BOITATÁ, Londrina, n. 26, ago.- dez. 2018 78
Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL ISSN 1980-4504
LITERATURA E CINEMA: AS FUNÇÕES NARRATIVAS DE PROPP EM DUAS
VERSÕES DO CONTO A BELA ADORMECIDA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O
CONTEXTO ESCOLAR
Robervânia de Lima Sá Silva (IFPA)
Érica de Cássia Mai (UFT)
Zaline do Carmo dos Santos Wanzeler (IFPA)
Resumo: Os contos, independentemente de sua classificação, exercem e sofrem grande influência
advinda do contexto cultural e social, uma vez que sua criação está diretamente relacionada a eles,
devido originarem-se de tradições orais. Dessa maneira, as várias adaptações que são elaboradas
levando em consideração as muitas transformações ocorridas no contexto do leitor dão provas de que
eles são de extrema importância para a sociedade e para o ensino em ambientes escolares. Dessa
forma, a presente pesquisa tem como objetivo principal, analisar sob a ótica do modelo funcional de
Propp para narrativas,a primeira versão escrita do conto a Bela Adormecida, de Giambattista Basile
cujo título era Sol, Lua e Tália e a última versão cinematográfica para o conto, Malévola, que
apresenta roteiro de Linda Woolverton e direção de Robert Stromberg, e ainda, discutir uma forma de
aplicação em sala de aula.A pesquisa desenvolvida se classifica como qualitativade cunho
bibliográfico. Para realizar a discussão utilizamos como abordagem teórico-metodológica no campo da
pesquisa científica, os trabalhos de Bortone-Ricardo (2008), Fachin (2001) e Gil (1999), no campo da
teoria literária, adotamos os estudos de Propp(2006), no campo do ensino da literatura,Souza e Cosson
(s/d) e Cosson(2009) foram os autores investigados.
Palavras chave: Teoria literária. Conto. Adaptação cinematográfica.
Abstract: The tales, regardless of their classification, exert and suffer great influence coming from the
cultural and social context, since their creation is directly related to them, due to originating from oral
traditions. Thus, like several adaptations that are elaborated taking into account the many
transformations occurred in the context of the reader, the tests are considered of extreme relevance for
society and for school teaching. Thus, the present research has as main objective, the analysis from the
perspective of the functional model of Purpose for the narratives, a first version of the story sleeping
Beautyof Giambattista Basile, whose title was the old era Sun, Moon and Talia and the third film
version for the short story, Malévola, which features screenplay by beauty Woolverton and direction
by Robert Stromberg, and is a form of application in the classroom. The research is classified as
qualitative of bibliographic character. In order to carry out the research we use the theoretical-
methodological approach in the field of scientific research, the works of Bortone-Ricardo (2008),
Fachin (2001) and Gil (1999), in the field of literary theory, adopting studies by Propp (2006) , in the
field of literature, Souza and Cosson (s / d) and Cosson (2009) were the authors investigated.
Key words: Literary Theory. Tale. Filmadaptation.
1. Introdução
O conto “A Bela Adormecida”é um dos mais conhecidos da literatura ocidental.
Publicado pela primeira vez em 1634 no Pentamerone, um livro italiano que reúne 50 contos,
dentre eles, a primeira versão do conto em estudo.O autor da obra é Giambattista Basile que,
assim como, os irmãos Grimm e Charles Perralt, recolheu as histórias de seu livro ouvindo a
comunidade de sua época, para posterior adaptação e publicação das narrativas orais
populares que se tornaram ainda mais conhecidas.
A primeira versão da Bela Adormecida foi publicada com o título de “Sol, Lua e
Tália” e apresenta fatos bem distintos das versões romantizadas de Grimm e Perralt, uma vez
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que expõe cenas de violência contra a mulher, enquanto que Malévola, também se difere
bastante das demais versões, pois seu roteiro gira em torno não somente da princesa, mas
principalmente da bruxa-fada. O mesmo não apresenta violência sexual, mas,como em quase
todos os contos, o bem custa a alcançar seus objetivos.
