativo centralizado e que torna impossvel,
inclusive a estudiosos da cultura, observar e valorar o papel das tenses
dinmicas que operam no seio da cultura para sua efetiva manuteno. Como um sistema
natural que necessita, por exemplo, de regulamentao trmica, os sistemas
culturais necessitam tambm de um equilbrio regulador para no entrar em
colapso ou desaparecer.
Ento,
de acordo com a configurao expressa por Even-Zohar, possvel pensar em um
repertrio brasileiro (e mltiplo, claro), em que essa centralizao
(intrinsecamente relacionada ao social, ou seja, aos indivduos detentores do
poder) implicaria uma posio menos prestigiosa literatura afro-brasileira
(que se veria ento s custas de uma elite branca, por exemplo) e de outros
nichos perifricos, supondo a existncia de um sistema ou um conjunto de
elementos afro-brasileiro – hiptese defendida no artigo de Mariano
(2019, p. 10):
Dentro
da perspectiva brasileira, do sculo XIX, qualquer projeo de sistema
literrio proveniente das populaes negras - e aqui poderamos pensar em
outros recortes identitrios de minoria - seria devidamente barrada por um
sistema hegemnico de literatura, muito bem estruturado nos rgidos moldes de
raa, classe, gnero etc.
Assim,
a literatura afro-brasileira dependeria de intervenes que se relacionam
intimamente com o que Even-Zohar (2013, p. 6) expe como luta entre vrios
estratos. Estando o polissistema literrio intrnseco ao social, o racismo
tambm o afetaria, minimizando, talvez, seu alcance, visibilidade e recepo
daqueles que se identificam como afro-brasileiros. interessante notar que o
repertrio cannico definido pelas relaes travadas no polissistema,
externas a um conjunto de caractersticas literrias, como discute Even-Zohar
(2013). Embora, como explica o autor, o polissistema pode reorganizar-se sempre
a fim de um equilbrio. Nesse sentido, o financiamento de projetos como o
Coletivo Lusa Mahin – Sarau das Pretas pode auxiliar nessa
movimentao? Quais foram as pessoas beneficiadas durante a realizao do
projeto? De acordo com Poliana Santos[77],
uma das organizadoras do Sarau, este foi o trajeto:
Quando
ns fomos aprovadas no PROMIC, ns tivemos a possibilidade de realizar o nosso
trabalho na zona rural, fizemos oficinas dentro do Eli Vive, o acampamento do
MST, ns cruzamos a cidade de Londrina de Norte a Sul, de Leste a Oeste,
podendo levar o nosso trabalho, com a estrutura de material pedaggico,
material humano, que proporcionado por essas estruturas financeiras, n? Voc
poder contratar oficineiros e oficineiras, comprar material didtico, se
locomover pra isso
Imagem 1 – Performance no
sarau
Fonte: Arquivo do evento (Facebook),
2019.
Deve-se
ressaltar, ento, a utilizao da bolsa para o desenvolvimento de uma pedagogia
e seus materiais, como tambm a contratao de terceiros e o transporte at os
locais selecionados. Ele permite que essa ateno se volte a espaos
desprivilegiados, fazendo com que esses tenham acesso a servios que
dificilmente chegam at eles. Alm disso, h uma mobilizao local em torno de
necessidades culturais que poderiam
afetar as periferias e reas rurais da cidade. Houve tambm uma movimentao de
aproximao entre a Academia e espaos perifricos, quando, obtendo maior
visibilidade e estrutura por ser justamente aprovado pelo PROMIC, o Coletivo
Lusa Mahin – Sarau das Pretas juntou-se a um projeto de extenso de
Escrita Criativa da Universidade Estadual de Londrina. interessante notar que
no mesmo trecho da fala de Poliana Santos vemos formas diferentes de abordagem
em relao ao protagonismo da mulher negra – utilizando espaos
perifricos (terreiros) e privilegiados (academia), como num contexto educativo
informal e formal:
O
Sarau das Pretas, em suma, tem um propsito fundamental em trabalhar a questo
da formao, e essa formao a gente entende como trocas de saberes; dando o
protagonismo da mulher, principalmente, da mulher negra. Ento assim, ns
obtivemos, por exemplo, dentro do trabalho do Sarau das Pretas, um encontro
dentro de uma casa de ax, que o terreiro da me Omin, onde vrias mulheres mais
velhas trouxeram a sua cultura do benzimento, ento a gente fez essa troca com
elas. Elas nos explicaram as questes das benzedeiras, os chs, trazendo essa
