vigência das relações coloniais, neocoloniais, na base das novas relações apresentadas como
nova ordem mundial. A partir daí, Bhabha apresenta a possibilidade de construções
identitárias "de outro modo que não a modernidade" - especificamente, um modelo
centroeuropeu de modernidade. Ainda que em diálogo com uma fórmula (Ocidente x
_______ ), a proposta de Bhabha, ao menos na introdução de O local da cultura, soa por
vezes demasiado alta em sua aposta transgressora, ao que vale a pena po-la em debate com a
proposta de Glissant seja em Introduction à une poétique du Divers, no que este abre espaço à
provisoriedade das construções identitárias (das práticas desviantes), seja ao droit à l´Opacité
que, além de estabelecer os limites a um conceito de compreensão, recorda-nos, igualmente
“de modo salutar”, nossa posição desde um modelo de ciência ocidental sempre com o risco
de tomar a sujeitas(os) de investigação como nossos Outros, peuples néantisés, renovando um
ciclo de violência epistêmica imposée par l'Occident de modo a naturalizar, mediante
aplicação de um princípio local que se faz passar por universal, une multiplicité sourde du
Divers. Assinalando tal gesto de naturalização, eis a primeira nota de rodapé a Le discours
antillais, precisamente na menção a l'Occident: “L 'Occident n'est pas à l'ouest. Ce n'est pas
un lieu, c'est un projet”. Ao que caberia, neste ponto, a sugestão de um terceiro princípio
metodológico: uma vez aceita a primazia ontológica do texto e de sujeitas(os) cognoscentes
investigadas(os) mediante interpretação de seus textos literários, caberia postular uma
hipótese mais geral de nossas(os) sujeitas(os) de investigação, didaticamente, em posição
externa ao Ocidente (seja segundo Bhabha, Appiah ou Glissant; e ainda que, geograficamente,
estejam a oeste); em uma palavra, adotar a hipótese de que estas(es) sujeitas(os),
frequentemente, enunciam desde um lugar-outro do qual enuncia a teoria.
No esforço que Durão assinala ao discutir teoria literária em sua acepção mais ampla,
se justifica nosso recurso, no parágrafo anterior, ao termo referenciais: a acepção aqui
proposta de Teoria, em um sentido largo, pressuporia uma via de mão dupla na qual as(os)
sujeitas(os) negras(os) americanas(os), Outros de quens investigamos suas obras literárias,
gozariam da prerrogativa de sujeitas(os) cognoscentes, tomando parte no jogo de produção,
difusão e discussão de conhecimentos científicos acerca de suas [próprias] literaturas. Caso
pensemos na citação a Appiah: sujeitas(os) habilitadas(os) a apontar limites ao atual
desenvolvimento da teoria literária ocidental. Caso pensemos na citação a Glissant:
sujeitas(os) cognoscentes que podem, eventualmente, enunciar desde uma posição
impermeável às categorias disponíveis no atual desenvolvimento da teoria literária ocidental.
Isto posto, o presente artigo discute bases elementares a uma pergunta norteadora, centrada no
potencial epistemológico de obras literárias e, nos apropriando da expressão inicial de Durão,
no potencial epistemológico de sujeitas(os) que investigamos, mediante exame de suas obras
literárias. A título de resultados esperados, propomos uma nova questão epistemológica
(habilitada a inteligibilidade e circulação no interior de nossa comunidade científica) acerca
dos modos de apreensão, em nosso fazer-ciência, de nossos Outros (ou, doravante, ao longo
de todo este texto: de [quens tomamos como] nossos Outros quando objeto de investigação),
assim como de seu lugar na equação de produção e difusão de conhecimento, vigente neste
momento de nossa comunidade científica. Como uma das hipóteses de trabalho, se estabelece
que não apenas nós acadêmicas(os) – ou, em uma palavra: intelectuais – deslocamos e
estabelecemos deslocamentos como, igualmente, as teorias efetuam deslocamentos (“as
teorias deslizam”); e, uma vez compreendendo a teoria desde as obras que investigamos, as
obras (se) (nos) deslocam; e, especificamente desde meu lugar de enunciação ou desde o lugar
de minha teoria: as(os) sujeitas(os) das(os) quais as obras se mostram tributárias, igualmente,
(se) (nos) deslocam. Uma vez estabelecendo textos ficcionais negros americanos como base
de nosso corpus literário, a partir do qual nossa comunidade científica formula seus
problemas modelares ora vigentes, recapitulamos os dois corolários a nossa apropriação de
Durão, na base deste argumento e do programa de pesquisa nele imbricado: