BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
177
LAS MEIGAS GALLEGAS “HABERLAS, HAYLAS”:
A RESSIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DA BRUXA NA GALIZA
LAS MEIGAS GALLEGAS “HABERLAS HAYLAS”:
THE REFRAMING OF THE WITCH’S IMAGE IN GALICIA
Yls Rabelo Câmara
1
Maria Paz Pizarro Portilla
2
RESUMO: Esse artigo apresenta a meiga galega, que ao longo dos séculos deixou de ser a
mulher cuja conduta oscilava entre a bondade e a maldade e passou a representar a proteção
dos que em seus poderes creem, sem que com isso perdesse seus contornos originais de
manipuladora de energia segundo os seus interesses. Esse estudo é válido porque trata de um
levantamento bibliográfico que demonstra como a concepção que se tem da bruxa galega tem
se transformado com o transcorrer do tempo e, em especial, no último século e meio. Para
ancorar nossas considerações, nos amparamos em investigadores prestigiosos da área.
Concluímos que o estudo das meigas galegas merece um olhar mais atento da Academia, já que
reflete as mudanças econômico-sociais e histórico-culturais pelas quais os galegos vêm
passando nos últimos cento e cinquenta anos e que reverberam em antigas crenças que resultam
atuais, em um contexto que lhes empresta um novo significado para além do original. Estudar
as meigas da Galiza representa um mergulho nas fontes mais genuínas da cultura galega, que
nos influencia indiretamente, uma vez que o ibérico está conosco há mais de quinhentos anos.
PALAVRAS-CHAVE: Meigas Galegas. Folclore Galego. Superstição na Galiza. Ressignificação.
ABSTRACT: This article presents the Galician meiga, who over the centuries has ceased to
be the woman whose conduct oscillated between goodness and evil and has come to represent
the protection of those who believe in her powers, without losing her original features as a
manipulator of energy according to her interests. This study is valid because it is a bibliographic
survey that demonstrates how the conception of the Galician witch has changed over time and,
especially in the last century and a half. To anchor our considerations, we rely on prestigious
scholars of the area. We conclude that the study of Galician meigas deserves a closer look by
the Academy, as it reflects the economic-social and historical-cultural changes that Galicians
have been going through in the last century and a half and that reverberate in old beliefs that
are current, in a context lends them a new meaning in addition to the original. Studying the
1
Doutora Cum Laude em Tendencias Actuales en los Estudios Ingleses y sus Aplicaciones (2016) pela
Universidad de Santiago de Compostela. Docente de língua inglesa e suas literaturas no Curso de Letras Inglês da
Faculdade de Educação Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC), da Universidade Estadual do Ceará
(UECE).
2
Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense, Brasil (2010). Professor Auxiliar I da
Universidade Estácio de Sá
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
178
Galician meigas represents a dip in the most genuine sources of Galician culture, which
influences us indirectly, since the Iberian has been with us for over five hundred years.
KEYWORDS: Galician Meigas. Galician Folklore. Superstition in Galicia. Reframing.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A meiga galega é uma figura folclórica feminina massivamente entranhada no
inconsciente coletivo ibérico, não apenas espanhol. Trata-se de uma bruxa que, em suas origens,
esteve ligada ao Mal, mas que com o tempo foi sendo repaginada, neutralizada em sua
malignidade e hoje representa uma entidade menos negativa, chegando a ser associada à
simbologia da proteção e da bondade.
Essa transposição de um polo a outro está em sintonia com a própria transformação
pela qual vem passando a bruxa, em sentido macro (durante séculos de cristandade,
transformação essa iniciada na Europa e depois irradiada para as culturas tocadas pelas
conquistas territoriais europeias dos séculos XVI e XVII); em sentido micro, a partir dos
movimentos românticos e nacionalistas do século XIX (JIMÉNEZ-ESQUINAS, 2013).
Originalmente concebida como a mulher sábia, detentora de um conhecimento ancestral
feminino, conforme Câmara (2016), que a permitia ter domínio sobre a arte de manipular
energia, de paliar dores ao promover a cura ou de eliminar o sofrimento por meio da providência
da morte, a bruxa teve seu caminho interceptado pela falsa moral judaico-cristã misógina e
falocêntrica, que com o passar do tempo tornou-se lassa, a ponto de hoje assistir à evolução do
conceito de bruxa e de ver surgir a bruxa neopagã, empoderada - as wiccanas
3
e as praticantes
do Neoxamanismo
4
- e de repô-la ao lugar que às suas ancestrais pertenceu. Nos dias que
3
Significa “bruxas” em inglês antigo e o correspondente feminino é “wicce”. [...] Gardner utilizou o termo para
ambos os gêneros, pois relacionou o nome Wicca ao verbo, também do inglês antigo, “wican”, que quer dizer
“dobrar”. Nesse sentido, os wiccanos, seriam pessoas que saberiam moldar suas vidas com a magia. Com intuito
mais profundo, Gardner também relacionou Wicca ao verbo, também do inglês antigo “witan” (saber). Dessa
forma, a bruxaria, em inglês witchcraft (craft quer dizer arte), seria “ a arte dos sábios”. Muitos wiccanos chamam
sua religião de “A Arte”. (BEZERRA, 2010, p. 267).