historicidade atravs da sua oralidade, ali contando como era quando elas eram
crianas, como se deram essa identidade de se ver como mulheres negras, ento
muito pontual para ns essas vivncias. Ns nos organizamos para levar, por
exemplo, uma oficina de Escrita Criativa, com o pessoal do professor Flvio
Freire da UEL, ao pessoal do Flores do Campo. Ns nos organizamos para, com as
crianas, trazer um material ldico, mas que faa o debate do racismo. Receber
essa devolutiva, sabe, nesse processo educacional, , para ns, o mais
importante. Um espao de formao onde a gente consiga resgatar essa
historicidade pela questo da mulher negra, pelo olhar da mulher negra, e
tambm levar um pouco da academia fazendo essa troca.[78]
A
multiplicidade de eventos realizados pelo Coletivo Lusa Mahin – Sarau
das Pretas permite uma abrangncia maior em relao discusso em torno da
literatura afro-brasileira. Justaposto teoria dos Polissistemas, possvel
perceber que o projeto no se limita apenas ao livro, produto final de todo um
repertrio, como dir Even-Zohar (2013, p. 10), mas s tradies orais e
formao e criao de novos leitores e produtores culturais (escritores):
difcil eliminar imagens respeitadas ao longo do tempo, e parece natural,
portanto, que produzir e consumir textos tenha sido sempre a atividade mais
importante na literatura. Em certos perodos, no obstante, o texto era mais
marginal em relao a outras atividades no sistema literrio, tais como o
escritor ou algum acontecimento total sob a forma de atuaes diversas.
As performances, ento, realizadas em
variados espaos culturais da cidade (Usina Cultural, Cemitrio de Automveis e
Casa da Vila), alm dos outros lugares j citados, demonstram um entendimento
total de literatura por parte das organizadoras do evento, levando em conta
que Even-Zohar compreende que as noes de livro e repertrio so parciais
e no do conta para discutir um polissistema heterogneo. Dessa forma, capaz
de adentrar lugares e alterar, nem que seja por pouco tempo, a hierarquia do
espao, o direcionamento da ateno – conscientizando aqueles que
permitem o racismo estrutural e aquelas que sofrem com este.
Assim,
a partir da visibilidade garantida ao Coletivo Lusa Mahin – Sarau das
Pretas, por meio do financiamento do PROMIC, possvel inferir que o PROMIC
provoca maior oxigenao entre a canonicidade literria local, permitindo
discusses que no abrangem apenas o livro ou a leitura em voz alta, mas a
valorizao de tradies e vozes silenciadas por um sistema intrnseco ao polissistema
literrio – o sistema social.
Como
relatado por Even-Zohar (2013), existem foras centrfugas que podem carregar
ou transferir propriedades de polissistemas perifricos para o centro – e
poderamos afirmar que o sarau estudado uma dessas foras, colocando em
evidncia essa identidade e suas vivncias:
De
modo semelhante, por meio da estrutura polissistmica das literaturas
envolvidas como podemos dar conta dos vrios e intrincados processos de
interferncia. Por exemplo, ao contrrio da crena comum, a interferncia tem
lugar, frequentemente, por meio das periferias (EVEN-ZOHAR, 2013, p. 18).
interessante relatar, ento, a importncia de projetos de polticas pblicas
como o Coletivo Lusa Mahin – Sarau das Pretas que, por meio da literatura
e da voz, impactam o social. Atravs de suas performances, indivduos se conscientizam sobre a posio da mulher
negra na sociedade, como tambm adquirem conhecimentos silenciados justamente
por uma questo racial. O financiamento decorrente de uma bolsa do PROMIC
provoca uma luta mais igualitria, talvez, entre os estratos, permitindo
estruturas perifricas terem mais visibilidade e melhor formao mesmo
distantes dos grandes centros.
Coletivo Lusa Mahin – Sarau das Pretas: a performance como forma de re-existncia
O
Coletivo Lusa Mahin – Sarau das pretas foi criado, conforme j dito,
pelo coletivo Lusa Mahin, em 2015. A
priori, segundo as organizadoras, o coletivo era formado por Poliana
Santos, Fiama Helosa, Thasa Carvalho, Silvia Castro e Rute. A formao atual
conta com Fiama Helosa, Poliana Santos, Ana Paula Barcellos, Mariana Valle e
Jamile Baptista, frente do coletivo.
