Os diálogos estabelecidos por esses filósofos consagrados pela filosofia ocidental,
sem dúvidas, contribuíram para a grande tensão criada em torno da ideia de literatura. Quando
Platão, insistentemente, em seu discurso - como se pode perceber, sobretudo no livro III da
obra A República - faz questão de definir como a arte deve se comportar na sociedade, quem
deve apreciá-la ou para quem ou não ela deve ser produzida, a noção de literatura que ali se
percebe é a de um espaço de verdades incontestáveis, de cópia fiel da realidade, e não de uma
arte que se propõe à plurissignificação das ideias e que, portanto, deve manifestar-se de
modos diversos em diferentes sujeitos e contextos socioculturais.
É inegável a necessidade de considerar que essas concepções foram estabelecidas num
tempo em que ainda não se reconhecia o Sujeito histórico no processo de construção do
conhecimento. Isto parece ter tido início com Aristóteles, quando este, em discussão sobre a
mímesis antiga, como apontado por Lima (2000), admite que ela possa provocar dor e prazer;
a oportunidade de uma experiência ao receptor. “A mímesis Aristotélica ensina algo que a
ciência dos primeiros princípios, a obra em que ela mais se empenharia, não se permitia
ensinar: que é preciso saber viver sobre a dupla via, e não sobre a via única da verdade
alcançada pelo pensamento” (LIMA, 2000, p. 33).
Todavia, apesar de situar um discurso aparentemente relacionado a uma proposta de
defesa da autonomia da Arte, não fora esta a proposta de Aristóteles, já que, para ele, a noção
de metáfora, por exemplo, ainda aparecia bastante ligada à busca da verdade; portanto
limitada. Sobre essa questão, Lima (2000) observa, cuidadosamente salientado que se trata de
uma ideia meramente especulativa, que: “Não é pois que Aristóteles de algum modo
antecipasse o princípio da autonomia da arte. O que julgamos sua intuição parecia meta bem
diversa: habilitar o cidadão para o enredo da vida”. Então, como se pôde perceber, o Sujeito
da experiência ainda não é considerado no processo de construção do conhecimento neste
percurso da filosofia ocidental.
Essa questão, inclusive, fora objeto de análise feita por muitos filósofos, mormente
aqueles ligados à filosofia da linguagem, como Foucault, Deleuze, entre outros. Em as
“Palavras e as coisas”, por exemplo, Foucault problematiza tal ideia, quando admite que,
embora tenhamos tido acesso a grandes produções literárias, como as obras de Homero, a
noção de literatura, de fato, corresponde a uma criação da modernidade, surgindo,
especialmente, a partir do século XIX, momento em que o sujeito histórico começa a ser
considerando na análise da construção de conhecimentos.
Finalmente, a última das compensações ao nivelamento da linguagem, a
mais importante, a mais inesperada também, é o aparecimento da literatura.
Da literatura como tal, pois, desde Dante, desde Homero, existiu realmente,
no mundo ocidental, uma forma de linguagem que nós, agora, denominamos
“literatura”. Mas a palavra é de recente data, como recente é também em
nossa cultura o isolamento de uma linguagem singular, cuja modalidade
própria é ser “literária”. É que, no início do século XIX, na época em que a
linguagem se entranhava na sua espessura de objeto e se deixava, de parte a
parte, atravessar por um saber, ela se reconstituía alhures, sob uma forma
independente, de difícil acesso, dobrada sobre o enigma de seu nascimento e
inteiramente referida ao ato puro de escrever. [...] Da revolta romântica
contra um discurso imobilizado na sua cerimônia até a descoberta, por
Mallarmé, da palavra em seu poder impotente, vê-se bem qual foi, no século
XIX, a função da literatura em relação ao modo de ser moderno da
linguagem (FOUCAULT, 2000, p.306).
A partir da inserção deste considerado sujeito histórico, a literatura começa a ser
pensada como espaço móvel, múltiplo, que vai refletir também as experiências das