BOITATÁ, Londrina, n. 28, ago.- dez. 2019
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AS PROEZAS DE “JILÓ”:
ECOS DA MALANDRAGEM EM ROQUE SANTEIRO
THE PROHESES OF “JILÓ”:
ECOSES OF TRIKERY IN ROQUE SANTEIRO
Rondinele Aparecido Ribeiro
1
Francisco Cláudio Alves Marques
2
RESUMO: Herdeira de manifestações ligadas a expressões populares, tais como as narrativas
folhetinescas, as radionovelas e o melodrama, a telenovela notabiliza-se por ser gênero de
representação da cultura nacional. Ancorada em uma estrutura que dialoga intensamente com
outros artefatos da cultura popular, a narrativa televisual apresenta personagens que se filiam a
arquétipos. Assim, a partir dessas considerações iniciais, o presente trabalho intenciona tecer
considerações acerca da representação do arquétipo da malandragem presente na personagem
“Jiló”, da telenovela Roque Santeiro. Inicialmente, o texto situa a representação desse arquétipo
na literatura nacional, desnuda como essa figura de relevância para a representação do país foi
absorvida pela cultura de mídia, tornando-se bastante expressiva nas telas.
PALAVRAS CHAVES: Telenovela. Arquétipo. Ficção. Mito. Malandragem.
ABSTRACT: Heir to manifestations linked to popular expressions, such as booklet narratives,
radio soap operas and melodrama, the telenovela stands out for being a genre of representation
of national culture. Anchored in a structure that dialogues intensely with the traits of popular
culture, the televisual narrative features characters who join archetypes. Thus, from these initial
considerations, the present work intends to make considerations about the representation of the
trickery archetype present in the character “Jiló”, from the soap opera Roque Santeiro. Initially,
the text situates the representation of this archetype in national literature, showing how this
figure of relevance to the representation of the country was absorbed by the media culture,
becoming expressive on the screens.
KEYWORDS: Telenovela. Archetype. Fiction. Myth. Trickery.
1
Mestrado em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil(2019)
PROFESSOR do COLÉGIO TIA ANA MARIA.
2
Doutor Universidade de São Paulo. Professor no UNESP Assis.
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INTRODUÇÃO
O presente artigo tece considerações sobre a representação da arquetípica da
malandragem na telenovela Roque Santeiro, exibida pela Rede Globo em 1985. Para tanto, o
estudo dimensionará o personagem “Jiló”. Inicialmente, o texto situa a representação desse
arquétipo na literatura nacional. Sua representação, ao longo da trajetória, perpassou os mais
diversos aspectos indo de uma representação pitoresca, ora representada com traços mais
negativos, ou até mesmo, visto como o responsável pelo atraso do país na conjuntura
econômica.
Para o presente estudo, é importante dimensionar a representação na literatura do
primeiro malandro nacional, bem como desnudar como essa figura de relevância para a
representação do país foi absorvida pela cultura de mídia, tornando-se expressiva nas telas.
Cumpre o dever de esclarecer, ainda, que este trabalho não objetiva estabelecer uma trajetória
acerca da representação da malandragem na cultura brasileira, mas sim mostrar como esse
arquétipo se revigorou na cultura midiática e acabou se destacando na teleficção brasileira,
ganhando, sobretudo, uma marcada conotação de crítica social.
Fornecidos esses elementos contextuais, o presente artigo delimita como marco
expressivo do estudo acerca da representação da malandragem na literatura nacional o estudo
de Antonio Candido (2015) sobre o romance Memórias de um Sargento de Milícias, publicado
em 1856. O crítico brasileiro contribuiu de forma significativa para os estudos literários ao
propor uma nova interpretação acerca da obra de Manuel Antônio de Almeida. Escrito
inicialmente em 1970, o ensaio de Candido (2015) interpretou, sob um olhar inovador, o
romance publicado no século XIX, fato que acabou ressignificando a maneira de se interpretar
a obra. Dessa forma, com a escrita do ensaio intitulado Dialética da Malandragem, o crítico
refutou a tese de que a obra era representante do estilo picaresco espanhol. Assim, ao mudar os
rumos dos estudos literários, no que tange à análise da obra em questão, o estudioso introduziu
uma nova linha teórica ao filiar a narrativa à linhagem do romance de extração picaresca. Dessa
forma, o protagonista Leonardo representa, na visão de Candido (2015), o primeiro personagem
malandro da literatura brasileira.