Visando
arrecadao de recursos para a Marcha das Mulheres Negras, realizada em
Braslia em novembro do mesmo ano, o sarau cujo protagonismo a mulher,
sobretudo a mulher negra, teve continuidade aps o evento. A reflexo sobre a
importncia do protagonismo da mulher negra para o cenrio cultural e artstico
de Londrina impulsionou o grupo a buscar parcerias culturais.
A
partir disso, o sarau surge como forma de fomento s trocas literrias, sendo
visto como um evento, um momento de confraternizao, a princpio, e depois com
o PROMIC agregado tambm, ao sarau, um trabalho de formao, um aspecto
educacional, segundo Poliana Santos.
Na
produo literria contempornea, o singular se faz presente por meio do
coletivo, o que leva criao de grupos, denominados coletivos, que so constitudos pela afetividade e pela identidade
partilhada, caractersticas essenciais para a formao de redes afetivas
(LEON, 2014). Sendo assim, o Coletivo Lusa Mahin vem a ser um agente
importante dentro do sistema literrio corroborando para o estabelecimento de
redes que fortaleam e deem protagonismo cultura negra.
O modus operandi do Coletivo Lusa Mahin
– Sarau das Pretas conta com diversas atividades que visam promover a
cultura afro-brasileira, contemplando as mais diferentes manifestaes
artstico-literrias. No entanto, a voz o cerne de todas as edies do sarau,
por meio da performance que
ressignifica o texto literrio e possibilita as trocas afetivas atravs das
redes formadas por ela.
Imagem 2 – Exposies e instalaes no sarau
Fonte:
Arquivo do evento (Facebook), 2019Na programao, discotecagem com DJ
J
Moreno,
roda de capoeira com o pessoal do Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA),
apresentao musical com Tio Carvalho, Feirinha, gastronomia popular e momento
de contao de histria para as crianas. O Sarau das Pretas se insere ainda
como pr-abertura do Festival Literrio de Londrina – LONDRIX, por isso
permeia a festa com momentos de microfone aberto para as mais diversas
possibilidades de manifestao literria. Nosso encontro ser na Vila Cultural
Cemitrio dos Automveis, a partir das 18h. Esperamos vocs! A entrada
gratuita. Todas as atividades contam com o patrocnio do PROMIC, produo da
P! Artstica e realizao do Coletivo Lusa Mahin.[79]
O PROMIC
possibilitou ao Coletivo Lusa Mahin – Sarau das Pretas maior
visibilidade s performances realizadas
no evento, aumentando sua rede de alcance para as discusses sobre a cultura
afro-brasileira e para divulgao de sua respectiva literatura. A lei de
incentivo, que um dos agentes presentes no polissistema de Even-Zohar (2013),
contribuiu para que a literatura afro-brasileira se movesse dentro desse
sistema sentido ao centro dele.
claro que muito h de se fazer para que a literatura afro-brasileira chegue ao
centro do sistema literrio, pois sabemos que as dificuldades em relao ao
mercado editorial ainda so muitas. No entanto, o PROMIC como apoio para o
sarau, evento cujo cerne a performance,
surgiu como forma de movimentar essa literatura e dar condies de circulao
dos textos literrios para alm do livro impresso.
Fazer
o Sarau sempre foi uma forma de militncia porque acreditamos na importncia de
fazer esse trabalho cultural sobre a cultura negra. Ao longo do percurso,
tivemos muitos apoiadores e colaboradores, mas nunca de forma financeira. O
dinheiro investido para realizar o Sarau, muitas vezes, era colocado do nosso
prprio bolso. Muitas vezes, investimos com o nosso prprio dinheiro, depois
recupervamos o valor com as coisas que fazamos para serem vendidas no evento
(como comidas, bebidas, etc.) e, depois, guardvamos o que sobrava, quando
sobrava depois de pagar todo mundo, como uma poupana do Sarau. Esse valor
era investido novamente na prxima edio e assim amos indo. Mas essa
limitao financeira nos impedia de crescer. Ns tnhamos vontade de ampliar as
aes, mas no tnhamos perna. Ento, vimos no PROMIC essa possibilidade, que
ele fosse o meio de financiarmos nossas aes. Com esse financiamento,
conseguimos ampliar as atividades como j vnhamos planejando. Por isso, nosso
projeto do PROMIC contemplou duas faces: a primeira educacional - em que fomos
em escolas das reas urbana e rural falar com crianas, adolescentes e adultos
sobre a cultura negra, alm tambm de oficinas abertas para a comunidade; e a
segunda, cultural - momento em que realizamos edies do Sarau das Pretas para
mostrar o resultado dos trabalhos desenvolvidos nas oficinas e para fortalecer
a cena cultural negra na cidade.[80]
O ato performtico nico, dotado de corporeidade,
carregado de sensaes e emoes. Uma voz no pode ser vista separada de um
corpo, sempre que existir uma voz vai existir um corpo (ZUMTHOR, 2007). Dessa
forma, voz, corpo e espao se fundem a fim de convocar a performance para mostrar que sua presena transforma as leituras
possveis de uma obra (AGUILAR; CMARA, 2017, p. 13).
Imagem 3 – Apresentaes musicais
Fonte: Arquivo do evento (Facebook), 2019.
O corpo, os gestos, os modos de vestir, as entonaes da
voz, so aspectos que o texto escrito sugere, mas no permite vivenciar.
Atravs da performance, esses aspectos so vistos, sentidos e
apreendidos de forma mais ntima, e assim, os sujeitos se afetam mutuamente
permitindo essa experincia vivenciada.
Na performance a voz emanao do corpo, uma representao
plena, que no apenas uma forma de comunicao que transmite conhecimento,
mas que transforma o conhecimento, e sendo assim transforma de alguma forma o
ser. A voz marca tanto o
As performances que
acontecem nos Coletivo Lusa Mahin – Sarau das Pretas so dotadas de
representatividade e ancestralidade. Como exemplo, temos um encontro que
aconteceu dentro de uma casa de ax, que o terreiro da me Omin:
vrias mulheres mais velhas trouxeram a sua cultura do
benzimento, ento a gente fez essa troca com elas nos explicando as questes
das benzedeiras, os chs, trazendo essa sua historicidade atravs da sua
oralidade, ali contando como era quando elas eram crianas, como se deram essa
identidade de se ver como mulheres negras, ento muito pontual para ns essas
vivncias.[81]
Alm de ser um meio de divulgar a literatura
afro-brasileira, as performances do
sarau tambm trazem a questo da representatividade a partir da histrias
contadas por essas mulheres. E a, a mquina performtica se faz instrumento de
transformao do conhecimento e de re-existncia para o performer e para o espectador. Espectador esse que se reconhece no performer ou que conhece a cultura
afro-brasileira a partir das vivncias e dos saberes transmitidos pelas
mulheres negras atravs da performance.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o sarau uma forma de
resistncia no sentido de re-existir, de fazer re-existir. importante deixar
claro o conceito de resistncia, visto que na atualidade, vrias so as
possibilidades de sentido que se pode atribuir ao termo.
Ora, diante da ideia de que o poder, como relao de
foras, funciona sempre como produtor de afetos, que a resistncia aparece para
Foucault como um terceiro poder da fora. Se as foras se definem segundo o
poder como um afetar e um ser afetado, resistir a capacidade que a fora tem
de entrar em relaes no calculadas pelas estratgias que vigoram no campo
poltico. A capacidade que a vida tem de resistir a um poder que quer geri-la
inseparvel da possibilidade de composio e de mudana que ela pode alcanar.
Resistir , neste aspecto, o oposto de reagir. Quando
reagimos damos a resposta quilo que o poder quer de ns; mas quando resistimos
criamos possibilidades de existncia a partir de composies de foras
inditas. Resistir , neste aspecto, sinnimo de criar. Sendo assim, a
resistncia , para Foucault, uma atividade da fora que se subtrai das
estratgias efetuadas pelas relaes de foras do campo do poder. Esta
atividade permite fora entrar em relao com outras foras oriundas de um
lado de fora do poder [...]. Foras do devir, da mudana, que apontam para o
novo e engendram possibilidades de vida (MACIEL JR.,
Dessa forma, em Foucault que se busca fundamentar essa
afirmao do sarau enquanto resistncia (re-existncia), em especial o
Coletivo Lusa Mahin – Sarau das Pretas que coloca em evidncia a
mulher negra no campo social e atua nesse mesmo sentido o qual Maciel Jr. (
Imagem 4 – Integrantes do Coletivo Lusa Mahin –
Sarau das Pretas
Fonte: Arquivo do evento (Facebook), 2019.
O Coletivo Lusa Mahin –
Sarau das Pretas resistncia, porque resistir nessa perspectiva Ҏ criar,
para alm das estratgias de poder (MACIEL JR.,
Consideraes finais
O Coletivo Lusa Mahin –
Sarau das Pretas contou com o apoio do PROMIC para realizao das edies do
sarau, e esse incentivo foi de grande importncia para a viabilizao do evento
que, de acordo com seu modus operandi,
mobiliza a divulgao de textos literrios de mulheres negras e a insero
deles em diferentes espaos sociais por meio da performance.