2. Metodologia
Elaborar um trabalho de cunho científico exige a adoção de um método que atenda aos
objetivos da pesquisa, caso contrário, ela pode ficar limitada ao senso comum. De acordo com
Fachin (2001) O método científico caracteriza-se pela escolha de procedimentos sistemáticos
para descrição e explicação de uma determinada situação sob estudo e sua escolha deve estar
baseada em dois critérios básicos: a natureza do objetivo ao qual se aplica e o objetivo que se
tem em vista no estudo. Gil (1999, p.26) ratifica essa informação ao afirmar que a pesquisa
científica faz uso de um conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos sistematizados em
busca dos objetivos traçados.
Assim sendo, de acordo com os objetivos desse estudo que são: a) Realizar uma
análise comparativa da primeira versão do conto “A bela Adormecida” com a última versão
cinematográfica deste, a saber, Malévola, levando em consideração as funções narrativas de
Propp e b) Tratar a respeito de sua utilidade em sala de aula; a pesquisa qualitativa de cunho
interpretativista parece ser a mais adequada ao alcance das metas traçadas. De acordo com
Bortoni Ricardo (2013, p. 33) os pressupostos interpretativistas podem ser definidos como
“um conjunto de métodos e práticas empregados na pesquisa qualitativa”. Assim sendo,
podemos perceber que a pesquisa bibliográfica qualitativa interpretativista é a que melhor
atende as demandas desse trabalho.
3. Fundamentação Teórica
As histórias de tradição oral estão presentes em praticamente todas as civilizações,
desde os tempos remotos. Elas são testemunhos, verídicos ou não, que são transmitidos em
forma de contos, provérbios, baladas, entre outras. Dessa maneira, os contos tradicionais que
conhecemos foram recolhidos por pesquisadores que fizeram seu registro escrito, por vezes
fidedigno, às vezes, nem tanto, para que as mesmas não se perdessem ao longo do tempo e se
tornassem conhecidas por outras regiões e até mesmo nações distintas.
A princípio, os contos recolhidos não tinham um público específico, como ocorre hoje
em dia em que os mesmos são organizados e classificados de acordo com a faixa etário do
público.Segundo Áries (1979, p. 156) na sociedade medieval a criança, a partir do momento
em que passava a agir sem solicitude de sua mãe, ingressava na sociedade dos adultos e não
se distinguia mais destes", isto é, as classificações do desenvolvimento, como infância e
adolescência que existem atualmente eram conceitos inexistentes para o período em que a
primeira versão do conto foi lançada.
Naquela época, não havia se quer o conceito de infância como concebemos hoje, de
acordo com Paula (2005 p.1) antes "a criança inexistia ou ficava adstrita a escassos
momentos”. Devido a isso, a violência e a sexualidade eram tratadas nos contos com
naturalidade, pois somente os adultos eram considerados no momento da coleta ou elaboração
dos textos que seriam publicados. Contudo, hoje é possível percebermos que a infância
passou a existir na literatura.
De acordo com Áries (1979 p. 14) "a 'aparição' da infância se a partir do século
XVI e XVII na Europa, quando o mercantilismo, altera o sentimento e as relações frente à
infância, modificado conforme a própria estrutura social". Assim sendo, as transformações
sociais e econômicas influenciaram diretamente a forma de olhar e perceber a criança. Esse
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novo olhar influenciou os contos que passaram a vislumbrar o público infantil e juvenil,
mudando as atitudes dos personagens, o cenário dos eventos entre outras características.
Diferentemente do período medieval em que as crianças eram apenas “complementos” nas
histórias, hoje, é possível vislumbramos crianças protagonistas em vários contos.
3.1. Sol, Lua e Tália
A primeira versão do conto “A Bela adormecida”foi lançado em uma coletânea
denominada Pentamerone em 1634 e tem como tulo “Sol, Lua e Tália”. De origem italiana,
o livro reúne 50 contos coletados da tradição oral por Giambattista Basile.
