Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL – ISSN 1980-4504


A PERFORMANCE DA DEFESA TÉCNICA NO TRIBUNAL DO JÚRI


Alexandre Ranieri (Estácio-FAP/SEDUC-PA)

Fernando Pessoa (Estácio-FAP)

Larissa Melo (Estácio-FAP)


RESUMO: A partir dos primeiros resultados do projeto de pesquisa A performance oral dos operadores do Direito desenvolvido junto à Universidade Estácio FAP por alunos de Iniciação Científica que visitaram, durante o segundo semestre de 2018, o fórum criminal de Belém. O resultado aqui apresentado trata da importância da performance no exercício da atividade jurídica pelos integrantes da defesa técnica no Tribunal do Júri, instituição colegiada que agrega leigos em matéria jurisdicional. Nesse sentido a teatralização alcança ainda maior valor tendo em vista que os operadores precisam fazer com que, além de defender as suas teses, os membros desse corpo de jurados entendam a norma, a doutrina e a jurisprudência.


Palavras-chave: Performance. Defesa. Júri. Teatralidade



ABSTRACT: Based on the first results of the research project The oral performance of the operators of the Law developed by the Universidade Estácio FAP by students of Scientific Initiation who visited during the second half of 2018. The result presented here deals with the importance of performance in the exercise of the legal activity by the members of the technical defense in the Court of the Jury, collegiate institution that aggregates laymen in jurisdictional matters. In this sense, theatricality reaches even greater value in view of the fact that, in addition to defending their theses, the members of this body of jurors must understand the norm, the doctrine and the jurisprudence.


Keywords: Performance. Defense. Jury. Theatricality


  1. Introdução


A ideia deste artigo, feito a seis mãos, surgiu a partir dos estudos feitos durante o projeto de pesquisa A performance oral dos operadores do Direito, desenvolvido na Universidade Estácio de Sá (FAP) durante o segundo semestre de 2018.

A princípio pode parecer controverso associar as poéticas da voz aos estudos Jurídicos. A suposta rigidez do Direito parece destoar tanto no que concerne aos métodos de estudo quanto ao objeto de investigação.

O Direito é quase sempre associado à dureza das suas legislações, resumido no brocardo latino Dura lex, sed lex (A Lei é dura, mas é a Lei), que se reverte nos seus estudos teóricos ou na materialização de processos que se avolumam em órgãos públicos e escritórios advocatícios.

Mas somos seres poéticos. Talvez até tenhamos que cunhar um termo para nos designar: Homo Poeticus. E, por termos essa natureza, a todo momento nossas ações podem extrapolar as situações performáticas orais tradicionais, adentrar nosso cotidiano e guiar nossas vidas até mesmo em situações triviais como o ambiente de trabalho.

Nesse sentido, estudar a performance oral dos operadores do direito é entender que, no cotidiano deles e em especial daqueles que atuam no Tribunal do Júri, há uma maneira de contar o que aconteceu do ponto de vista de uma das partes do processo e que para dar voz a vítima e acusado é preciso também reviver os fatos e penetrar numa outra camada da realidade que vai além das folhas do processo.

Essas sustentações orais, bem como os textos jurídicos de uma maneira geral, encontram-se dentro da Ciência do Direito, regida, segundo Miguel Reale Junior, por três instâncias: Fato, Valor e Norma. O Fato é o ponto inicial de um processo; o Valor age como ponto de vista de cada uma das partes e a Norma é responsável por determinar se a valoração, de acordo com a ótica aplicada, confere ao fato apresentado, consistência jurídica (REALE, 1994).

Todavia, dentro da prática jurídica oral, a gestualidade, a teatralidade e a performance oral são espécies de valorações que percorrem toda a sustentação dos operadores do direito.

A performance do advogado confere valoração ao texto oral, indicando o ponto de vista deste, do início ao fim. Desde o entendimento do fato que, narrado pelo advogado, vai ganhando contornos persuasivos com a gestualidade; passando pelo próprio valor, em si, até chegar na teatralidade da sustentação oral que pode desembocar na aplicação da norma, agora redimensionada pela performance oral.

