É preciso agora mencionar como circunstância sugestiva, a continuidade, da
“tradição de auditório”, que tende a mantê-la nos caminhos tradicionais da
facilidade e da comunicabilidade imediata, de literatura que tem muitas
características de produção falada para ser ouvida: daí a voga da retórica, da
melodia verbal, da imagem colorida. Em nossos dias, quando as mudanças
assinaladas indicavam um possível enriquecimento da leitura e da escrita
feita para ser lida, ― como é a de MACHADO DE ASSIS ― outras
mudanças no campo tecnológico e político vieram trazer elementos
contrários a isto. O rádio, por exemplo, reinstalou a literatura oral, e a
melhoria eventual dos programas pode alargar perspectivas neste sentido. A
ascensão das massas trabalhadoras propiciou, de outro lado, não apenas
maior envergadura coletiva à oratória, mas um sentimento de missão social
nos romancistas, poetas e ensaístas, que não raro escrevem como quem fala
para convencer e comover. (CANDIDO, 1967, p. 102)
O ensaio que se encerra com a citação acima, O escritor e o público, foi publicado
antes na obra coletiva dirigida por Afrânio Coutinho, A literatura no Brasil, em 1955. Os
ensaios reunidos em Literatura e sociedade (1967), em sua maioria, foram publicados antes,
no período entre 1953 e 1961, em um contexto de fortes mudanças sociais e políticas no
Brasil. Questões constantes na atualidade também se referem à diferenciação de públicos, às
características estruturais, ao sentido que a criação literária tem para quem dela participa
como público ou como autor, a quem se destina, a relação texto – contexto social, ao processo
de integração (isto é, “o conjunto de fatores que tendem a acentuar no indivíduo ou no grupo a
participação nos valores comuns da sociedade”) e de diferenciação (“o conjunto dos que
tendem a acentuar as peculiaridades, as diferenças entre uns e outros”), conforme Candido
(1967, p. 27). Os estudos de Antonio Candido são fundamentais para entendermos o que
ocorre com as formas de apropriação e troca entre sistemas culturais diferentes.
Estudos nas áreas de Literatura Brasileira, Teoria Literária e Literatura Comparada
sobre autores como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Clarice Lispector e João Guimarães
Rosa encontraram-se diante de vários achados “de ouvido”, que os levaram, cada qual a sua
maneira, a (re)criar a linguagem literária com a experimentação da linguagem verbal oral, por
escrito, a expor a cadência da fala, a evidenciar procedimentos de contaminação da fala
coloquial ou pela poética oral, por exemplo.
Parece-me pertinente, para os estudos das culturas tradicionais, atentar para o modo ou
os modos de representar a oralidade por escrito ao se fazer as transcrições que dão
materialidade à palavra falada ou cantada. Quanto à metodologia para o estudo dos registros
sonoros, recorre-se à elaboração de textos (transcrições do oral ao escrito, descrições,
narrações e análises, fundamentadas na documentação oral, fotográfica e audiovisual e em
anotações em cadernetas de campo), à seleção de exemplos em outras linguagens (verbal oral,
sonora, audiovisual) que permitam a outros pesquisadores acompanhar as permanências e
mudanças culturais.
Nos últimos anos tenho me esforçado para produzir textos analíticos que, postados na
Internet, passem a sensação de algo que foi escrito para ser lido e ouvido, mas também, para
ser fruído com comentários e músicas que podem ser ouvidos, fotos e desenhos a serem
vistos, de modo a aguçar a atenção dos leitores com a linguagem verbal escrita, a linguagem
verbal oral e sonora, como a palavra cantada e a música, e a imagem estática ou em
movimento, de modo a provocar múltiplas percepções sensoriais. Para este tipo de produção
textual híbrida já ensaiei os primeiros passos, publicando em livro o relato de uma festa
popular ― A festa dos santos reis... do rádio, um exemplo de relato crítico, escrito por mim e
Marcos Ayala (AYALA; AYALA, 2015) e amostragem de áudio desta Festa de Santos Reis