Seguindo as proposições de Candido (2015), de fato, com as Memórias, tem-se a
inauguração na ficção nacional do romance malandro, que, evidentemente, mostra sua
vitalidade com a publicação de Macunaíma, ampliando-se com a incorporação de novas
narrativas perpassadas pela tópica da malandragem, vista pelo crítico brasileiro como “espécie
de um gênero mais amplo do aventureiro astucioso, comum a todos os folclores” (CANDIDO,
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2015, p. 23), embora a noção de folclore, quando se trata dos personagens desse tipo de
literatura, não conta de expressar a real função de crítica política e social que eles engendram
e desempenham em seus contextos, como bem demonstrou o estudo realizado por Francisco
Cláudio Alves Marques (2018) relativamente aos anti-heróis da cultura popular, desde o
italianos Biaggio e Bertoldo, do século XVI, até João Grilo e Pedro Quengo da literatura de
cordel do Nordeste brasileiro.
A contemporaneidade, fortemente acentuada por fluxos e trânsitos culturais, revelou a
centralidade da mídia como um potente sistema de representação cultural. Nesse sentido, a
telenovela emerge como uma legítima representante da cultura nacional. Alçada a uma posição
de destaque na cena cultural brasileira, ainda que alguns estudiosos mais pessimistas encarem
o gênero sob uma perspectiva meramente ligada à indústria cultural, a telenovela revela uma
vocação ligada à nutrição de referências identitárias do receptor, ao propagar valores e
hábitos culturais, além de se converter numa espécie de espelho da nação.
Ancorada em uma estrutura que dialoga intensamente com os traços da cultura popular,
apresenta personagens que se filiam a arquétipos de longas datas. Esse gênero televisivo, cuja
matriz remonta às narrativas folhetinescas, tais como as radionovelas e o melodrama, atua
significativamente no processo de reatualização e de ressemantização de arquétipos na
sociedade. Para Sílvia Helena Simões Borelli (2004), a telenovela mostra-se como objeto
singular de análise e interpretação cultural do país, especialmente por revelar a peculiaridade
de propiciar uma conexão com aspectos híbridos típicos da cultura contemporânea, “que se
molda nas fronteiras entre matrizes populares, tradições letradas e produção massiva”
(BORELLI, 2004, p. 09).
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O “FOLHETIM ELETRÔNICO”
Alicerçada na tradição oral, o sucesso do gênero telenovela se mantém na
contemporaneidade, principalmente por conjugar estratégias milenares com aparatos
tecnológicos pela conjugação de estratégias milenares aliadas à incorporação de aspectos
tecnológicos responsáveis por revigorar os suportes e criar uma nova forma de audiência e
espaço de debates. Vale salientar, ainda, que esse gênero se constitui como uma forma de
narrativa sobre o país capaz de alimentar um repertório compartilhado de sentidos e de
projeções responsáveis por situar o público numa comunidade imaginada, uma vez que o
brasileiro desenvolveu o hábito de acompanhar o desenrolar de histórias seriadas transmitidas
pela televisão. Mesmo que não a veja diariamente, o telespectador mantém laços com a
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telenovela, seja nas diversas plataformas multitelas, características da nova fase de circulação
de histórias na sociedade, ou, ainda, pela constituição dessa narrativa em se tornar um gênero
capaz de narrar os dilemas da sociedade brasileira e criar um repertório compartilhado no
cotidiano e na memória da sociedade.