4
Neoxamanismo é o nome dado às teologias não ortodoxas que tentam resgatar a sabedoria dos povos ancestrais,
conciliando-a com elementos culturais e filosóficos da modernidade. Numa perspectiva de análise histórica, insere-
se nos movimentos sociais de natureza estética ou religiosa denominados como “revivalismo”, uma ressurgência
de valores espirituais e/ou culturais dentro de uma cultura em transformação ou o retorno à identidade étnica de
grupos de remanescentes indígenas e de quilombos, minorias e formas de organização antes perseguidas
legalmente e/ou discriminadas. [...] As tradições xamânicas m em comum a ideia de que uma profunda
conexão entre os elementos da natureza e do Universo e de que através de práticas meditativas, rituais e utilização
de plantas de poder “enteógeno” é possível adquirir habilidades para a superação dos limites convencionais
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
179
correm, quando uma mulher é chamada de bruxa (apesar do estereótipo cristianizado), a
estamos qualificando como inteligente, poderosa e tocada pela Espiritualidade (imagem que
vem se cristalizando com a difusão de religiões neopagãs, como as supramencionadas).
Assim sendo, o ponto fulcral desse trabalho é a meiga, a bruxa pertencente ao folclore
pretérito e atual da Galiza que, dependendo do recorte temporal e do contexto no qual esteja
mergulhada, pode ser boa ou má.
Para que melhor a apresentemos, dividimos esse artigo em partes entre si
complementares, a saber: em um primeiro momento, expomos a justificativa para essa pesquisa
e, em seguida, detalhamos a metodologia utilizada na coleta dos dados; ato contínuo,
analisamos a presença das meigas no folclore galego. Isso posto, tratamos, na última parte, da
reconfiguração pós-moderna deste ícone da Galiza nos dias passados e atuais.
JUSTIFICATIVA
A bruxa tem atraído nossa atenção e nosso olhar acadêmico desde que cursamos o
mestrado em Filologia Inglesa (Letras Inglês), na Universidade de Santiago de Compostela,
entre os anos de 2007 e 2009. Naquele momento, vivíamos em terras jacobinas, lugar mágico,
especialmente marcado pela cultura céltica, e onde as meigas são vistas com simpatia tanto
pelos galegos e moradores imigrantes da cidade quanto por seus visitantes. Então
investigávamos acerca de Morgana, a bruxa arturiana por excelência, protagonista da obra
neopagã, feminista e homoafetiva de Marion Zimmer Bradley, o best-seller Las nieblas de
Avalon (1982).
Nosso fascínio por essa figura feminina dotada de poder pessoal estendeu-se no
doutorado que se seguiu, também em Filologia Inglesa (Letras Inglês), na mesma universidade.
Dessa vez, delineamos um estudo comparativo-contrastivo entre Morgana (fada-bruxa da Ilha
de Avalon, pagã, morena, feia, poderosa, irmã do Rei Arthur, apaixonada por Lancelot - e por
ele rechaçada) e Ginebra (Rainha de Camelot, cristã, loura, bela, subserviente, esposa do Rei
Arthur, apaixonada por Lancelot - e por ele correspondida), não sem antes aprofundarmos
nossos estudos sobre os celtas, a mulher celta e, em particular, a espiritualidade desse povo
icônico.
impostos pela mente humana racional. Disponível em: https://neoxamanismo.com.br/apresentacao/ (último
acesso: 10-02-2020).
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
180
Aprofundando nossas pesquisas nessa temática, selamos nossos estudos strictu sensu
com um Pós-Doutorado em Educação na Universidade Estadual do Ceará, cuja linha de
investigação em História Oral repousa na biografia de mulheres. Nele nos centramos nas nossas
bruxas pós-modernas, nas rezadeiras, especificamente em algumas das mais emblemáticas da
periferia da cidade de Fortaleza, registrando seu modus faciendi e seu discurso.
Logo em seguida, ao finalizamos nossa segunda graduação, desta vez materializada no
curso de Letras Espanhol, continuamos com nossa linha de pesquisa e com nosso objeto de
estudo desde 2009. Esse artigo é um recorte do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
para a obtenção do título de Licenciada em Letras Espanhol. Como a Galiza, onde vivemos por
tantos anos, é uma terra céltica, tal como a imagem que se tem da bruxa ancestral galega,
motivamo-nos a estudar, nesse trabalho, essas bruxas lendárias e dúbias por natureza, que têm
sido reconfiguradas pela pós-modernidade.
Acreditamos que investigar essas mulheres, sobre elas escrever e a respeito delas
publicar trabalhos tratados pela Academia é uma maneira de contribuirmos para que sua
importância para com o folclore, as lendas, os costumes e as tradições orais da terra que tão
bem nos acolheu seja preservada e continuada, em conjunto com o trabalho de outros
investigadores.
O percurso metodológico que realizamos, coletando informações para a tessitura desse
artigo científico, será pormenorizado a seguir.
METODOLOGIA
Quanto à natureza, essa é uma pesquisa aplicada, de abordagem qualitativa, exploratória
em seus objetivos e que se configura como uma pesquisa bibliográfica.