O conto tem início com o relato da história do nascimento da filha de um grande
senhor (uma outra forma de denominar um rei naquela época). Na ocasião do nascimento,o rei
convoca, como de costume na época, os sábios e adivinhos para saber a sorte de Tália, sua
filha recém nascida. O rei se entristece ao saber que a mesma corre perigo devido a uma farpa
de linho enfeitiçada, manda destruir todas as rocas do reino, mas o previsto acontece. Tália
fere seu dedo com uma farpa de linho que fica presa embaixo de sua unha. Seu pai a deixa
adormecida em seu castelo e vai embora com todos os súditos para bem longe do reino no
intuito de não ver o fim de sua filha.
A história prossegue e depois de muitos anos outro rei sai para caçar e,por acaso,
encontra Tália no Castelo, o mesmo sente um forte desejo por ela e abusa sexualmente da
princesa que está em sono profundo. Depois de nove meses, Tália, mesmo inconsciente, a
luz, com a ajuda de algumas fadas, aos gêmeos Sol e Lua. Certo dia, as crianças querendo
mamar não conseguem alcançar os seios de sua mãe, por isso, sugam-lhe o dedo até que a
farpa de linho se desprende e a princesa Tália desperta de seu sono mágico, isto é, de sua
maldição. Depois de algum tempo o rei se lembra da jovem, volta ao palácio e começa um
relacionamento extraconjugal com a moça. No entanto, sua esposa não fica satisfeita com o
ocorrido e tenta assassinar Tália e seus filhos. O plano da rainha falha e Tália assume seu
lugar no castelo e na vida do rei tornando-se oficialmente uma rainha.
3.2. Malévola
A mais nova versão cinematográfica da Bela Adormecida, cujo título é Malévola, é
narrada pela própria princesa Aurora, idosa. Seu inicio é marcado pela presença de uma
fada boa que vive em um reino encantado que faz divisa com um reino de humanos. Ainda
menina, Malévola conhece Stefan, um menino pobre por quem se apaixona. A princípio, ele
também demonstra algum sentimento por ela, mas seu desejo por riqueza, bem como seu
objetivo de um dia tornar-se rei faz com que ele priorize sua ambição ao invés de seu amor.
Em uma das batalhas entre os dois reinos, isto é, o reino das fadas e o reino dos humanos,
Malévola consegue vencer com vantagem e ainda fere o rei. Este, por sua vez, promete a
sucessão de seu trono aquele que conseguir matá-la. Stefan enche ainda mais seu coração de
cobiça e procura Malévola, faz com que ela beba uma substância que a faz adormecer, com o
propósito de assassiná-la, no entanto, não consegue tirar sua vida, por isso, corta suas asas
com uma corrente de ferro, único metal capaz de ferir uma fada, e as entrega ao rei afirmando
que conseguiu tirar sua vida. Ao despertar, Malévola fica irada e amargurada pela traição de
Stefan e transforma seu reino em um lugar de escuridão. Na tentativa de saber como vivia
Stefan em seu castelo, a fada transforma um corvo em um ser humano, Diaval. Este sofre
várias transformações ao longo da trama para ajudar Malévola. Um dia, ele avisa a fada que o
rei dará uma festa para comemorar o nascimento de sua filha, Aurora. Malévola, então,
encontra uma forma de se vingar de Stefan e comparece ao baile sem ter sido convidada. A
mesma, amaldiçoa a princesa, que deverá picar seu dedo em um fuso ao completar 16 anos e
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cair em sono profundo, até que ganhe um beijo de amor verdadeiro. O rei tenta destruir todas
as rocas de fiar do reino, confia a criação de aurora, em seus primeiros dezesseis anos a três
fadas desastradas que moram no mesmo reino de Malévola. A criança vai crescendo e aos
poucos vai conquistando o amor de Malévola, até que completa certa idade e resolve procurá-
la imaginando ser esta sua fada madrinha. Malévola, ao perceber que se apegou a menina,
tenta desfazer seu encanto de diversas formas, contudo, sem sucesso algum. Aurora conhece
um príncipe que está se dirigindo ao castelo de seu pai e se interessa por ele. O fato, traz ao
coração de Malévola, uma grande esperança de quebrar sua maldição.