É possível notar que, na conjuntura da multiplicidade, é necessário o surgimento de um
novo olhar crítico para se pensar nas especificidades suscitadas pelo meio, haja vista exigir
novas leituras a fim de que se dessacralizem formas arraigadas na academia de se conceber o
audiovisual. Desse modo, é importante recuperar o ponto de vista da crítica literária Ivete Walty
(2011), que, ao analisar as configurações do cenário cultural contemporâneo, assinala a
mobilidade como característica principal da sociedade moderna pensada sob uma perspectiva
cultural complexa, multifacetada, marcada pela convergência devido às conexões constantes
mantidas com outros artefatos culturais.
As considerações de Walty (2011) mostram-se profícuas, especialmente, por
fornecerem subsídios para tratar da relação imanente entre literatura e teledramaturgia, aqui
analisada ao largo de determinadas posturas acadêmicas excludentes. Seguindo essa linha de
raciocínio, a teleficção emerge dessa relação como um gênero de representação da cultura
nacional. Ancorada em uma estrutura que dialoga intensamente com os traços da cultura
popular, a narrativa televisual, especialmente a brasileira, apresenta personagens que se filiam
a arquétipos, que vêm sendo revitalizados no âmbito da cultura popular por centenas de anos,
especialmente pelo fato de representarem, por suas maestrias, a desforra contra o sistema.
Enquanto gênero de ficção seriada, a telenovela ou “folhetim eletrônico”, como muito
bem defende Campedelli (1987), apresenta em sua configuração uma longa tradição herdada
das narrativas orais. Assim, num jogo alusivo, pode-se perfeitamente compreender que os
milhões de telespectadores do gênero na contemporaneidade muito se assemelham aos
auditores dos jograis da Idade Média. Campedelli (1987) ainda esclarece sobre a narrativa
televisiva: “Não tão longa quanto o romance nem tão curta como o conto , história usualmente
curta, ordenada e completa, de fatos fictícios verossímeis” (CAMPEDELLI, 1987, p. 18). Na
Idade Média, o termo novela era usado como sinônimo de “enredo” ou “narrativa trançada” e
era aplicado às novelas de cavalaria e, naquele momento, tinha não a função de entreter,
mas também de ditar regras e modelos de conduta.
Na telenovela, a história é longa e se desenrola, quase sempre, por mais de cem
capítulos, sete a oito meses (CAMPEDELLI, 1987). Calcada numa longa tradição milenar de
sincronização de linguagens, a telenovela emerge da experiência acumulada do folhetim, do
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melodrama, da soap opera e do rádio, suas matrizes por excelência. Ela traz em seu bojo
expressões narrativas primordiais ligadas à estrutura seriada diária e interativa do mesmo modo
empregado por Scherazade. Marcada pelo amplo sucesso e pelo estilo melodramático presente
nas mais diversas manifestações indo da tragédia a opera, e do cinema ao dio, a fórmula
seriada está fortemente consagrada devido à forte aceitação popular.
Em conformidade com o ponto de vista de Sadek (2008), esse gênero televisivo
corresponde a uma necessidade atávica do ser humano: o gosto pela narração. Assim, a
telenovela pode ser incluída em umas das mais antigas tradições da espécie humana: a de contar
e ouvir histórias. Desse modo, é lícito afirmar que “ela tem um passado significativo, que
começa com a primeira narrativa” (SADEK, 2008, p. 17).
Ainda sobre a narratividade, o autor explica que os agrupamentos humanos sempre
tiveram acesso e sempre dependeram de um suporte para ela se efetivar. “Fomos da roda de
conversa para o palco, depois para o livro, o rádio, o cinema e a televisão” (SADEK, 2008, p.
20). Assim, a telenovela representa muito bem o que está sendo explicado por Sadek (2008),
uma vez que esse gênero corporifica a longa tradição narrativa da qual o homem mantém uma
grande dependência. “Todas as formas de contar e de ouvir histórias se mantêm vivas, de modo
que sempre acoplamos novas tecnologias, novos formatos e novas estratégias de contar relatos
sem excluir ou descontinuar os anteriores” (SADEK, 2008, p. 24).
Ao se reportar ao sucesso das narrativas seriadas, Sadek (2008) ressalta o caráter da
mobililidade presente na ficção. “Não por acaso. Estão entre os programas mais cuidados e mais
caros da TV brasileira. São campeãs de audiência e atraem milhões de pessoas, que assistem ao
mesmo tempo à mesma história” (SADEK, 2008, p.19).