A lei de incentivo municipal
cultura foi essencial para que a literatura afro-brasileira londrinense
rompesse as barreiras do mercado editorial, criando possibilidades de divulgao
desses textos para alm do livro impresso.
O PROMIC necessrio, porm ainda
insuficiente e tardio, nem sempre realizando a projeo para alcanar todos os
grupos que poderiam oxigenar a literatura local, distanciando-se de um cnone
que replica um repertrio j conceituado. Sofrendo alguns ajustes, o programa
poderia ser ainda mais impactante nesse sentido.
A performance, enquanto cerne de um sarau, funciona no Coletivo
Lusa Mahin – Sarau das Pretas como uma possibilidade de fortalecer a
cultura afro-brasileira, trazendo em si sua ancestralidade e representatividade
e permitindo a vivncia da cultura negra.
A questo identitria, to cara
literatura contempornea, a essncia desse sarau, que traz nomes to
importantes para homenagear a mulher negra, como Lusa Mahin, Marielle e
Y Mukumby. A performance vem
contribuir para a valorizao da identidade negra no cenrio local e o PROMIC
viabilizou essas aes do Coletivo Lusa Mahin.
Em tempos em que cada vez mais
recursos destinados cultura, arte e literatura so cortados, esse
trabalho se faz relevante para que se chame ateno para a importncia dessas
aes, sobretudo para aqueles que esto margem da sociedade.
Referncias
AGUILAR, Gonzalo, CMARA, Mario. A mquina Performtica: a literatura no
campo experimental. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.
EVEN-ZOHAR, Itamar. Teoria dos Polissistemas. 2013.
Traduo de Luis Fernando Marozo, Carlos Rizzon e Yanna Karlla Cunha.
Disponvel em: >https://seer.ufrgs.br/translatio/issue/viewFile/2211/22< Acesso em: 29 jul. de 2020.
LEONE, Luciana Di. Poesia e escolhas afetivas: edio e
escrita na poesia contempornea. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
MACIEL JR., Auterives. Resistncia e
prtica de si em Foucault. Trivium,
Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 01-08, jun.
MARIANO, Jos Victor Nunes. Da
periferia do hegemnico: o sistema literrio afro-brasileiro. In: Suplemento literrio de Mato Grosso Ndoa
do Brim. Edio 67. 2019. Disponvel em: >https://www.researchgate.net/publication/341104225_Da_periferia_do_hegemonico_-_O_sistema_literario_afro-brasileiro<. Acesso em: 30 jul. 2020.
SILVA, Ana Cristina Pereira da;
FERNANDES, Frederico Augusto Garcia. Sarau e performance: a rede Londrix e
estratgias de insero do texto potico. Revista
Boitat, Londrina, n. 27, jan.- jun. 2019, p. 118-131. Disponvel em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/boitata/article/view/38312/27135. Acesso em: 15 abr.
2020.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepo e leitura. Traduo de Jerusa Pires Ferreira
e Suely Fenerich. So Paulo: Cosac Naify, 2007.
[Recebido: 16 ago 2020
– Aceito: 03 mar 2021]
[74] Mestranda em Estudos Literrios pela Universidade Estadual
de Londrina. Pesquisa a relao entre polticas pblicas municipais e estaduais
e a literatura.
[75] Mestranda
em Estudos Literrios pela Universidade Estadual de Londrina. Pesquisa a
performance e os saraus literrios em Londrina.
[76] SANTOS, Fiama Helosa Silva dos. Entrevista - Sarau das Pretas. Concedida a Ana Cristina Pereira da
Silva e Amanda Maria Damasio Teixeira. Londrina, 13 jul. de 2020. No prelo.
[77] SANTOS, Poliana. Entrevista
2 – Sarau das Pretas. udios transcritos de WhatsApp. Concedida a Ana
Cristina Pereira da Silva e Amanda Maria Damasio Teixeira. Londrina, 28 jul. de
2020. No prelo.
[78] SANTOS, 2020, s/p.
[79] Excerto da pgina do Facebook do
coletivo COLETIVO LUSA MAHIN – SARAU DAS PRETAS. Disponvel
em: https://www.facebook.com/saraudaspretaslondrina. Acesso em: 10 ago. 2020.
[80] SANTOS,
Fiama, 2020, s/p.
[81] SANTOS,
Poliana, 2020, s/p.