Contudo, ao completar 16 anos de idade, Aurora decide morar com sua “fada
madrinha”, mas, as outras três fadas ficam enciumadas e contam a princesa, sobre o feitiço
que Malévola havia lançado sobre ela. Devido a isso, a princesa fica entristecida e volta para
o castelo de Stefan, seu pai. Lá, ela fura seu dedo em uma roca de fiar e a maldição se
concretiza. Malévola, vai ao castelo levando consigo Philip, o príncipe que Aurora conhecera
no reino das fadas, na intenção de salvá-la de sua própria maldição, mas seu plano falha, pois
não havia amor verdadeiro entre os dois. A fada chora tristemente por imaginar que a princesa
estará para sempre condenada à maldição e ela mesma lhe dá um beijo. Aurora desperta, pois
recebeu um beijo de amor verdadeiro da fada. Ao perceber o ocorrido, a princesa luta ao lado
de Malévola contra seu próprio pai, pois percebe o que ele é uma pessoa má. Alias, é a
princesa quem descobre onde as asas da fada estão guardadas e as devolve. Ao receber suas
asas, Malévola recupera todo o seu poder e vence o rei, bem como, todo o seu exército.
Aurora se torna a rainha e passa a governar os dois reinos.
Observemos a seguir, uma análise das duas versões do conto em estudo, a luz de
Vladimir Propp, em sua obra, a Morfologia dos contos de fadas.
4. As funções de Propp e as duas versões da Bela Adormecida
Vladimir Propp foi um estudioso que procurou analisar a forma como os contos se
organizam, por meio de um estudo analítico de 100 contos russos. Sua pesquisa deu origem a
obra “A Morfologia dos Contos de Fadas” na qual o autor sistematiza sete classes de
personagens, seis estágios de evolução das narrativas e trinta e uma funções narrativas. Para
Propp (2006, p. 26) “Por função, compreende-se o procedimento de um personagem, definido
do ponto de vista de sua importância para o desenrolar da ação”, ou seja, as funções de cada
personagem são as partes essenciais dos contos. Nem sempre, os contos apresentam as trinta e
uma funções, mas as que aparecem na narrativa sempre seguem a sequência de narrativas
propostas pelo autor.
Dessa maneira, passaremos agora a verificar quais funções estão presentes na primeira
versão do conto “A Bela Adormecida”, cujo título era “Sol, Lua e Tália” de
GiambattistaBasile e na última versão do conto para o cinema, “Malévola”, roteiro de Linda
Woolverton e direção de Robert Stromberg. Vejamos a análise de acordo com a sequência de
funções elencadas por Propp:
4.1. Afastamento
Segundo o Propp a “função de afastamento pode ser de uma pessoa da geração mais
velha e as formas habituais de afastamento são: para o trabalho, para a mata, para dedicar-se
ao comércio, para a guerra, ou a negócios” (PROPP, 2006, p.19).
No conto original, a primeira função de Propp é representada por Tália, a Bela que
viria a adormecer ao se tornar crescida. A mocinha avistou pela janela do castelo uma velha
que fiava.Muito curiosa, solicitou que a mesma viesse até ela para que pudesse aprender a
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fiar. No filme, a função 01 é vivida pela princesa Aurora que foge do reino encantado dos
Moors para voltar ao reino dos humanos no qual seu pai é o rei.
4.2. Interdição
Nas palavras do autor “Impõe-se ao Herói uma Proibição” (PROPP, 2006, p.19).
Segundo o teórico, a interdição também pode parecer sob a forma de um pedido ou até
mesmo de um conselho.
A interdição do conto está no fato de que Tália não poderia entrar em contato com
uma roca de fiar, pois a farpa de linho representava grande perigo à princesa. No filme ocorre
o mesmo, a bela adormecida na poderia entrar em contato com uma roca de fiar. O que acaba
acontecendo nas duas versões.