Ao definir a telenovela, o autor sustenta que:A telenovela [...] é uma história dividida
em capítulos, mas, nesse caso, o seguinte é continuação do anterior; o sentido geral do conjunto
é previsto inicialmente, mas seu desenrolar e desenlace não são previamente decididos; durante
seu desenvolvimento, pode receber novos personagens e dar novos direcionamentos para as
várias tramas que compõem o todo (SADEK, 2008, p. 33).
O “folhetim eletrônico”, como define alguns estudiosos, tem mais de meio século de
existência. Consolidou-se como o gênero mais importante da televisão brasileira, sobretudo,
pelo fato de responder pela larga margem de lucro obtida por meio da exportação de roteiros e
do próprio produto. Também ocupa espaço privilegiado na grade da programação televisiva.
Notabilizando-se como objeto de estudos acadêmicos nos últimos anos, o gênero foi alçado ao
posto de verdadeira narrativa acerca do Brasil.
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Presente no cotidiano brasileiro basicamente desde a implantação da televisão no país,
sua permanência aqui pode ser explicada devido à especificidade do gênero, que soube
empregar a experiência acumulada da tradição de contar histórias. Maria Immacolata Vassallo
de Lopes (2004) contribui de maneira fecunda com nossas pressuposições ao ressaltar a
ascensão da telenovela como um ponto de entrecruzamento entre as formas cultas de massa e
pela especificidade do gênero em se constituir como um nutriente do imaginário social
brasileiro:
A telenovela aparece como um ponto de entrecruzamento não de formas de
investigação sobre a cultura de massa, mas de estados de reflexão teórica sobre as relações entre
a televisão, os gêneros cultos” e “populares”. Por meio dela e possível identificar o lugar da
ficção narrativa na constituição do imaginário social e, no presente caso da telenovela brasileira,
o que as diferenças regionais fazem a um produto que atravessou fronteiras (LOPES, 2004, p.
127).
Na cultura contemporânea, seu modelo de produção se explica pela forte mudança e
experimentação tecnológica influenciada pela indústria cultural com seu traço marcante de
atingir vários públicos. Autores como Ângela Aparecida Batista Conversani e Altamir (2010),
confirmam o exposto ao atribuir à televisão o papel de moldar o imaginário e contribuir para o
diálogo de e entre culturas. Para esses autores, a televisão firma-se como uma linguagem
universal responsável por diminuir as distâncias entre idiomas e classes sociais.
A REPRESENTAÇÃO DO ARQUÉTIPO DA MALANDRAGEM EM “JILÓ”
Igor Sacramento (2012), ao se referir à produção televisiva de Dias Gomes, destaca a
existência de um realismo crítico, mas também se mostra permeada pelo grotesco e pelo
fantástico indicando as fortes hibridizações estéticas responsáveis por situar a sua produção
televisiva no projeto estético do dramaturgo. Em Roque Santeiro, esses traços estéticos estão
presentes. Primeiro, pela adoção de inúmeras situações do cotidiano popular facilmente
observadas a partir do título e da vinheta de abertura da primeira versão, de 1975, que se
intitulava A Fabulosa História de Roque Santeiro e de Sua Fogosa Viúva, a que Foi Sem Nunca
Ter Sido.
O estudioso Antonio Roberto Esteves (2018), de modo profícuo, fornece informações
de grande importância acerca desse aspecto popular identificado na adaptação da telenovela,
que foi proibida pela ditadura. Para tanto, destaca o vínculo dessa narrativa audiovisual ao
gênero cordel assinalando que essa telenovela se estrutura a partir de aspectos ligados ao
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burlesco, particularidade responsável pelo surgimento de inúmeras situações reveladoras de
risos escrachados.