Assim sendo, durante dois meses, buscamos artigos, monografias, dissertações, teses e
relatórios de pós-doutorado em repositórios de universidades, buscadores e bases de dados a
partir dos mais diversos descritores, tais como: Meigas, Meigas Galegas, Bruxas Galegas,
Meigas da Galiza, Meigas Gallegas, Meigas en Galicia, Brujas Gallegas, Galician Witches
e Witches in Galicia.
Foram encontrados e baixados mais de cento e trinta arquivos em português, inglês e
espanhol; posteriormente lidos e, descartados alguns, os mais importantes foram fichados e
mantidos classificados em uma pasta para nos servirem de referencial teórico quando da escrita
do texto. Uma vez colhidas essas informações iniciais, passamos à etapa da construção textual,
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
181
que nos levou cerca de um mês, concatenando ideias e baseado nossos argumentos no material
reunido na pasta supramencionada e nos teóricos que aportam luz sobre o tema estudado.
Tal como defende Minayo (2010), o método qualitativo revela processos sociais pouco
conhecidos e pertencentes a grupos particulares, objetivando proporcionar a construção e/ou
revisão de novas abordagens, novos conceitos e novas categorias que concernam ao fenômeno
em estudo. Não foi diferente com o que nessa investigação aprofundamos.
Explicado, então, o processo de concepção desse artigo, passemos ao marco teórico, que
analisa as meigas galegas nas tradições locais.
REFERENCIAL TEÓRICO: AS MEIGAS NO FOLCLORE GALEGO
De acordo com Somoza-Sampayo (2011), a Galiza, comunidade autônoma espanhola
entronizada no extremo Noroeste da Península Ibérica, situada em cima de Portugal, tem sido
relacionada, desde tempos imemoriais, à “Terra de Meigas”, vinculada o mais das vezes com o
Outro Mundo, uma vez que sua localização geográfica coincide com o que os romanos antigos
batizaram de Finisterrae - o “Fim do Mundo”.
Alimentando as teorias que ligam a Galiza ao lendário e ao supersticioso, temos os
monumentos megalíticos, os dólmens, os menires e os petróglifos, além dos castros povoados
célticos fortificados e que pertencem ao Mesolítico, que os celtas chegaram ali no século VII
a. C., trazendo consigo o ferro e a Cultura de Hallstatt
5
. Segundo Sánchez-Regueira e Sánchez-
Regueira (1984), os pagãos que ali viveram antes de que os cristãos àquelas terras tivessem
acesso (ou seja: os celtas, os vândalos e os suevos) cultuavam os poderes das pedras, que eles
julgavam possuir propriedades medicinais (Pedra dos Cadrís), divinatórias (Pedra de Abalar)
e fertilizantes (O Berce da Santa). O costume de consultar as pedras estende-se aos dias atuais.
É também muito comum encontrarmos os milladoiros
6
ao longo das rotas que perfazem o
5
A Cultura Hallstatt foi a primeira da Idade do Ferro. As regiões ocidentais desta cultura, entre a França e a
Alemanha Ocidental, também falavam a língua celta. [...] O Período de Hallstatt, deu-se entre 1200 e 450 a. C., no
fim da Idade do Bronze. No entanto, o aparecimento dos celtas mais marcante verificou-se na segunda metade
deste período, começando em cerca de 800 a. C. O nome “Hallstatt” é dado devido às marcas mais importantes
dos celtas mais antigos terem sido encontradas nessa aldeia da Áustria. A área abrangia a Áustria, Alemanha, Suíça
e França. Disponível em: http://caminhocelta.blogspot.com/2009/05/cultura-hallstatt.html?m=1 (último acesso:
10-02-2020).
6
São montes de pedras sobre os quais se entroniza uma cruz. Trata-se de um costume antigo, pré-cristão: as pessoas
passavam por uma encruzilhada e honravam os deuses que as protegiam ao colocarem ali uma pedra, que se juntava
às outras que estavam e às que estavam por ser postas. A cruz, que com os séculos passou a culminar esses
montes emblemáticos de pedras, pertence ao rebatismo cristão dessa tradição pagã. Disponível em:
https://www.celtiberia.net/es/conocimientos/?idp=3622 (último acesso em 10-02-2020).
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
182
Caminho de Santiago ou a romaria a San Andrés de Teixido (em Muxía), assim como os
peregrinos levando pedras nos bolsos, representando, através delas, as pessoas que não puderam
percorrê-los (ALBERRO, 2002).
A mescla ancestral dos povos bárbaros mencionados acima, especialmente dos celtas,
com o elemento autóctone, cristalizou-se no amálgama que encontramos nos galaicos tempos
depois (SÁNCHEZ-REGUEIRA; SÁNCHEZ-REGUEIRA, 1984). Esse povo resultante -
guerreiro e organizado - manteve intensas relações com os povos das Ilhas Britânicas e outros,
intercâmbio esse que não atendeu apenas aos interesses econômicos senão também aos
culturais, que muitas das lendas e costumes célticos são encontrados em todos os locais onde
eles ou seus descendentes viveram.