4.3.Transgressão
Para o autor transgressão é sinônimo de interdito, assim, “as formas de transgressões
correspondem às formas de interdito. As funções II e III constituem um elemento par. O
segundo membro pode existir, às vezes sem o primeiro”. (PROPP, 2006, p.20).
Dessa maneira, na primeira versão do conto, o convite de Tália à velha que fiava é a
raiz de suas dificuldades, ou seja, a transgressão, pois seu pai havia proibido tal ofício no
reino, no entanto, a moça o desobedece. No filme, Aurora, por sua vez, também desobedece
às ordens das fadas e de Malévola e volta para o reino dos humanos entrando em contato com
a roca, objeto que desencadeia sua maldição.
4.4.Interrogação
De acordo com Propp (2006, p. 20) “O interrogatório tem por finalidade descobrir o
lugar onde se encontram as crianças, às vezes objetos preciosos etc.”
No conto,esta função é desenvolvida pela antagonista que é representada pela rainha,
enquanto que no filme é por Stefan, um jovem menino que ao crescer usa Malévola para se
tornar rei. Contudo, vale ressaltar que se a história do conto transcorresse nos dias atuais, o rei
também poderia ser considerado um vilão, pois abusou sexualmente de Tália enquanto esta se
encontrava inconsciente, dormindo um sono profundo.
1.5. Informação
Nesta função, o “Antagonista Recebe Informações sobre a sua Vítima” (PROPP, 2006,
p.20). Assim, as informações a respeito de Tália são conseguidas por meio de um suborno que
a rainha oferece ao secretário oficial do rei. Em Malévola, o informante é o corvo em forma
de homem, Diaval. Ele é quem fornece todas as informações necessárias a bruxa, para que ela
arquitete seus planos.
1.6. Engano
Aqui, “o Antagonista Tenta Ludibriar sua vítima para apoderar-se dela ou de seus
bens” (PROPP, 2006, p.20).
No filme, Stefan volta ao reino de malévola para supostamente protegê-la, no entanto,
ele a ataca e rouba suas asas para conseguir se tornar rei. Por sua vez, no conto, a agressora é
a rainha traída que manda recados enganosos a Tália, na intenção de tirar-lhe a vida.
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1.7. Cumplicidade
Nesta função Propp, (2006, p.21) afirma que “a vítima se deixa enganar, ajudando
assim, involuntariamente, seu inimigo”. No caso do filme, Malévola acredita no amor de
Stefan, enquanto que no conto, Tália se deixa enganar pela rainha por meio do recado do
secretário do rei.
1.8. Dano/vilania
De acordo com o autor,
Esta função é extremamente importante, porque é ela na realidade que
movimento ao conto maravilhoso. O afastamento, a infração ao interdito, a
informação e o êxito do embuste preparam esta função, tornam-na possível
ou simplesmente a facilitam. Por isso, as sete primeiras funções podem ser
consideradas como parte preparatória do conto maravilhoso, enquanto que o
nó da intriga está ligado ao dano.(PROPP, 2006, p.21).
No conto, Tália é levada para o palácio e é agredida pela rainha que tenta tirar sua
vida, enquanto que no filme, Malévola enfeitiça a filha do rei.
1.9. Mediação
Nesta função, “É divulgada a notícia do dano ou da carência” (PROPP, 2006, p.24).
Dessa maneira, Malévola é ao mesmo tempo heroína e vilã, pois enfeitiça a bela adormecida e
cuida para que não aconteça nada de mal a menina, o que significa uma oposição a ela
própria. A divulgação do dano ocorre quando as três fadas enciumadas contam a Aurora
acerca da maldição lançada pela bruxa.
1.10. Início da ação contrária
“Este momento é característico somente dos contos onde o herói é o buscador. Os
heróis expulsos, mortos, enfeitiçados, substituídos, não tem a vontade de libertar-se; e então
este elemento está ausente”. (PROPP, 2006, p.25).
O início da ação contrária no filme é representado por Malévola que tentar salvar
Aurora de seu próprio feitiço. No conto, esta função é representada pelo rei que condena sua
esposa a morte para proteger Tália.