Esteves (2018) avança em suas proposições e enfatiza que o processo de aclimatação do
gênero cordel no país, aqui ressemantizado e incorporado nas diversas manifestações artísticas
da contemporaneidade, circula a partir de algumas versões orientais ou, até mesmo, greco-
latinas até chegar às feiras e aos cantadores do interior do Nordeste e suas manifestações nas
periferias das metrópoles do centro-sul do país ou releituras em diversos meios de comunicação,
entre os quais as telenovelas, antigas histórias adquirem infinitas e variadas versões. Esse
trânsito ocorre ao longo dos tempos em geografia diversificadas e em diferentes línguas e
linguagens (ESTEVES, 2018, p. 11).
As asserções do crítico revelam que a televisão se constitui pelo aspecto híbrido,
sobretudo pelo fato de sua programação, como muito bem definiu Ana Maria Balogh (2002) ao
afirmar que esse suporte se estrutura em torno de inúmeras influências oriundas das matrizes
cultas, populares e massivas. Desse modo, a televisão, para a autora, constitui-se como um
verdadeiro “pantagruel eletrônico”.
No cenário cultural brasileiro, a reverberação da figura arquetípica da malandragem
pode ser vista de modo recorrente. Na literatura brasileira, o marco inicial da representação
dessa figura encontra em Leonardinho, o protagonista do romance Memórias de um Sargento
de Milícias, a gênese da linhagem desse grupo de personagens gestados sob aspectos peculiares
da formação social do país. Como atesta Altamir Botoso (2017): “Efetivamente, com as
memórias, o personagem malandro, que se solidifica com a publicação da rapsódia
macunaímica, amplia-se com os malandros do pós-milagre [...]” (BOTOSO, 2017, p. 17).
Botoso (2017) assinala também que esse arquétipo migrou das ruas para a ficção e, na
contemporaneidade, dados os diálogos intertextuais estabelecidos entre a literatura e outras
expressões culturais, encontrou na narrativa audiovisual mais um espaço profícuo para se
aclimatar e propiciar a continuidade dessa tradição gestada num contexto de grandes
descalabros sociais, peculiaridade, aliás, que garante sua vitalidade, sobretudo pelo aspecto
cíclico de contrastes e desmandos políticos que afligem o país.
Desse modo, o ponto de vista do estudioso é de fundamental importância para se
compreender a origem dessa tradição ligada à malandragem que aflora no país. “O malandro,
tal qual o pícaro, transferiu-se das ruas para a ficção. A sua linhagem, se assim podemos chamá-
la, começa com Leonardo Pataca, afirma-se com Macunaíma, passa pelos demais malandros
[...] e prossegue em várias obras [...]” (BOTOSO, 2017, p. 21).
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O pesquisador Francisco C. A. Marques (2018), ao se referir aos representantes da
malandragem na poesia popular nordestina, destaca as figuras de Pedro Malasartes, João Grilo,
Cancão de Fogo, Pedro Quengo, Bocage, Camões, entre outros personagens, que são cultuados
num contexto de exploração econômica e social. Desse modo, como salienta o estudioso, a
preponderância dessas figuras no ideário popular está vinculada à superação de uma ordem
vigente calcada em estruturas sólidas de exploração social “no sentido de que esses tipos
sintetizam a astúcia e a sabedoria camponesa empregada para sobrepujar os representantes da
cultura oficial, detentores da ‘sabedoria escrita’ e senhores dos meios de produção”
(MARQUES, 2018, p. 205).
Devido a esses traços ligados a uma função de caráter social, o pesquisador salienta que
esses “anti-heróis” se reconfiguram nesse contexto, passando a serem vistos como heróis heróis
e, portanto, representantes de suas comunidades. Ao se referir aos malandros do imaginário
nordestino, Marques (2008) destaca que tais figuras, descendentes do trickster ancestral, do
herói provedor e do pícaro europeu, são responsáveis por “reavivarem do avesso os valores
tradicionais e consagrados da coletividade” (MARQUES, 2018, p. 217).