Outro elemento presente na natureza, que encantava os celtas e que segue encantando
sua progênie galega é o fogo. Os antigos celtas veneravam-no como sagrado e suas festividades,
principalmente Beltane
7
, tinham nas fogueiras o seu ponto culminante. Resquício daqueles
tempos são as cacharelas (fogueiras, em galego) da noite de São João na Galiza. Cada bairro
compostelano, por exemplo, tem a sua - alta e portentosa - assim como em cada um deles se
distribui, à noite (a mais curta do ano e quiçá a mais celebrada), sardinhas, pão, vinho e
refrigerantes. Nessa noite de festa, os gaiteiros estão por todas as partes, com suas gaitas de
foles galegas, e dança-se a muñeira
8
em volta das fogueiras. É costume também saltar sobre
elas, com o intuito de afastar o Mal e atrair o Bem; faz-se isso de mãos dadas com uma
“comadre” ou um “compadre” de fogueira, em números de três vezes, independentemente do
medo que se tenha de se queimar partes do corpo nas tentativas.
De modo semelhante a outras regiões com topografia e clima semelhantes, como a
Bretanha Francesa ou a Irlanda, último reduto dos celtas, o sibilo do vento entre as árvores
próximas, o cantar dos rios que ali abundam, o clima nebuloso e chuvoso colidindo com os ares
atlânticos, assim como os bosques verdes e densos reforçam o ambiente de medo presente na
7
Beltane, llamado también Certamain, celebrado a día de hoy el primero de mayo, era un festival que se
relacionaba con el calor del astro sol y con la fertilidad de los animales, de los campos y del pueblo. En otras
palabras, Beltane era la celebración del buen tiempo, explica García Font (1998: 32), y su llegada era esperada con
expectación. […] Beltane era la fiesta sacerdotal por excelencia, aunque se desconocen los detalles sobre el ritual
que tenía lugar en esta celebración por parte de los druidas y el contenido del festín. La Iglesia de Irlanda,
encabezada por San Patricio, fue especialmente implacable con los ritos de Beltane, quizá porque remitían a la
sexualidad de modo “primitivo”, donde la libertad sexual pagana que se disfrutaba en aquella noche entraba en
conflicto directo con los preceptos más castos de la nueva religión. (CÂMARA, 2016, p. 130,133).
8
Composición musical popular gallega y baile que la acompaña, que se ejecuta con la gaita, el pandero y el
tamboril: Las muñeiras son típicas de Galicia. Disponível em: https://sal_es.academic.ru/23851/mu%C3%B1eira
(último acesso: 10-02-2020).
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
183
superstição, nas lendas e nos mitos galegos e alimentam a imaginação de quem os reproduz
(SÁNCHEZ-REGUEIRA; SÁNCHEZ-REGUEIRA, 1984). Há que se fazer também uma clara
diferença entre o interior da Galiza e o seu litoral. No que se refere a crenças e histórias
lendárias, Nogueira (1992) defende que quanto mais adentremos essa comunidade autônoma,
mais histórias surreais (verossímeis ou não) encontraremos. O litoral, mais acessível ao contato
com outros povos, não tem essa mesma característica.
Ligadas às pedras, ao fogo e aos bosques, temos as meigas. Além delas, o folclore da
região também alberga outros seres fantásticos, muitos deles ligados a elementos da natureza,
como os mouros, os lobisomens, os trasnos, as fadas, as lumias e as almas penadas apenas
para citar alguns. Quanto a essas últimas, existe, à luz de Sánchez-Regueira e Sánchez-Regueira
(1984) e Alberro (2002), a Santa Compaña
9
, resquício das lendas e mitos dos antigos pagãos
que habitaram a Galiza antes dos galaicos, cujo cerne era povoado de histórias ligadas à morte.
Ligando fogo, mortos e meigas, temos o ritual de preparação da queimada, que é uma
bebida típica galega feita com aguardente, açúcar, casca de limão, pedaços de maçã, grãos de
café e raspa de canela. Além desses ingredientes, a bebida concentra em si os quatro elementos
mágicos - água, terra, fogo e ar: água, da aguardente; terra, do barro com o qual é feita a panela
na qual é preparada a bebida; fogo porque a bebida é fervida e ar porque sem ele não haveria
combustão e o nome “queimada” perderia seu sentido. Colocados os ingredientes na grande
panela de barro, segue-se um ritual próprio para validar seu poder curador: prende-se fogo
dentro dessa mistura, fazendo com que o lume, inicialmente azul, torne-se alaranjado pouco a
pouco, enquanto a pessoa que revolve o conteúdo dentro da panela o faz em total escuridão,
mantendo apenas como foco de luz a concha incandescente que sobe e desce do tacho e a bebida
a arder em sua superfície.
Quando o teor etílico está bem diminuído, após vários minutos de fervura e com
alguém sempre a remexer a concha iluminada pelo fogo dentro do grande receptáculo, profere-
se o “conxuro da queimada”; ato contínuo, apaga-se o fogo e serve-se a bebida fervente, que é,
de imediato, tomada após um brinde. Acredita-se que essa bebida medieval, com receita tão
antiga quanto, presente também em outros sítios de origem céltica, tem o poder de afastar a
impotência sexual; as doenças físicas, anímicas e espirituais; o mau de olho, a inveja e claro: a
presença das meigas enquanto seres nocivos. Crê-se que além de uma panaceia, a queimada é
9
Santa Compaña é a procissão de almas penadas que, uma vez que para diante de alguém, indica com isso que
essa pessoa irá morrer. Curiosamente, a mesma lenda existe nos folclores bretão, britânico e irlandês que têm
em comum com a Galiza a influência céltica (ALONSO-ROMERO, 1999).
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
184
também uma bebida afrodisíaca: quem não a tomar logo após escutar o conjuro, poderá perder
a libido ou passar muitos anos sem desfrutar da vida sexual.
Na verdade, que se comentar que bebidas com teor etílico considerável e adoçadas
com açúcar ou mel, servidas quentes e com limão, têm sido utilizadas pelos europeus séculos
para curar muitos males, especialmente os ligados ao trato digestivo e às vias respiratórias, tão
comuns na gélida Europa invernal (SÁNCHEZ-REGUEIRA; SÁNCHEZ REGUEIRA, 1984).
Portanto, a tradição da queimada, ainda que com um matiz divertido e recente, refere-se a um
costume vetusto e que até hoje mantém-se em voga.
Pelo supra exposto, em suma, podemos afirmar que a queimada é uma fórmula mágica
e apotropaica que objetiva o afastamento das meigas e de tudo o que de ruim a elas concerne,
valendo-se de um ritual de manipulação de energia que resulta em uma bebida que deve ser
comungada entre todos os partícipes do ritual que a prepara, logo após a escuta de uma oração
poderosa e que invoca seres não vivos a se fazerem presentes e se mesclarem com os vivos que
ali estão. Imagina-se que as meigas menos afeitas a atos de bondade não se aproximam de quem
está protegido pela queimada, que não à toa tem o fogo (elemento místico céltico) como
catalizador.
Em se tratando de meigas, é comum que, estando em terras galegas, escutemos o refrão
“Eu non creo nas meigas, mais habelas, hainas”. Mas, afinal, por que as meigas são tão
controversas? Blanco-Prado (2007) defende que quatro tipos de mulheres tocadas pela
Espiritualidade: as sábias, as boas mulheres, as bruxas e as meigas. As sábias são as profundas
conhecedoras da farmacopeia de seu entorno, as que curam enfermidades como o mau-olhado
e a espinhela caída, dentre muitas outras, ou seja: seriam como as nossas rezadeiras. As boas
mulheres são as que, ainda que não sejam populares como as primeiras, conhecem um sem fim
de remédios caseiros. As bruxas e as meigas são contrapontos uma da outra: aquelas, boas;
essas, más.
Além dessas categorias, Jiménez-Esquinas (2013) acrescenta outras: sanadoras, santas,
curandeiras, remedieiras, saludadoras e compostoras essas últimas, no contexto rural galego,
conhecem as práticas curativas no âmbito ginecológico e obstetrício, fundamentais na Galiza
de outrora (agrária, pobre e excluída). Já para Echevarría (2009, p, 79-80), essas mulheres
tocadas pelo divino e pelo maldito dividem-se assim: “La sabia, sanadora, se sitúa en el polo
positivo. La meiga, sujeto de la envidia y del mal de ojo, en el negativo”. Percebemos, portanto,
que não há uma unanimidade quando o tema é a definição dessas mulheres, suas aproximações
e afastamentos.
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
185
Essa ambiguidade quanto à meiga galega foi o que nos incitou a pesquisarmos sobre ela.
Infelizmente, ao contrário do que críamos no início, não foi tarefa fácil fazê-lo. Apesar de muito
conhecida e de pertencer ao imaginário popular, vinculada à magia da Galiza, herança dos
longínquos celtas e dos povos bárbaros que lhes sucederam, não encontramos muitos trabalhos
acadêmicos dedicados à sua figura. Quando muito, artigos científicos ou livros, mas não uma
quantidade razoável de dissertações, teses ou relatórios de pós-doutorado, que era o que
almejávamos encontrar a princípio o que, por outro lado, nos estimula a continuar estudando-
as em trabalhos vindouros.
Nesses poucos materiais de que dispomos, alguns nos impressionaram por tratarem da
repaginação que essas mulheres vêm sofrendo ao longo do tempo. Dito de outro modo,
resgatadas na pós-modernidade, as vemos hoje com uma simpatia que antanho não lhes cabia -
“LAS MEIGAS GALLEGAS - HABERLAS, HAYNAS” - uma vez que eram mais temidas
do que louvadas. Sobre essa transformação de sua imagem tratamos a seguir.
ANÁLISE E DISCUSSÃO: A MEIGA GALEGA RECONFIGURADA
É interessante notarmos como os costumes e as crenças mudam horizontalmente em
uma dada comunidade no decorrer do tempo, motivados por razões de diversas ordens - uns
surgem, alguns intensificam-se, outros transformam-se parcial ou inteiramente e os que
esmaecem e desaparecem. No que à meiga galega concerne, muitas foram as reconfigurações
de sua imagem e do significado de sua importância, como afirma Jiménez-Esquinas (2013).