1.11. Partida
Conforme nos explica o autor, “Esta partida representa algo diferente do afastamento
temporário, designado acima” (PROPP, 2006, p.25). Isso pode ser visto no filme, onde
malévola parte para o castelo com um jovem príncipe na esperança de desfazer seu feitiço
com um beijo de amor verdadeiro e também no conto, em que o rei se lembra da jovem que
abusou a alguns anos atrás e vai à sua procura.
1.12. Função do doador
Neste quesito o doador põe a prova o herói da narrativa. Dessa forma, no filme, é um
corvo transformado em homem quem exerce a função de doador. No conto, esse papel fica a
cargo do cozinheiro do palácio do rei, que protege os filhos de Tália de serem mortos cozidos.
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1.13. Reação do herói
Neste caso, “O herói reage diante das ações do futuro doador” (PROPP, 2006, p.26).A
função de reação ao herói é representada pelo corvo que se torna informante e ajudante de
Malévola em meio a algumas batalhas. No conto, o cozinheiro do palácio do rei desobedece a
rainha e não cozinha os filhos de Tália conforme ordenado por ela.
1.14. Recepção do objeto mágico
Propp nos esclarece que nessa função o meio mágico passa às mãos do herói. No
filme, são as asas de Malévola que fornecem seus poderes. Elas lhe são devolvidas por Aurora
quando a menina descobre a vilania de seu pai. No conto, esta função não se aplica.
1.15. Deslocamento
Nesta função,
O herói é transportado, levado ou conduzido ao lugar onde se encontra o
objeto que procura[...]. Geralmente o objeto da busca se encontra em outro
reino. Este reino pode-se encontrar bem distante em linha horizontal ou bem
em cima ou embaixo em linha vertical. Os meios de comunicação podem ser
os mesmos em todos os casos, mas existem formas específicas para viajar
para as alturas ou para as profundezas.(PROPP, 2006, p.30).
Dessa forma, no filme, Malévola parte para o castelo para salvar a Bela Adormecida.
No conto, o rei se dirige ao local aonde Tália seria queimada.
1.16. Luta
Nesta função os personagens principais, isto é, o herói e o antagonista se enfrentam em
combate direto. No filme, isso ocorre quando a presença de Malévola (dentro do castelo
inimigo) é percebida pelo rei que a ataca. No conto, podemos observar tal fato quando Tália é
atacada pela rainha que tenta matá-la queimada.
1.17. Marca
Nesta função, o herói é marcado fisicamente. No filme, Malévola fica com
queimaduras devido ao metal utilizado pelo rei. Não é possível notar essa função no conto.
1.18. Vitória
Aqui, o protagonista vence o antagonista. No filme, essa função é representada pelo
beijo de amor que salva A Bela Adormecida do sono profundo e que é dado por Malévola,
enquanto que no conto, o que salva Tália do sono profundo é o sugar de seu filho em seu
dedo.
1.19. Reparação
Tanto, Tália no conto, como a Bela Adormecida no filme, despertam do encanto.É
esse despertar que representa a função reparadora de Propp, que “forma uma parelha com o
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momento em que aconteceu o dano ou a carência dentro do da intriga”. (PROPP, 2006,
p.31).
1.20. Volta
Malévola volta para seu reino de fantasia, isto é, o reino das fadas, o que representa
um regresso, que é um retorno ao lugar que lhe foi retirado de alguma forma. Para Propp:
O regresso se realiza geralmente, da mesma forma que a chegada. Mas não é
preciso fixar aqui uma função particular que segue o regresso, pois este
implica num domínio do espaço; e nem sempre é assim no momento da
partida. Esta é seguida pela transmissão do objeto mágico (cavalo, guia etc.),
quando ocorre o voo ou outras formas de deslocamento. A volta, então,
acontece em seguida e quase sempre da mesma forma que a partida.
(PROPP, 2006, p. 33).
É importante ressaltar que tanto o conto original, quanto a última versão para o cinema
não apresentam as funções 21 a 31 respectivamente.