Com efeito, é preciso também dar o devido destaque às contribuições do estudioso
Mário Miguel González (2017), que fornece um panorama bastante assertivo acerca da gestação
da figura picaresca. Para o pesquisador, a figura do pícaro surge no contexto conturbado pelo
qual a Espanha passava nos séculos XVI e XVII. Trata-se de uma figura que precisa lutar pela
manutenção da vida, além de se portar contra as injustiças sociais. Como as projeções de ordem
econômica e social responsáveis pelo surgimento da picaresca espanhola também puderam ser
observadas no contexto político, econômico e social do Brasil, Gonzàlez (2017) denominou de
neopicaresca a manifestação desses atributos na narrativa brasileira que afloraram no país com
traços um pouco distanciados dos atributos facilmente observados na Espanha dos séculos XVI
e XVII. Ainda sobre a eclosão desse arquétipo na cultura nacional, o ponto de vista do estudioso
atribui ao neopícaro gestado no Brasil a particularidade de empregar expedientes calcados na
adoção de expedientes para a realização de seus ideais.
Sobre o personagem que tipifica a malandragem na cultura nacional, Jiló é apresentado
no primeiro capítulo da telenovela Roque Santeiro. Na sinopse da telenovela, ele é descrito
como um personagem muito esperto, que exerce o ofício de guia turístico da cidade de Asa
Branca, que percorre o local frequentado pelos romeiros com um discurso decorado. Também
aproveita da credibilidade mantida com os romeiros para vender objetos que afirma terem
pertencido a Roque Santeiro.
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Na primeira cena em que aparece na telenovela, o personagem aproxima de um grupo
de romeiros, que desce do ônibus e recebe o grupo com seu discurso ensaiado:
TONINHO JILÓ: Tarde minha gente. Sejam bem-vindos a Asa Branca. Tão
precisando de um guia? Tem um aqui: Toninho Jiló, às ordens de vossas excelenças. Nossa
cidade tem trinta mil habitantes, duas rádios, quatro hotéis, um cinema, várias pensões e
restaurantes. E também um museu sacro onde se encontram valiosas relíquias do tempo dos
jesuítas. Vossas excelenças podem conhecer o Paço Municipal, a Santa Casa de Misericórdia e
a Igreja Matriz. Esta é a praça principal de Asa Branca, a praça Roque Santeiro. Tem esse nome
porque foi aqui que tudo aconteceu. Ali, em frente da Igreja, foi que Roque caiu morto.
Na sequência da cena, quando o grupo de romeiros adentra a loja de “Zé das Medalhas”,
o público presencia sua primeira proeza. Ao perceber que poderá ter mais vantagens
econômicas, o personagem empreende sua primeira ação que o vincula à malandragem:
DAS MEDALHAS: - Estas medalhas são de prata. Tem também de cobre. De prata
mesmo elas não são. São de lata, mas o que vale é a fé.
ROMEIRO: - São bentas pelo vigário?
ZÉ DAS MEDALHAS: - Benta, benta não é, mas é como se fosse...
ROMEIRO: - Esta escultura é de Roque Santeiro?
ZÉ DAS MEDALHAS: - Ele mesmo. Obra de um artista da terra.
TONINHO JILÓ: - Mostra aquela peixeira, seu Zé, que pertenceu ao Roque. Moço, é
uma raridade, a única que existe.
DAS MEDALHAS: - Para como isso Jiló. Na semana passada você vendeu mais
de trinta dessas peixeiras...
Figura 01: Jiló aplicando golpe
Salientamos que as ações empreendidas por Jiló reverberam elementos tipicamente
associados à malandragem, tais como a astúcia e a trapaça. Para a estudiosa Cláudia Mattos
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(1982), a figura do malandro abarca um aspecto da fronteira, da margem, notabilizando-se por
revelar aspectos ligados à carnavalização e à ambiguidade. Ele não pode se classificar nem
como operário bem comportado nem como criminoso comum: não é honesto, mas também
não é ladrão, é malandro (MATTOS, 1982, p. 22). Ainda conforme as ponderações da
estudiosa, a mobilidade da personagem ligada à malandragem é permanente, uma vez que
ele depende dela para escapar, ainda que de forma passageira, às pressões do sistema.
