Desse modo, dividimos nosso estudo em três partes: a) Ethos discursivo, a partir da
teoria desenvolvida por Maingueneau, procurando ver como se apresenta o conceito e a
aplicação da categoria de ethos ao texto, considerando o cordel e sua relação com a oralidade;
b) Literatura de cordel, em que procuramos ver , de forma introdutória, a origem, o conceito de
literatura de cordel e sua influência no nordeste e em outras regiões do Brasil e c) a análise do
corpus, considerando a teoria de Maingueneau sobre o ethos, aplicando à figura do Frei Damião
pressente na literatura de cordel. Por fim, a título de conclusão, enfatizamos o reconhecimento
do nosso estudo como forma pensar e refletir sobre o cordel e sua relação com o imaginário
popular, entendendo a relação da figura simbólica de Frei Damião e a literatura de cordel.
ETHOS DISCURSIVO
O ethos é uma categoria de pesquisa que, desde o mundo antigo, tem contribuído para
o aperfeiçoamento dos debates na filosofia, na ética, nos estudos da linguagem e em outras
áreas do saber (QUELQUEJEU, 1983). Amossy (2016, p. 221), afirma que na sociedade
contemporânea existe um grande interesse e até mesmo um retorno dos estudos em torno do
ethos. Esse interesse é representado, por exemplo, pelo quadro figurativo de Benveniste
(1988,1989), pelos trabalhados de Kerbrat-Orecchioni (1980) sobre a subjetividade na
linguagem, pela noção de apresentação de si de Goffman (1959), pelas investigações, no campo
da literatura pragmática, de Brown e Levinson (1987).
Dominique Maingueneau (2008b, p. 11) observa que tanto nos estudos da linguagem
como também nas ciências humanas existe um interesse crescente pelo ethos. Para ele, esse
interesse “está ligado a uma evolução das condições de exercício da palavra publicamente
proferida, particularmente com a pressão das mídias audiovisuais e da publicidade". Ainda para
o Linguista Francês (2013, p. 110), contemporaneamente, não se pode ver o ethos apenas como
um “estilo de vida”, da forma como os gregos antigos pensavam. Para ele, existe uma série de
fatores, no atual modelo societário, que limitam o ethos em sua formulação clássica. Entre esses
fatores é possível citar as novas formas e construções do texto, ligadas as mídias e a publicidade,
o poder, cada vez maior, da oralidade, em uma sociedade marcada por espaços sociais
fraturados, por uma cultura da exposição individual via mídias.
Nesse ínterim, o ethos deve ser percebido como a imagem que emerge de um complexo
conjunto formado pela formação das palavras, pelo planejamento e exposição textual, pela
recepção do texto junto ao público e muito mais. Assim,
O ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, mas não se pode
ignorar que o público constrói também representações do ethos do enunciador
antes mesmo que ele fale. Parece necessário, então, estabelecer uma distinção
entre ethos discursivo e ethos pré-discursivo. [...]. Uma outra série de
problemas advém do fato de que, na elaboração do ethos, interagem