2. As duas versões do conto e suas implicações
A comparação do conto escrito com a versão cinematográfica pode proporcionar
momentos ricos de reflexão em sala de aula, pois fornece visões distintas para a mesma
história. Além disso, contribui de forma significativa para o letramento em leitura dos alunos
da educação básica, o que constitui uma das maiores necessidades da escola, pois ler e
escrever é fundamental para o desenvolvimento de nossa sociedade. Devido a isso, a literatura
assume um papel importante: incentivar aprendizes a praticar a leitura literária.
De acordo com Cosson (2006, p. 17) é papel da literatura “[...]tornar o mundo
compreensível transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e
formas intensamente humanas”. E é justamente isso que podemos observar nos contos.
Malévola, apresenta uma história antiga contada de forma diferente, ou seja, a história é
narrada sob a ótica da bruxa-fada.
Dessa forma, o professor pode orientar seu trabalho com os contos, por meio dos
estudos de Rildo Cosson que sugere que as aulas de literatura se organizem por meio de
Sequências Didáticas.
Ainda de acordo com Souza e Cosson:
O letramento literário enquanto construção literária dos sentidos se faz
indagando ao texto quem e quando diz, o que diz, como diz, para que diz e
para quem diz. Respostas que podem ser obtidas quando se examinam os
detalhes do texto, configura-se um contexto e se insere a obra em um diálogo
com outros tantos textos. Tais procedimentos informam que o objetivo desse
modo de ler passa pelo desvelamento das informações do texto e pela
aprendizagem de estratégias de leitura para chegar à formação do repertório
do leitor. (SOUZA e COSSON, 2010, p. 103).
Assim sendo, o trabalho com os contos, tanto na versão escrita, quanto na audiovisual
deve se orientar levando-se em consideração a tais indagações, pois elas contribuem para uma
melhor compreensão e apropriação do gênero textual abordado pelo professor que deve
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perceber se seus alunos estão fazendo uso adequado de estratégias de leitura, uma vez que
estas são essenciais a compreensão do texto.
Segundo Pressley (2002) apud, Souza e Cosson (s/d p.104) para ler, o aluno necessita
dominar sete estratégias, são elas: conhecimento prévio, conexão, inferência, visualização,
perguntas ao texto, sumarização e síntese; caso contrário, seu entendimento fica
comprometido.
Portanto, o professor ao elaborar suas sequências didáticas deve levar em conta
também as estratégias de leitura.
O modelo funcional de Propp também pode contribuir para que o aluno possa
visualizar a importância de cada personagem que compõe a narrativa. Ele auxilia o educando
em momentos de produção de texto, sobretudo, nas revisões, pois permite verificar que
personagens e elementos sua produção não dispõe em relação aos modelos literários
existentes e estudados por ele, pois o conto atribui ações iguais a personagens distintos, isto é,
o aluno poderá criar o personagem que quiser, contudo, a função deste é sempre a mesma.
3. Considerações Finais
Por meio da presente análise e comparação foi possível verificar que os contos se
transformam e ressurgem a medida que a sociedade evolui e se modifica. Foi possível
percebermos que o modelo funcional de Propp se enquadra tanto no conto em versão escrita,
quanto, na versão audiovisual. Apesar das transformações apresentadas em cada versão, as
funções permanecem as mesmas e ainda estão presentes na sociedade moderna, ou seja,
nomes foram trocados, assim como suas características, mas as ações que cada função
desempenha permanecem inalteradas.
O modelo de Propp permitiu a identificação de todas as ações do conto escrito e do
filme. Algumas personagens aparecem em mais de uma função, como é caso de Malévola, as
vezes protagonista, as vezes antagonista, ainda assim, as funções são evidentes e favorecem
uma melhor compreensão das estruturas textuais pesquisadas.
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sala de aula. Universidade Estadual Paulista UNESP. Disponível em:
http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40143/1/01d16t08.pdf. Acessado em
05 de Janeiro de 2015.
[Recebido: 20 jan. 2019 Aceito: 06 jul. 2019]