A princípio reconhecidas por sua bondade ou sua maldade natural, a depender do
momento, do contexto e da pessoa com quem lidavam, conforme Jiménez-Esquinas (2013),
mas em especial pela maldade, as meigas estavam vinculadas com o ambiente rural,
montanhoso e misterioso da Galiza, que se distingue de outras regiões peninsulares ibéricas
porque ali se processaram e se condenaram poucas bruxas quando da Inquisição e da Caça às
Bruxas, se comparadas com as mulheres perseguidas em outros sítios (NOGUEIRA, 1992).
Os registros oficiais contabilizam cento e doze casos de magia, bruxaria e feitiçaria entre
os anos de 1566 e 1683: oitenta e duas mulheres e vinte homens, com escassa presença de
menores de trinta anos e vários sujeitos com cinquenta anos ou mais - com bastantes viúvas,
mendigas, solteiras e parteiras, assim como lavradoras (JIMÉNEZ-ESQUINAS, 2013).
Curiosamente, a Santa Inquisição, que se iniciara na Espanha em 1478, chegou à Galiza apenas
em 1574, sendo as Rias Baixas a região galega mais afetada por essa perseguição misógina
(SOMOZA-SAMPAYO, 2011). Como explica Nogueira (1992, p. 18): “[...] a primeira menção
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
186
de que temos notícia desta atividade na Galícia é um processo datado de 1602, onde Constanza
do Pazo foi denunciada por três mulheres que diziam que era ‘bruja’, ‘hechicera’, e que
‘chupaba los niños’.”. À luz de Stachová (2007, p. 21), “[…] los primeros inquisidores en
Galicia fueron el Dr. Quijano del Mercado y el Dr. Carvajal. Perseguían, sobre todo, la brujería
y los cultos que se referían a los elementos naturales.”.
Ainda que tenham sido poucos casos, informações mais apuradas sobre as bruxas
galegas neles enquadrados não chegaram até nós:
Non temos noticias de nomes de mulleres coñecedoras das herbas as súas
propiedades, e da súa aplicación nas enfermidades, pero é ben seguro que as
houbo xa que moitas delas transmitiron o seu saber a súas descendentes e
moitas delas hoxe seguen exercendo esta medicina popular. A dificultade da
Muller para acceder a estudos tal como xa mencionabamos anteriormente e as
persecucións que sufriron as curandeiras por parte da Inquisición e
probablemente unha das causas de que non se atopen escritos que se refiran a
elas
10
. (FERNÁNDEZ-GARCÍA, 2015, p. 102).
Percebe-se, por esse perfil das perseguidas, quão feminicida foi a campanha para
erradicá-las:
Los datos manejados muestran que entre las meigas gallegas abundaban las
mujeres que en su contexto subvertían los mandatos que la estructura social
les tenía destinados. La relación de su exclusión, persecución y muerte por
razones de género, y su segregación, tanto a nivel estructural como en la vida
cotidiana, hacen pensar en una auténtica campaña feminicida (Lagarde y de
los Ríos 2006: 12). Las viudas y las monjas eran las únicas mujeres que podían
salir de su estatus de dependencia respecto a la unidad familiar, se convertían
en cabeza de familia y no debían obediencia a un hombre proveedor
(Fernández Álvarez 2002: 125-127). Las viudas, las solteras y las sanadoras,
que manejaban cierta cuota de conocimiento y poder en su servicio a la
población campesina, se alejaban del modelo social de hembras domésticas y
reproductoras, y eran vistas como peligrosas por la ausencia de la figura
central masculina del padre-marido-sacerdote, protagonista de la vida social y
referencia de neutralidad. Las mujeres, y especialmente las brujas, eran
consideradas la alteridad, «las otras», las opuestas al paradigma de lo humano
y sus virtudes en un sistema androcéntrico (Moncó 2011: 19). (JIMÉNEZ-
ESQUINAS, 2013, p. 60).
Lamentavelmente, essa não foi uma prerrogativa galega: bruxas europeias outras
passaram pelo mesmo crivo falocêntrico excludente e sofreram o mesmo acosso, as mesmas
10
Não temos notícias de nomes de mulheres conhecedoras das propriedades das ervas e de sua aplicação em
doenças, mas é certo que existiram, uma vez que muitas delas transmitiram seu saber a suas descendentes e muitas
delas hoje seguem exercendo essa medicina popular. A dificuldade da mulher para ter acesso a estudos, tal como
mencionamos, e as perseguições que as curandeiras sofreram pela Inquisição são, provavelmente, umas das
causas pelas quais não se encontrem escritos que se refiram a elas (versão nossa do galego para o português).
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
187
vexações e os mesmos castigos - ou piores. Contudo, a lacuna de detalhes acerca das
perseguidas galegas, sobre quem parcas referências fiáveis, muitas delas folclóricas,
instigou-nos a estudar outro aspecto a elas referente e que nos fascina, ligado ao hiato
informativo supra exposto: como sua imagem vem sendo modificada no decorrer do tempo.
Para Jiménez-Esquinas (2013), as meigas que vemos na forma de amuletos e talismãs
nas vitrines das lojas de souvenirs da Galiza ou na forma de estátuas vivas nas ruas dessa
comunidade autônoma (mormente nos lugares públicos e muito visitados por turistas, como as
ruas da zona vella
11
), mantêm suas figuras como as de bruxas que habitam o nosso inconsciente
coletivo (com seus longos vestidos pretos, cabelos compridos e grisalhos, o nariz aquilino e
verrugoso e poucos dentes), cercadas dos elementos que lhe são associados (caldeirão,
vassouras, corvos e gatos pretos, por exemplo). Mesmo assim e apesar desses aspectos
negativos a elas relacionados, são intituladas de “meigas de la suerte” ou “meigas del amor”, -
um paradoxo à primeira vista. Como se deu essa mudança de polos? Como a meiga, mais
do que boa, hoje é associada à fortuna e à proteção?
A explicação é-nos facilitada pela mesma investigadora, Jiménez-Esquinas. Segundo
ela, os movimentos românticos e nacionalistas do século XIX resgataram tradições populares
que foram recontextualizadas naquele momento histórico e reinterpretadas. As raízes célticas
da Galiza foram então evocadas, mostrando um povo que resistiu ao Império Romano e à
cristianização, rebatizando, mas não olvidando antigos costumes, saberes e crenças. Ainda de
acordo com Jiménez-Esquinas (2013), a Revolução Industrial que se operava naqueles idos em
termos mundiais, repercutindo na Espanha e na Galiza, por extensão, ameaçava suplantar as
tradições com as novidades advindas da modernidade e representou um fator que trouxe de
volta ecos do passado saudosista e nostálgico de celtas, suevos, visigodos, vikings e guerreiros
outros, com sua vida simples e centrada na natureza.
As rápidas transformações socioeconômicas e sociais pelas que passou a Galiza entre o
final do século XIX e a primeira metade do século XX acenderam o sentido de preservação
cultural nos galegos (JIMÉNEZ-ESQUINAS, 2013). Era preciso não aderir à mudança
iconoclasta; era preciso conservar e manter a memória e o patrimônio imaterial dos costumes,
das lendas, das tradições e do folclore galegos, ameaçados por uma cultura atraente de
renovação e de repaginação em um mundo em constante câmbio. Figuras como a das meigas
foram mantidas e, pouco a pouco, transformadas, modificando sua configuração original.
Portanto, essas figuras lendárias, outrora bastante mais maléficas do que benéficas, hoje são
11
A parte histórica da cidade. Trata-se do antigo burgo ao redor do qual a cidade se desenvolveu.
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
188
tratadas com mais aceitabilidade e até com certo grau de simpatia - presentes nas artes em todas
as suas facetas: da Literatura à pintura, da fotografia à escultura, da música ao cinema.
Um exemplo dessa repaginação está presente em uma das festas mais esperadas e
vividas com intensidade na Galiza de ontem e de hoje, a noite de São João, quando ocorre a
famosa e disputada Noite Meiga, na localidade de Ribadavia (na Idade Média, a capital do
Reino da Galiza, com o monarca D. García I, no século XI), momento no qual bruxas
confeccionadas com material inflamável são queimadas junto com as cacharelas, espantando
assim o espectro do Mal. O detalhe é que as bruxas em questão, diferentemente de suas
congêneres antepassadas, são belas, jovens e sensuais (muitas vezes), mas em absoluto reina
nessa festa o sentimento negativo de destruí-las de forma “feminicida”; pelo contrário: o clima
é de divertimento e de leveza. O que se busca é queimar e afastar os malefícios e atrair, com
simpatias e afins, os benefícios.
Essa necessidade de afastar o mal e de atrair o bem está presente em outras festividades,
de povos outros, mas com uma ligação céltica entre eles - muitas vezes. Assim é que outra
ilustração interessante da ressignificação do peso da figura da bruxa é a noite galega de
Halloween, o Samaín (em espanhol), que evoca as raízes célticas desse povo dado a preservar
suas tradições, quando as pessoas se fantasiam de bruxas e/ou de meigas para irem aos bailes a
fantasia. Tal comportamento é inclusive esperado, uma vez estando na Galiza. Como bem
resume Novelo (2005):
Esta nueva consideración de las meigas se observa tanto por los turistas y
visitantes, que reclaman una reinterpretación del pasado adaptada a sus gustos,
como por la población y los poderes locales que observan como posible
recurso esta simpática representación, considerándola finalmente algo digno
de ser valorado. (NOVELO, 2005, p. 86).
Tal como o mundo pós-moderno ressignificou antigos conceitos e preconceitos,
a tão perseguida meiga de séculos atrás hoje não é mais tão má, mesmo que ainda não seja
totalmente boa. O entre lugar onde se encontra nesse momento definirá seus próximos passos
rumo ao futuro, próximo ou distante, e seus papéis dentro dele. “Que assim seja!”. Como diz o
provérbio mexicano e que hoje soa como um oráculo, referindo-se às bruxas e que aqui
associamos às meigas galegas: “Quiseram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes.”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
189
Ao finalizarmos esse trabalho, ressaltamos a importância das meigas para o folclore e
para as tradições orais da Galiza, terra ligada ao mágico no inconsciente coletivo ibérico, muito,
quiçá, devido à sua origem céltica, cujo cerne é mítico e místico.