Diante do exposto, a poética da malandragem no contexto nacional, aqui figurativizado,
pode ser perfeitamente compreendida como manifestação de um perfil marginalizado
socialmente, portanto excluído da ordem pré-estabelecida. Dadas as peculiaridades de um país
de extração colonial, situado no contexto periférico da ordem internacional e que apresenta uma
estrutura ainda calcada nas contradições do sistema colonial, responsável pela sua herança, a
malandragem se aclimatou e se revitalizou em diversos setores da cultura nacional.
Sobre a transposição da malandragem para a telenovela, é importante acrescentar que o
personagem, vincula-se à tradição de malandros da cultura brasileira gestados sob a égide de
contextos perpassados por situações de desequilíbrio econômico, desmandos governamentais,
instabilidades políticas e grandes desajustes sociais.
Ampliando essa definição, convém destacar, ainda, o ponto de vista de Jean Pierre
Chauvin (2008). O pesquisador, ao se referir à presença do malandro na literatura nacional,
assevera que esse arquétipo é marcado pela revitalização:
É curioso que de tempos em tempos a ambígua figura do malandro (seja ele carioca,
seja paulistano) ressurge nítida e escorregadia , em meio a enredos da melhor qualidade. É
notória a identificação entre esse verdadeiro arquétipo nacional e seus variados tipos com o
elemento urbano (CHAUVIN, 2008, p. 254).
No caso desse malandro que sai das ruas, ganha a ficção e migra para o audiovisual,
tem-se a representação de personagens plasmados no reflexo do homem simples que tende a
driblar os problemas da vida recorrendo à astúcia e a diversos expedientes, como havia feito
seu ancestral afrobrasileiro escravizado às voltas com um sistema excludente e opressor.
Situando-se na ambivalência, como salienta Mattos (1982), essa personagem se revitaliza
adquirindo status de anti-herói, justamente, por trilhar uma poética ambivalente situada entre a
ordem e a desordem.
Pensando na função social exercida pela televisão no país e nas especificidades do
cenário contemporâneo rotulado de mobilidade, sobressai o ponto de vista de Maria Carmem
Jacob de Souza (2004), que desnuda como se opera a construção do popular no meio televisivo.
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Para a estudiosa, essa aclimatação estrutura-se a partir de uma tensão situada entre os aspectos
da emoção, da projeção e do lirismo bem como na abordagem representativa de situações
realistas dadas as devidas relações de uma narrativa que encontra o mercado como forte
mediador cultural.
Dadas as especificidades da narrativa teleficcional em se mostrar como uma fértil
expressão da representação da realidade brasileira atestada pela qualidade de um gênero que
assumiu a função incidental de captar e refletir os dilemas da sociedade brasileira, se pensarmos
em sua função representativa discursiva, a telenovela ancora-se nesse entrecruzamento típico
de fluxos da contemporaneidade, revelando a presença de uma forte hibridação de gêneros
narrativos que se estruturam em torno desse viés “culto” e “popular”. Ademais, pelo menos no
Brasil, a construção do ideário nacional abrange a intermediação da televisão como seus
aspectos documentarizantes em se constituir como um espelho da nação.
Ainda sobre a figura do malandro na cultura brasileira, é importante acrescentar que
esse arquétipo decorre de uma ideologia que norteia toda a problemática da não consolidação
da Nação, sendo, então, um tipo de herói específico, criado pela sociedade brasileira. E,
justamente, por causa da nossa sociedade hierarquizada, esse herói não poderia ser um homem
comum que representasse a si mesmo, pois essa representação estaria ligada ao reflexo do
cotidiano desinteressante dessa sociedade. Essa peculiaridade pode ser explicada com base nas
pressuposições do antropólogo Roberto DaMatta (1997). O estudioso, ao fornecer uma
definição acerca do herói, destaca que esse ser fictício “deve sempre ser um pouco trágico para
ser interessante, com sua vida sendo definida por meio de uma trajetória tortuosa, cheia de
peripécias e desmascaramentos” (DAMATTA, 1997, p. 257).