É nesse sentido que reiteramos que existe uma poética do cotidiano que rege situações formais e informais e que implica sincronia entre o corpo e a voz na produção de um instante que convida o interlocutor a participar do momento performático. Dessa forma, a percepção sensorial e estética leva ao fruir estético. Esse efeito teatral assemelha-se ao que Paul Zumthor chama de mousikè, que se refere à dança, à música, vocal e instrumental, às estruturas métricas do poema e a prosódia da palavra em conjunto (ZUMTHOR, 2005).

Através dessa energia vocal e corporal dispensada pelo operador performer é que se pode promover o envolvimento do interlocutor e, por conseguinte, o convencimento.

Não por acaso Miguel Reale pergunta: “Que laços existem entre o fenômeno jurídico e o fenômeno artístico?” (2002, p. 9). Assim como no ditado popular “a arte imita a vida” a literatura imita a vida que é regida pelas Leis. Ao passo que a reciproca é verdadeira e a vida pode acabar imitando a arte fazendo das sustentações orais jurídicas verdadeira matéria artística.

No entanto, poderíamos ir mais a fundo e dizer que a própria vida é uma encenação. O Homo Poeticus nos difere dos animais, já que precisamos dessa capa social para nos distinguirmos dos outros seres e assim nos destacarmos enquanto sociedade. Nossas pulsões mais animalescas se reprimem quando nos investimos de nossos papéis cotidianos.

Com esse pensamento os pesquisadores do projeto adentraram o Fórum Criminal de Belém Romão Azevedo durante o segundo semestre de 2018 para assistir alguns julgamentos do Tribunal do Júri e a orientação inicial foi a de observarem tudo o que acontece, sentirem o “clima” tanto dos representantes legais das partes, como das pessoas que compõem o Júri e a plateia. Dessa forma é possível compreender essa situação de comunicação tão singular em suas particularidades.

Preferimos não citar nomes de acusados, testemunhas, promotores, defensores, juízes ou até mesmo casos por questões éticas, deixando assim, somente os nomes genéricos dos papeis desempenhados durante a atuação. Escolhemos tratar, pelo menos a princípio, de forma genérica apenas da atuação da defesa técnica (Defensores Públicos e Advogados de Defesa)

Antes de tratarmos das performances é preciso entender como funciona o Tribunal do Júri e o papel dos Operadores do Direito que nele atuam.



  1. O Tribunal do Júri


A instância do Tribunal do Júri é prevista no art. , inciso XXXVIII, da Constituição Federal (CF88), é um órgão especial do poder judiciário de primeira instância tendo competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo eles tentados ou consumados.

É composto por um juiz togado (juiz de direito), 25 jurados (juízes de fato), o representante do ministério público, representado pela figura do Promotor. Pode-se, ainda, ter a presença de um assistente de acusação. Por conseguinte, pode-se falar do advogado de defesa ou Defensor Público, representando a Defensoria Pública, os Oficiais de Justiça, Serventuários da Justiça, Secretários da Vara e os Policiais da Justiça. Dessa forma, devem ser julgados pelo Tribunal do Júri, os acusados que cometerem os delitos previstos nos Arts. de 121 a 127 do Código Penal Brasileiro (CP40).

São crimes dolosos contra a vida: homicídio; induzimento, instigação e auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto. Dessa forma, os sete jurados que compõem o conselho de sentença, também conhecidos como “Juízes não togados” ou “Juízes de fato”, são sorteados entre vinte cinco cidadãos escolhidos semestralmente.

Para realização do sorteio dos membros que irão compor esse conselho, é preciso quórum mínimo de quinze jurados presentes, caso contrario, o júri é adiado. Os jurados que não comparecem ao julgamento quando marcado, precisam justificar a ausência sob risco de punição prevista em Lei (Lei nº 11.689/08).

Segundo a Lei 11.689/08 o tribunal é composto de cidadãos que são previamente solicitados, através de oficio, pelo juízo. Este oficio é enviado para empresa, órgão publico e demais lugares, que em seguida o responsável supracitado indica, seus funcionários que tenham sua idoneidade comprovada. Ademais, pode-se, também, participar como jurados os voluntários alistados previamente, que se apresentam em juízo, manifestando seu interesse.