Pelo levantamento bibliográfico que fizemos para a tessitura desse texto, comprovamos
que apesar de a Inquisição e a Caça às Bruxas não terem sido muito presentes na Galiza, fazendo
poucas vítimas entre as condenadas por bruxaria, as bruxas sobreviveram a séculos de opressão
misógina e chegaram à pós-modernidade repaginadas, sob outros nomes, como as meigas.
Constatamos que ditas mulheres habitam as lendas galegas e alimentam o supersticioso
universo da Galiza, presentes não mais apenas na oralidade, como outrora, mas cristalizadas
nas mais diversas formas de arte, além de sua representação icônica e imagética em souvenirs
que têm nelas um símbolo apotropaico e de sorte.
Observamos que as meigas galegas, concebidas em sua origem como más, foram tendo
sua imagem lapidada com o transcorrer do tempo, atendendo a um apelo social que, por razões
próprias, reconfigurou os contornos embrionários dessas mulheres ligadas à magia e à
manipulação energética. Ressaltamos que ainda que esse pareça um tema bastante estudado, na
realidade, não o é. Balizamos essa premissa pela dificuldade que tivemos para levantar
bibliografia para esse trabalho; apuramos que não abundam os trabalhos acadêmicos strictu
sensu sobre o tema, por exemplo, ainda que haja uma quantidade razoável de artigos científicos
que tratam das meigas mas que ao nosso ver são parcos, se comparados a outros assuntos do
universo galego, mormente o cultural.
Concluímos que, embora se trate de um tema interessante ao leigo, não percebemos o
mesmo grau de interesse nele pela Academia, haja vista a dificuldade que tivemos para levantar
bibliografia, como mencionamos acima. Os que encontramos não supriram nossas expectativas.
Daí inferimos que trabalhos como o que agora rematamos são fundamentais para a compreensão
da importância das meigas na Galiza, na Espanha e na Península Ibérica por extensão. Estudá-
las e registrá-las academicamente é um convite a um mergulho profundo e profícuo em uma
das mais genuínas tradições dos galegos; uma tarefa demandante a princípio; sem embargo,
mais gratificante ao final.
REFERÊNCIAS
BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
190
ALBERRO, Manuel. La mitologia y el folklore de Galicia y las regiones célticas del noroeste europeo
atlántico. Goroza - Revista de la Sociedad Española de Estudios Literarios de Cultura Popular, n. 2, p.
9-30, 2002.
ALONSO-ROMERO, Fernando. Ánimas y bujas de Finisterre, Cornualles e Irlanda. Anuario
Brigantino, n. 22, p. 91-104, 1999.
BEZERRA, Karina Oliveira. Esboço Geral da Magia na Wicca: segundo perspectiva de Marcel Mauss.
Anais do IV Colóquio de História, UNICAMP, p. 266-274, 2010.
BLANCO-PRADO, José Manuel. Algunas consideraciones sobre la medicina popular en la provincia
de Lugo. Las curaciones por medio de ensalmos (I). Culturas Populares - Revista Electrónica, v. 5, p.
1-23, jul./dez., 2007.
CÂMARA, Yls Rabelo. Morgana versus Ginebra: análisis de la dicotomía entre las representanes del
paganismo y del cristianismo en el mundo celta de Las nieblas de Avalon. Tese Doutoral. Universidad
de Santiago de Compostela, 427 p., 2015.
ECHEVARRÍA, Aurora González. La mujer en las imágenes y en las acusaciones de brujería.
Reflexiones metodológicas. Dossiers Feministes, n. 13, p. 75-87, 2009.
FERNÁNDEZ-GARCÍA, Maria Isabel. Os científicos lucenses do século XVIII. Lvcensia, p. 85-102,
2015.
JIMÉNEZ-ESQUINAS, Guadalupe. Las meigas: la transformación de un estigma
en recurso patrimonial. Revista de Dialectología y Tradiciones Populares, v. 48, n. 1, p. 33-57,
ene./jun., 2013.
MINAYO, M. C. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 2010.
NOGUEIRA, Carlos Alberto F. A migração do Sabbat: a presença “estrangeira” das bruxas europeias
no imaginário ibérico. Espacio, Tiempo y Forma, Serie 4, Ha Moderna, v. 5, p. 9-30, 1992.
NOVELO, V. El patrimonio cultural mexicano en la disputa clasista, In Sierra, X.; Rodríguez, C. y
Pereiro Pérez, X. (Org.), Patrimonio cultural: politizaciones y mercantilizaciones, Sevilla: Federación
de Asociaciones de Antropología del Estado Español, Fundación El Monte, Asociación Andaluza de
Antropología, p. 85-99, 2005.
SÁNCHEZ-REGUEIRA, Isolina; SÁNCHEZ-REGUEIRA, Manuela. Galicia entre la historia y
la leyenda. Boletín AEPE, n. 32-33, Centro Virtual Cervantes, p. 27-34, 1984.
SOMOZA-SAMPAYO, Irene. Galicia, “Terra de Meigas”. TOG, v. 8, n. 14, p. 1-5, set., 2011.
STACHOVÁ Alena. Creencias, costumbres y tradiciones de Galicia. Trabajo de Fin de Curso, 34 p.,
Brno, 2007.
[Recebido: 26 abr. 2020 Aceito: 16 mai. 2020] A