Desse modo, ao destacar os traços da malandragem na telenovela Roque Santeiro,
Dias Gomes, que era familiarizado com a produção cordelística nordestina, e profundo
conhecedor da literatura mundial, fato que pode ser atestado pelo trabalho que desempenhou
durante o período em que esteve no rádio exercendo o ofício de adaptar os clássicos da
literatura para esse meio, reverbera a malandragem aplicada de modo a ressaltá-la como um
elemento proteico da cultura brasileira, que se revitaliza de acordo com as circunstâncias
histórico-sociais da comunidade que o adota como seu representante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença da teledramaturgia na sociedade brasileira, além da expressão da mobilidade
caracterizadora do cenário atual, pode ser concebida como uma atualização do papel
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desempenhado pelos contadores de história na antiguidade: propiciar o acesso à ficção. Dessa
forma, salientamos que a telenovela, expressão fértil do cenário perpassado por fluxos de
transferências culturais, emerge como um gênero de representação da cultura nacional.
Ancorada em uma estrutura que dialoga intensamente com os traços da cultura popular, a
narrativa televisual apresenta personagens que se filiam a arquétipos. Assim, o presente trabalho
propôs-se a investigar alguns traços do malandro “Jiló”, personagem da telenovela Roque
Santeiro.
Como atesta Marques (2018), a astúcia brejeira na poesia popular nordestina é
representada por Pedro Malasartes, João Grilo, Cancão de Fogo, Pedro Quengo, Bocage,
Camões, dentre outros, que exercem uma função ligada à superação de uma ordem vigente, “no
sentido de que esses tipos sintetizam a astúcia e a sabedoria camponesa empregada para
sobrepujar os representantes da cultura oficial, detentores da ‘sabedoria escrita’ e senhores dos
meios de produção” (MARQUES, 2018, p. 205). Devido a esses traços ligados a uma função
de caráter social, o pesquisador assevera que tais personagens se reconfiguram, passando de
herói a anti-heróis.
O estudioso, ao se referir aos malandros do imaginário nordestino, explica que eles, ao
associarem à figura arquetípica da malandragem, são responsáveis por “reavivarem do avesso
os valores tradicionais e consagrados da coletividade” (MARQUES, 2018, p. 217).
André Rezende Benatti (2017) destaca que a “Dialética da Malandragem” traça, a partir
do romance de Manuel Antônio de Almeida, “toda a estrutura literária e o processo social
criador da personagem que hoje faz parte do imaginário popular brasileiro” (BENATTI, 2017,
p. 09). Assim, é legítimo afirmar que as considerações articuladas pelo estudioso permitem
analisar a sociedade brasileira pelo binômio fronteiriço situado entre a ordem e a desordem. A
partir dessa dialética, há uma personagem que precisa viver.
No Brasil, no século XX, esse arquétipo da malandragem passa a ser representado de
forma estereotipada. Em seu estudo, o autor aponta que no país, essa personagem adquire até
mesmo traços marcantes. De forma profícua, Roberto Goto (1988) contribui com as
considerações elencadas a respeito dos traços peculiares da representação do arquétipo da
malandragem na ficção brasileira. Recorrendo à apresentação desse tipo, o crítico afirma que a
figura da malandragem no imaginário coletivo da sociedade brasileira está associada de maneira
a refletir determinados atributos específicos do brasileiro, tais como “hospitalidade e malícia, a
ginga, a finta, o drible, a manha e o jogo de cintura, muito apreciados no futebol e na política,
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a agilidade e esperteza no escapar de situações constrangedoras ligadas ao trabalho e à repressão
[...]” (GOTO, 1988. p. 11).
O mais interessante é que, ao ser transplantado para a tela da TV, tais atributos
específicos, como drible, manha, jogo de cintura etc., podem ser mais facilmente marcados e
visualizados, haja vista a performance de tais personagens passar a ser vista em chave
dramática, de modo que somo levados a inferir que, concebido do ponto de vista das câmeras,
os estereótipos que ajudam a definir tais figuras são muito mais reforçados ainda.
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[Recebido: 11 out. 2019 Aceito: 26 dez. 2019]