Os requisitos para fazer parte do corpo de jurados são: a) ter entre no mínimo 18 anos completos; b) não ter antecedentes criminais; c) estar em dia com suas obrigações eleitorais. Além disso, essas pessoas devem concordar em prestar esse serviço gratuitamente. É obrigação desse colegiado julgar o fato e não o Direito, ou seja, cabe somente ao Juiz de Direito, como conhecedor da Lei, aplicar a pena de acordo com o veredito.

De acordo com o Art. 483 do Código Processual Penal (CPP), ao final do julgamento, o colegiado responde aos seguintes quesitos:


I – Materialidade do fato;

II – Autoria ou participação;

III – Se o acusado deve ser absolvido;

IV – Se existe causa de diminuição da pena;

V – Se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. (Decreto-Lei n 3.689/41)

A materialidade tem a ver com a existência do fato, ou seja, se este está de acordo com o que foi apresentado pela promotoria. Nesse caso, é preciso que os jurados decidam se houve a comprovação da efetiva ocorrência do crime. Se não há materialidade, o acusado não pode ser considerado culpado, pois não há como saber se o crime realmente ocorreu.

Sobre as circunstâncias qualificadoras Rogério Greco afirma que:


[...] considera-se qualificado o crime quando, geralmente, as penas mínima e máxima cominadas no parágrafo são superiores àquelas previstas no caput do artigo. Dissemos que os limites mínimo e máximo devem, como regra, ser superiores ao caput, uma vez que em algumas infrações penais pode ocorrer tão somente o aumento ou da pena mínima, ou da pena máxima cominada em abstrato, sendo, ainda assim, considerado como qualificado (GRECO 2017, p. 228).


As qualificadoras se referem aos motivos que levaram o acusado a cometer o crime, os meios que ele utilizou, os modos que executou e os fins por que cometeu o crime (GRECO, 2017). A maioria dos crimes previstos no CP possuem qualificadoras. Em relação aos delitos julgados pelo Tribunal em questão, podem estar relacionadas a homicídio qualificado.

Mas antes da instauração do corpo colegiado de “Juízes não togados” é preciso que eles entendam alguns dos princípios que regem o Tribunal do Júri. São quatro os Princípios Regentes: a presunção de inocência, a ampla defesa, a plenitude da defesa e a incomunicabilidade. Esses princípios normalmente são explicados aos jurados antes de iniciar cada sessão, sempre que houver algum membro novo no Tribunal do Júri.

O principio da presunção de inocência diz que todo e qualquer acusado deve ser considerado inocente caso não tenha sido comprovada culpa. Ou seja, que a sentença não tenha transitado em julgado, quando encerra-se o processo definitivamente em todas as suas instâncias.

Por isso e levando em consideração o principio da igualdade, Art. 5o da CF88, todo cuidado é pouco no momento da sustentação oral, pois em hipótese alguma a acusação ou a defesa pode taxá-lo como culpado ou ferir sua honra.

O principio da ampla defesa é dividido em duas partes: a defesa técnica, segundo a qual, na ausência da defesa (Advogado ou Defensor Público), o processo é suspenso ou até anulável e a autodefesa do acusado, quando ele pode agir como o próprio advogado, ou ainda, se preferir, ficar em silêncio para não se incriminar segundo o Art. 5, inciso LXIII da CF88.

O principio da plenitude de defesa, que ampara os representantes legais a utilizarem de argumentos jurídicos e extrajurídicos, sendo que esses elementos extrajurídicos devem ter conexão com o caso concreto.

Por fim, o principio da incomunicabilidade, que é de extrema importância para a sustentação oral, pois os operadores de direito tem a missão de convencer e persuadir individualmente cada jurado, já que nenhum dos jurados, enquanto da vigência do julgamento, não podem ter qualquer contato com outras pessoas, nem mesmo entre si. Diferente do que ocorre nos Estados Unidos, onde os jurados podem conversar entre si para chegar a uma única conclusão sobre o caso.

Portanto, tanto maior é a missão do advogado em sua performance. Ele não deve convencer, nesse caso, os seus pares, conhecedores do Direito. Deve, por outro lado, convencer os representantes da sociedade, pessoas leigas que pouco ou nada conhecem do Ordenamento, da Jurisprudência ou da Doutrina Jurídicas.

Nesse sentido, a eloquência e a teatralidade tem papel ainda mais preponderante na estratégia de valoração do discurso e do convencimento do interlocutor. Por isso, cada gesto deve ser observado com cuidado. Mas, além dos gestos, deve-se estar atento às reações, os olhares e às expressões dos membros do Júri e dos demais ouvintes. Cada um deles tem papel importante na composição da paisagem oral que será formada (FERNANDES, 2007).

Segundo Frederico Fernandes “O auditório também é parte importante durante uma performance. A título de exemplo, são comuns rituais entre os indígenas para contar mitos, lendas e sonhos” (2002, p. 27). A troca de olhares e as expressões faciais, portanto, podem interferir na estratégia de persuasão do operador.



  1. O papel da defesa no Tribunal do Júri


Como visto anteriormente, são no mínimo três os operadores do direito que atuam diretamente no Tribula do Júri: o Juiz, o Promotor e o Defensor Público ou Advogado de Defesa. Em alguns casos, pode-se ter um advogado assistente, contratado pelos interessados na acusação, auxiliando o Ministério Público.

Ainda que o Juiz de Direito seja figura preponderante a guiar as ações e impor a ordem sempre que necessário, neste artigo trataremos de duas figuras que atuam diretamente na argumentação e persuasão do auditório: o Defensor Público e o Advogado de defesa.

O Defensor é um Servidor Público designado para defender os direitos e representar o acusado quando este não possui os recursos necessários para custear sua própria defesa. Ele tem que garantir assistência jurídica integral gratuita, aos legalmente necessitados, prestando a orientação e a defesa em todos os graus e instâncias, de modo coletivo ou individual.

Já o Advogado de Defesa é um profissional contratado pela parte acusada, quando esta tem poder aquisitivo suficiente para não depender dos serviços de um defensor público. O Advogado de Defesa tem um contato maior com o réu e seus familiares.

Sua missão, tal qual a do Defensor Público, é resguardar os princípios constitucionais e verificar se estes estão sendo aplicados corretamente em favor de seu cliente. Sobretudo, defende também o processo, e o direito do processado. O advogado deve reivindicar, quando há a condenação, uma pena mais justa; resguardar o devido processo legal e garantir que seu cliente seja ouvido.

Depois de examinar o função do Tribunal e o papel dos Operadores do Direito responsáveis pela defesa, vamos analisar a performance destes frente ao Tribunal do Júri.



  1. A performance da defesa no Tribunal do Júri


Antes de tratarmos da performance da defesa, alguns pressupostos e impressões devem ser ilustrados para entender o desafio que esses profissionais têm em mãos.

O “clima” num ambiente como esse não é dos mais agradáveis. Houve um crime. Morte. Famílias choram a perda de um ente, outras clamam pela absolvição de alguém que se crê inocente. Não é uma atmosfera de paz como o de um templo. O choro não é o pedido de uma providência divina. De todos os lados pede-se justiça. O ambiente é de “guerra”.

Além do clima tenso que perpassa toda a situação, de uma maneira geral, diríamos que o pré-julgamento é uma falha comum ao ser humano. Todos nós temos algum tipo de “pré-conceito” em menor ou maior grau. O noticiário político atual é prova disso. Toda hipótese levantada gera uma enxurrada de críticas e acusações. O próprio ditado popular “onde há fumaça há fogo” ilustra esse defeito humano.

Nos arriscamos a dizer que nem mesmo o Juiz, com todo o seu conhecimento acerca da matéria que julga pode ser completamente excluído desse defeito tão humano. Se nem ele seria capaz de escapar a isso, os Operadores do Direito responsáveis pela defesa devem trabalhar com a hipótese de que os membros do Tribunal do Júri em maior ou menor parte pré-julgam o acusado pelo simples fato deste estar sendo julgado. Ainda mais sabendo que antes dele fala o promotor de justiça, responsável por contar a versão dos fatos pela ótica da acusação. Sua missão, portanto é desfazer essa possível imagem pré-concebida.

Outro pressuposto importante é o de que a defesa deve reconstituir os fatos de forma desconstruir a versão exposta pela acusação e, para isso, devem usar todo o conhecimento que possuem sobre o caso e performatizar o seu ponto de vista sem esquecer que as pessoas que estão ali são leigas em matéria jurídica.

Em alguns casos é comum a defesa falar sobre a vida do acusado, sua rotina, o que faz da vida, quem são seus amigos, onde estudou, tentando desmistificar a imagem do assassino e trazer aos presentes a imagem de uma pessoa como outra qualquer.

Como dito na apresentação deste artigo, os pesquisadores do projeto foram ao Fórum Criminal de Belém e observaram a performance oral dos personagens em questão.

Em relação ao papel do Representante da Defensoria Pública, observou-se que, devido a grande demanda processual, não tem muito tempo para conhecer o acusado, a família e muitas vezes nem o processo profundamente. Esse profissional por outro lado e pelo mesmo motivo, na maioria das vezes, possui uma maior experiência em tribunais em relação a maioria dos Advogados particulares.

Estes, muitas vezes, têm a oportunidade de conhecer a família, conversar melhor com o cliente e tentar fazer com que aquele ponto de vista seja alcançado. Que aquela forma de ver a vida e o mundo transpasse para outra realidade, outra vivência. Que os que escutem tenham a oportunidade de, por alguns momentos, simbolicamente, possam “calçar os chinelos” daqueles que estão ali, processados pelo Estado.

Comparando a atuação da defesa técnica em relação à acusação (Promotores e Assistentes de Promotoria) é interessante perceber a diferença no tom de voz. Enquanto a acusação utiliza um tom de voz mais elevado a defesa normalmente fala num tom de voz mais baixo em relação ao primeiro.

Acusar é sempre uma agressão ao outro. É por si só um ato violento. “Apontar o dedo” a outra pessoa significa imputar-lhe culpa. Como cabe aos Promotores e Assistentes de promotoria o papel de acusar, esse tom de voz mais elevado simboliza essa agressividade.

Por outro lado, quando a Defesa utiliza um tom de voz menos agressivo, é para tentar desfazer a ideia inicial deixada pela promotoria e esvaziar a percepção de que aquele que está sentado no banco dos réus, se não está lugar certo, pelo menos a ele não lhe cabe toda culpa.



  1. Considerações finais


É comum na tradição oral situações de embate. Repentistas do nordeste, por exemplo, trabalham com improvisos e disputam entre si utilizando rima, ritmo e musicalidade. Rappers nos grandes centros duelam um contra o outro e ganham credibilidade nos seus grupos sociais.

No entanto, não estamos falando de uma disputa. O duelo, nesse caso, não é de um contra outro. O que se objetiva não é uma vitória interpessoal. Visa-se ao estabelecimento de uma verdade jurídica que está longe de ser absoluta. Uma verdade para fins de pacificação social e encerramento de um conflito.

O debate de ideias e argumentos pode levar, nesse caso ao encarceramento de um inocente ou a absolvição de um culpado. Da mesma forma que a não observação de certos atenuantes e agravantes pode gerar um aumento ou uma diminuição desmedida da pena.

Pode ser que “contra fatos não há argumentos” mas há sempre, no mínimo dois pontos de vista diante de um fato jurídico e para dar voz às partes processuais é que existe a figura do Advogado (ad = junto + vocare = chamar/convocar) aquele que é a voz ou empresta a sua voz diante de um tribunal àqueles que desafortunadamente precisam.

Como a missão de advogar e dar voz ao ponto de vista representado, é que Defensores Públicos e Advogados de defesa não podem apenas contar o que aconteceu. A performance, como dito no início, valora o discurso, a argumentação e a contra-argumentação do início ao fim, fazendo com que o dito possa ser melhor entendido.

Nesse processo – não como peça processual, mas como procedimento – é preciso adentrar à vida das pessoas, lambuzar-se em suas vivências. Como nós pesquisadores das Poéticas Orais vivamente tentamos nos embrenhar nas matas, nos campos e nos serrados, vivenciando o dia a dia das pessoas na busca de entender o que dizem a partir de uma visão aproximada a delas.

Há um jardim em cada um de nós que precisa ser explorado, mas há também um “Grande Sertão” que pulsa ininterruptamente. E como saber dessas “Veredas que se bifurcam” só olhando laudas de processos? Como fazer com que uma terceira pessoa, ou terceiras pessoas, que não estavam lá no dia em que aconteceu o suposto delito, não presenciaram a situação, entendam o ocorrido, senão tentando mergulhar no profundo das suas realidades e trazendo a tona em vozes e gestos os seus sentimentos e anseios?

É aí que entra a fruição como processo de percepção estética. Quando a arte imita a vida (mimesis) e nos faz sentir como se estivéssemos lá (Catarsis). Esse “presencismo” nos comove, nos induz e nos faz entender como a vida funciona (ARISTÓTELES, 2003).

Com isso, o Operador do Direito que tiver melhor oportunidade de aproximar a sua ótica à parte que defende, tem maiores possibilidades de performatizar sua defesa (ou acusação) no sentido de fazer com que o que se diga, toque, de fato, aqueles que escutam passivamente sentados, com a difícil tarefa de julgar e tentar encontrar uma verdade que encerre a questão.

Entretanto, não se pode ignorar que a técnica e o improviso são recursos que profissionais experientes fazem uso quando não se consegue um aprofundamento prévio.

Portanto, aqueles que conseguem aliar aprofundamento e técnica possuem maiores chances de terem suas teses aceitas perante, não somente o corpo de jurados, mas frente toda a sociedade ali representada.

Para maior aprofundamento dos estudos referentes a pesquisa em questão pretendemos analisar casos específicos, ou um conjunto de casos com a mesma temática para perceber se há alguma singularidade nas performances apresentadas pelos operadores.

Outra possibilidade de exploração prevista no projeto seria de analisar casos amplamente divulgados na mídia e tentar perceber se há uma performatização maior neste que em outros por conta da exposição e notoriedade dos casos.

Acreditamos que este é um estudo que se vincula ao campo das poéticas da voz, porque a análise vista deste ângulo nos permite entender essas manifestações como algo que gera fruição e, com isso, prazer estético. Nesse envolvimento entre os operadores do direito e seus interlocutores é que acreditamos realizar-se o convencimento.

Se a argumentação se dá quando termina o óbvio a performance pode ser encarada como reforço ao processo suasório, agregando valor aos argumentos utilizados para convencer o auditório da tese defendida.

Dessa forma, é possível impedir que um inocente seja considerado culpado, ou que um possível culpado se livre solto. Mas o contrário não seria verdade, e a performance não poderia ser usada para fins escusos? Em relação a isso, cabe ao operador e seu travesseiro decidirem se fazem uso deste recurso argumentativo para o bem ou para o mal. Cape aos profissionais do direito decidirem se valores éticos e morais devem estar acima do dinheiro.



REFERÊNCIAS


ARISTÓTELES, Arte poética. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003.


BORGES. Jorge Luis. Ficciones. Buenos Aires: Emecé Editores S. A., 1956.


Código do processo Penal, 1941.


Código Penal, 1940.


Constituição Federal, 1988.

FERNANDES, Frederico Augusto Garcia. A voz e o sentido: a poesia oral em sincronia. São Paulo: UNESP, 2007.


Decreto-Lei nº 3.689, 1941


_______. Entre histórias e tererés: o ouvir da literatura pantaneira. São Paulo: UNESP, 2002.


GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. Niteroi, RJ: Impetus, 2017.


______. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. Niteroi, RJ: Impetus, 2017.


Lei nº 11.689, 2008.


REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.


ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.


ZUMTHOR, Paul. Escritura e nomadismo. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Sonia Queiroz. São Paulo: Ateliê, 2005.


______. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac & Naify, 2007.






[Recebido: 27 fev. 2019 – Aceito: 07 jul. 2019]


BOITATÁ, Londrina, n. 26, ago.- dez. 2018 66